Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O fantasma da adolescência no filme “Divergente”, por Wilson Ferreira

O fantasma da adolescência assombra o Capitalismo: como estender o período da vida que conhecemos como “juventude”, com toda a sua ansiedade e revolta, com a finalidade de adiar cada vez mais a entrada do jovem no mercado de trabalho? Filmes como “Divergente” (Divergent, 2014) é um exemplo da solução desse problema e, ao mesmo tempo, a descoberta de uma inesgotável fonte de lucros. Em cada década a indústria do entretenimento explorou essa “adolescência estendida”: rebeldes sem causa, punks, darks, góticos, emos. E agora, rebeldes “teens distópicos” de filmes como “Jogos Vorazes” ou “Ender’s Games”. Baseado em mais um indefectível romance infanto-juvenil, o filme “Divergente” traz a ambígua mensagem desses novos tradicionalistas de início de século: revoltem-se, sejam audaciosos, mas se abstenham de drogas e sexo e na segunda-feira voltem para a escola.

Divergente (Divergent, 2014) é mais um filme que se associa a outras franquias infanto-juvenis de sucesso como Crepúsculo e Jogos Vorazes. Desde Harry Potter (2001) Hollywood vem expandindo essa tendência em adaptar para as telas best sellers para o público jovem. Nesse início de século, a lista já é extensa, só para citar alguns: Eu Sou o Número 4 (2010), Cidade das Sombras (2008), Jogos Vorazes (2012), Instrumentos Mortais (2013), Ender’s Game (2013), Percy Jackson (2010) entre outros.

A procura da própria identidade e a descoberta do sexo e do amor são os temas universais da adolescência presentes nesses filmes, cujo desenvolvimento é amarrado por uma fórmula que parece comum: protagonistas que levavam uma vida aparentemente normal até um dia descobrirem que possuem estranhos poderes e que, por isso, são vigiados por entidades sombrias ou sistemas totalitários distópicos. E no transcorrer dessas sagas cinematográficas descobrirão o sexo e o amor que, em geral, tendem ou para os amores platônicos e impossíveis, ou então simplesmente para a abstinência sexual como um valor positivo.

 

São filmes que misturam inconformismo com conservadorismo – a desobediência adolescente como ritual de passagem. Na verdade são protagonistas que descobrem em si poderes extraordinários, assim como os adolescentes descobrem o futuro que os aguarda na vida com seus papéis e deveres e se revoltam, mesmo que brevemente.

Como veremos, essas sagas de revolta contra forças das trevas e sistemas totalitários é mais uma onda de um sub-zeitgeist que assombra cada década desde o pós-guerra (quando o jovem tornou-se um problemas econômico), e que é explorado regularmente pela indústria do entretenimento: rebeldes sem causa, hippies, darks, góticos etc.

O Filme

Adaptado do primeiro romance da trilogia best seller de Veronica Roth (Divergent, Insurgent, Allegiant), Divergente nos apresenta uma Chicago 100 anos no futuro, sobrevivente de uma guerra mundial, cuja sociedade é dividida por cinco facções com características primárias de personalidade que definem o grupo: os Candor (honestos), que prezam franqueza e ordem; os Abnegations (Altruístas), conhecidos pela modéstia e ajuda caridosa aos “sem facções” (os excluídos que vagam pelas ruas); os Erudites (Inteligentes) sérios estudiosos sempre em roupas sóbrias; os Amity (Pacíficos) cultivam a terra e vivem em harmonia sempre felizes; e os Dauntless (Audaciosos) bravos soldados que protegem a cidade.

Beatrice (Shailene Woodley) é um membro da Abnegação ao lado do seu irmão Caleb e seus pais. Se vestem com roupas simples e de cores monótonas. Seu princípio de abnegação é tão acentuada que só estão autorizados a dar uma olhada rápida no espelho a cada três meses, na hora de cortar o cabelo.

Basicamente não têm nenhum divertimento, mas Beatrice tem um ímpeto selvagem que a faz admirar a facção dos Audaciosos.

