Por Matê da Luz
Muito temos lido e comentado sobre as dores da alma, estas que têm um tanto a ver com amor. Amor próprio, que seja – quando chegamos num estado de sofrimento intenso, seja por não termos do mundo o que desejamos, seja por não termos capacidades ou faculdades para construir os cenários gostosos da vida, a alma chora.
Depressão, solidão, podridão – são muitos e tantos “ãos” capazes de levar à loucura que acabamos nos esquecendo de alguns princípios básicos, tão simples e mais baratos do que tratamentos psiquiátricos, mas tão mais sofisticados por depender quase que exclusivamente de um tipo de troca a qual a sociedade atual vem insistindo em aniquilar por meio do afastamento que o online provoca.
Sim, estou reclamando do online. A contrapartida da rapidez nas comunicações e da possibilidade de saber e interagir com o que acontece do outro lado do mundo pode estar acabando com nossa percepção sobre o que acontece bem aqui, do lado da gente.
Uma mensagem de amor, de carinho e de cuidado não substitui o amor o carinho e o cuidado ao vivo, veja bem. É sim delicioso ter esta atenção, desde que ela não seja a única forma de expressar presença. Alguns, como eu, confesso, são mais fãs de afagos físicos como forma de alimentar a alma, e sentem muito quando são chamados de carentes.
Ora, por que é mais normal sublimar a vontade de sensações de toque do que expor as vontades do corpo, pedindo por atenção gratuita? Por que é mais correto aquele que se contenta com o companheirismo da presença online mais do que aquele que deseja a troca física?
Claro, todas as relações são passiveis de ajustes – não é isso, afinal, o que nos leva a afinar a vida em conjunto? Ajustes que pressupõe desgastes, necessários para que meu eu se acomode no seu e vice-versa, e quanto menos isso doer, maior as chances de sucesso de tal relacionamento.
Entretanto, deixo a pergunta: onde é que foi parar nossa naturalidade acerca dos contatos mais íntimos? Desejamos transar livremente, sensualmente e alegremente com quem quisermos, conquistamos a possibilidade do uma noite e nada mais, de só dar aquilo que bem entendermos a quem bem desejarmos – mas o que estamos nós, os onliners, cultivando ao deixarmos de lado as profundezas da troca íntima e rotineira, esta que verdadeiramente faz de nós pessoas unidas em laços concretos muito mais do que sensações expostas nas nuvens?
Se alguém se candidatar a responder, sou toda ouvidos, e mãos e pernas e pés, além de possíveis lágrimas.
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Não tenho respostas. Tenho muitas perguntas.Mas as relações
entre as pessoas mudaram bastante, as reais. Talvez isso de não querer sofrer fisicamente leve a esse virtual apenas.
Cunhei uma expressão por aqui , a propósito dos versos de Adélia Prado (em Casamento) “toques de cotovelos cibernéticos”- para expressar justamente uma certa identidade, não sei se intimidade, mas identidade, que se cria em alguns- poucos- ambientes virtuais. Por que se criam, não sei. Mas creio de dependem de certa confiança em quem se expõe ali, como se expõe, a veracidade pela qual se expõe etc.
Parece claro que não se pode confiar totalmente naquilo que se lê, se posta etc. mas esse passo já está dado. Não tem volta. Posta-se e lê-se muito o que o outro posta.
Volta e meia, tento olhar daqui de longe e analisar com que cena da “vida real” estaria se parecendo um certo post e seus comentários: uma conversa num boteco; um desabafo de amigo ao pé do ouvido; uma provocadora discussão como em uma ágora grega… uma confidência familiar , amorosa, profissional,… ainda que sem identificações dos personagens envolvidos nos relatos… consigo ver pulsar aqui sentimentos muito humanos, bem próximos daqueles do mundo real.
Por que não vêm acontecendo de forma real? Acho que acontecem sim. É que as distâncias foram-se ampliando de um modo e se encurtando de outro.
.Contato físico faz bem demais.
Mas contatos mais íntimos se fazem pela escita também, pensemos nos escitores e suas epístolas famosas, por exemplo. Nelas confidências amorosas, filosóficas, segredos de estado etc. sempre estiveram presentes.
Mas, amar tem se tornado mais difícil do que nunca.
Talvez, os Beatles soubessem que …
[video:https://www.youtube.com/watch?v=8THouU576WY%5D
” Para ter uma vida melhor, eu preciso que meu amor esteja aqui”
Here, There And Everywhere
To lead a better life
I need my love to be here
Here, making each day of the year
Changing my life with a wave of her hand
Nobody can deny that there’s something there
There, running my hands through her hair
Both of us thinking how good it can be
Someone is speaking but she doesn’t know he’s there
I want her everywhere
And if she’s beside me I know I need never care
But to love her is to need her
Everywhere, knowing that love is to share
Each one believing that love never dies
Watching her eyes and hoping I’m always there
I want her everywhere
And if she’s beside me I know I need never care
But to love her is to need her
Everywhere, knowing that love is to share
Each one believing that love never dies
Watching her eyes and hoping I’m always there
I will be there, and everywhere
Here, there and everywhere
Link: http://www.vagalume.com.br/the-beatles/here-there-and-everywhere-traducao.html#ixzz3dQgx5s5w
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Abraços rimados!!
“… de vez em quando os cotovelos se esbarram …”
Casamento
Adélia Prado
Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como “este foi difícil”
“prateou no ar dando rabanadas”
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.
Texto extraído do livro “Adélia Prado – Poesia Reunida”, Ed. Siciliano – São Paulo, 1991, pág. 252.
Conectados ou não? Sozinhos ou acompanhados?