Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O mal pune quem desobedece em “Um Olhar do Paraíso”

Centrada na estória de uma menina que foi assassinada e observa sua família e seu assassino de uma espécie de limbo entre a terra e o céu, a adaptação do romance “Lovely Bones” de Alice Sebold esquece a inteligência e a intrincada estória do livro. O que poderia ser uma narrativa sobre desapego e transcendência, acaba restringindo a experiência do sagrado na célebre fantasia-clichê hollywoodiana da “quebra-da-ordem-e- retorno-a-ordem”: quem transgride a Ordem deve ser punido! Assim é Um Olhar do Paraíso” (Lovely Bones, 2009)

Como já abordamos em postagens anteriores (veja links abaixo), a chamada experiência do Sagrado tal qual compreendida pelo mainstream midiático da atualidade consiste numa espécie de teologia secularizada: uma experiência que seria originada na percepção ou descoberta intuitiva súbita que o indivíduo teria de uma conexão com uma “ordem maior”, com uma totalidade cósmica ou divina.

Descontínuo e marcado para morrer, para o homem a Verdade não estaria na experiência individual, mas na liquidação de qualquer perspectiva particular em nome de uma Totalidade (“Somos todos Um”, o totalitário slogan New Age).

Nessa perspectiva, esse Sagrado enquanto teologia secularizada, teria duas “funções”: adaptar de forma violenta o indivíduo às totalidades sociais (ordem corporativa, política, moral etc.) e trazer racionalização e conforto à dor e sofrimento individuais decorrentes dessa adaptação forçada (mostrar ao indivíduo que ele é insignificante diante dos desígnios maiores do Cosmos).

Como no filme Juventude Transviada (Rebel Without a Cause, 1955) onde o personagem de James Dean (Jim Stark) olha para as estrelas do Planetário e diz que vem sempre para lá para, ao contemplar a imensidão do universo, perceber como seus problemas são insignificantes.

Da mesma forma, Um Olhar do Paraíso confina a experiência do sagrado a sucessivas experiências de punições dos personagens por transgressões da Ordem. E o filme segue essa fantasia-clichê de forma surpreendentemente rígida e esquemática no melhor estilo dos filmes que envolvem adolescentes nos gêneros terror ou thriller. Se não, vejamos.

A construção dos personagens da mãe e da avó da protagonista que será assassinada (respectivamente Abigail Salmon – Rachel Weiz – e Lynn – Susan Sarandon) são exemplares: vemos Abigail lendo na cama livros de Camus e da literatura beatnik, enquanto a avó bebe e fuma compulsivamente e incentiva sua neta a ter suas primeiras experiências amorosas. Tais comportamentos transgressivos merecem a punição: o assassinato da filha/neta Susie Salmon e a desestruturação da felicidade da família.

A sequência que antecede o assassinato de Susie é exemplar. Ela sonha com o primeiro beijo que dará na vida. Está apaixonada (com o incentivo da sua avó liberal) por Ray (Reece Ritchie), rapaz “misterioso” (nos filmes norte-americanos basta ser estrangeiro – ele é inglês – para ter um ar de “misterioso”. A típica xenofobia americana). Quebra da ordem e punição imediata. Na próxima sequência ela será assassinada pelo serial Killer no milharal. Os sonhos individuais devem ser abatidos pela realidade: uma das variações da fantasia-clichê de “quebra-da-ordem-e-retorno-a-ordem”.

O milharal: transgressão e punição

Aliás, o milharal é o local emblemático da narrativa: para lá vão os casais apaixonados em busca das suas primeiras experiência sexuais. E lá está, também, o serial killer, o Mal à espreita, pronto para o seu papel punitivo, de executor da Ordem e da Totalidade.

Enquanto os personagens transgressores vão desaparecendo na trama (a esposa Abigail entra em depressão e sai de casa para se auto-exilar como trabalhadora rural em uma fazenda e a avó Lynn simplesmente desaparece na últimas sequências) os personagens mais “certinhos” ou “centrados” ganham espaço no confronto contra o Mal, o serial killer. O pai da vítima Susie, Jack Salmon (Mark Wahlberg) decide usar seu talento por detalhes (ele é contador) e investiga os possíveis suspeitos e a irmã de Susie, Lindsey, (na trama caracterizada como mais realista e pragmática do que Susie) tem a intuição correta de quem é o assassino e consegue encontrar as evidências para entregar à polícia. A racionalidade e o pragmatismo impõem-se diante da atitudes “porra-loucas” que apenas atraíram o Mal.

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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