Quando ela se submete a um teste de aptidão, necessária a todos adolescentes com a finalidade de revelar a sua verdadeira natureza e determinar para qual facção se encaixarão na vida adulta, o resultado é inconclusivo: ela é uma “Divergente” – tem todas as qualidades de cada facção dentro dela, tornando-a potencialmente independente e perigosa para um sistema onde pensar de forma autônoma é intolerável.

Na Cerimônia anual de escolha da facção na qual viverão o resto das suas vidas, a qual os adolescentes se submetem pelos resultados dos testes, Beatrice escolhe a facção dos Audaciosos. Explicitamente, a Cerimônia é uma representação do mundo das escolhas adolescentes (profissão, faculdade etc.), tema que a franquia Harry Potter também explorou com o ritual da escolha das fraternidades no qual protagonistas eram submetidos.

Na facção aprenderá a lutar, atirar, saltar de trens, atirar facas, controlar sua mente em uma série de angustiantes simulações, tudo ao mesmo tempo em uma competição com outros iniciantes em um sistema de classificação exigente onde os perdedores serão expulsos, tornando mais um pária social na não-facção – mais representações do mundo competitivo escolar e profissional que angustia os adolescentes espectadores.

Mas ela é uma Divergente e, junto com seu líder e par romântico Four (Theo James), descobrirão uma conspiração para a erradicação de todos aqueles que querem pensar de forma autônoma, fora dos parâmetros limitadores das facções.

A juventude estendida

Divergente é tudo sobre identidade, sobre a busca de quem você é e como se encaixará nos papéis sociais quando sair da adolescência e entrar no mundo adulto.

 

No Pós-Guerra esse ritual de passagem da adolescência tornou-se um problema cultural para o Capitalismo: a juventude deveria ser estendida por uma simples questão macro-econômica – adiar a entrada do jovem no mercado de trabalho, estender a adolescência e a sua dependência econômica para que o sistema econômico tivesse tempo para absorvê-lo como sujeito economicamente ativo.

Essa necessidade estrutural do Capitalismo, somente alongou o período de ansiedades, dilemas, inconformismo e raiva  da adolescência. A vida escolar foi ampliada (segundo grau, universidade, pós-graduação, especializações etc.) por uma suposta necessidade de preparação do jovem para empregos futuros que, na verdade, se esvaziavam de sentido.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

6 Comentários

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  1. A análise do filme está

    A análise do filme está distante do que representa a trilogia.

    Li os três livros e ainda não assisti ao filme.

    Se colegas comentaristas têm filhos que compraram os livros, leiam.

    A trilogia revela a segmentação e a intolerância da sociedade com os diferentes.

    É um retrato do que passam os jovens nessa atualidade e os riscos para o futuro.

    1. literatura X cinema

      O texto não é uma análise literária da trilogia, mas da adaptação hollywoodiana e uma tentativa de entender o porquê da onda de franquia de filmes infanto-juvenis sobre futuros distópicos.

      Portanto, não está em questão a qualidade literária de Veronica Roth, mas como o seu livro se insere nessa recorrência cinematográfica de franquias infanto-juveinis nesse século, desde Harry Potter.

      1. A critica não está na sua

        A critica não está na sua análise, ao contrário.

        Endossei as suas críticas à Hollywood e às suas adaptações tendenciosas.

        Para firmar, sou um grande admirador das suas análises.

  2. gostei.
    cada geração tem a

    gostei.

    cada geração tem a geração rebelde que merece.

    james dean…hippies…etc…

    agora essa.

    é o sucedaneo do descartável  capitalista.

    mas james dean é um decartável, digamos,

    mais permanente que os outros…

    pelo menos para a minha geração….

  3. Uma sugestão de filme para o

    Uma sugestão de filme para o Professor nos brindar com suas ótimas análises: “The Babadook”, filme de terror australiano de 2014.

    O terror como alegoria de uma relação mãe solitária e frustrada com seu pequeno filho hiper-ativo. Uma pequena e surpreendente obra-prima.

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