Paraíso do Tuiuti divulga seu tema para o Carnaval 2019

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Jornal GGN – A Escola de Samba Paraíso do Tuiuti mitou! Sextou! Mostrou a que veio ao divulgar o seu tema para o Carnaval 2019, no Rio de Janeiro, desfilando a história que conta a história de um país que já existiu. Tuiuti foi em busca de Rachel, a de Queiróz, adentrou no reino do sertão cearense, puxou o estandarte da democracia e da liberdade, e desfilou mais um apoteótico enredo. O nordestino, barbudo, baixinho, de origem pobre, amado pelos humildes e intelectuais, que incomodou a elite e foi condenado a ser símbolo de um povo despontou na avenida. E Tuiuti faz tuiutisses de tirar o chapéu! Salve, Tuiuti! Salve o espírito do Carnaval!
Leia a sinopse, na íntegra, a seguir.

 
do Rádio Arquibancada
 
Conheça a sinopse do Paraíso do Tuiuti para o Carnaval 2019.
 
O SALVADOR DA PÁTRIA
 
Vocês que fazem parte dessa massa irão conhecer um mito de verdade: nordestino, barbudo, baixinho, de origem pobre, amado pelos humildes e por intelectuais, incomodou a elite e foi condenado a virar símbolo da identidade de um povo. Um herói da resistência!
Não posso provar, mas tenho total convicção da autenticidade de tudo o que a ele atribuíram… 
 
Não se sabe muito bem de qual paragem veio aquele cabra, ou melhor, bode. Dizem que era retirante da grande seca no sertão cearense imortalizada pela escritora Rachel de Queiróz, em O Quinze. Naqueles tempos de República quase balzaquiana, o Governo interceptava as procissões de fugitivos da miséria. Com medo de uma invasão furiosa, devido à fome que consumia aqueles esquecidos teimosos em se fazerem lembrar, pastorava o povaréu num campo de concentração antes que chegassem até a cidade. Porém, como o sertanejo é, acima de tudo, um forte, quando viu a terra ardendo e sentiu a baforada do Zé Maria no cangote o bode bumbou até Fortaleza com a coragem e a cara.
 
Penou, mas chegou.
 
Sentiu a brisa fresca do litoral acariciar aquela carcaça sofrida, castigada. Deixou para trás o passado capiongo, quando foi comprado por José de Magalhães Porto, representante do industrial Delmiro Gouveia, correspondente da empresa britânica que comercializava couros, peles, sementes de algodão e borracha, a Rossbach Brazil Company, localizada na Rua Dragão do Mar, Praia do Peixe. Dali virou mascote com direito à liberdade de ir e vir que, aliás, era bem praticada. Apreciava o movimento de barcos e jangadas enquanto perambulava entre os pescadores e seguia o aroma dos tabuleiros das merendeiras, tanto que os populares da região logo se afeiçoaram ao bichim. Dizem até ter remoçado em sua nova vida à beira-mar.
 
Ao cair da tarde, arribava pra Praça do Ferreira sassaricar com os artistas e intelectuais, herdeiros da Padaria Espiritual, no Café Java. Os boêmios acreditavam ser o poeta Paulo Laranjeira, reencarnado depois que o cabrão reagiu ao ouvir uma composição feita pelo desencarnado em homenagem a sua decepção amorosa. Desde então, o bode caiu nos braços da boemia. Bebericava, pitava, serestava pelas ruas, vielas e mafuás, botando boneco noite a fora.
 
De tanto vai e vem passou a ser chamado de Ioiô.
 
E lá se ia o bode Ioiô bater seus cascos Belle Époque alencariana adentro, sem a menor cerimônia, entre as modas copiadas do estrangeiro pelas “pessoas de bem” da sociedade. Passeou de bonde elétrico, frequentou o Theatro José de Alencar, participou de saraus literários e até comeu a fita inaugural do Cine Moderno.
 
Sentiu as Mademoiselles espilicutes exalando um perfume de civilidade europeia quando saíam da Maison Art-Nouveau em direção ao Passeio Público. Doce aroma que era constantemente interrompido pelo peculiar cheirinho de certo bode que dava rabissaca pro Código de Conduta imposto que, dentre muitas medidas disciplinadoras, proibia animais soltos nas ruas. Um Dândi sertanejo tão incômodo como as camadas pobres e marginalizadas as quais o poder desejava esconder por debaixo dos tapetes chiques para não atrapalharem o savoir-vivre nas avenidas, confeitarias, jardins, clubes e salões. Assim, velhos hábitos considerados de gente subdesenvolvida deveriam ser substituídos por novos costumes, os bons modos. Tanto cidade quanto população careciam ser modificadas, remodeladas num choque de aformoseamento. Afinal, para a elite, as maravilhas do mundo moderno não harmonizavam com a matutice do povo.
 
Povo, aliás, que já era mamulengo nas mãos dos poderosos, há muito tempo. A política republicana havia herdado antigos sistemas coloniais que se consolidaram em influentes famílias tradicionais e no domínio dos coronéis latifundiários, pois a prática do “manda quem pode e obedece quem tem juízo” era um tiro certeiro. Cabia à população ser tratada como gado trazido em cabresto curto, quais as aves de rapina direcionavam para onde quisessem, e cativos em currais eleitorais para que ela mesma sustentasse o sistema que a prejudicava.
 
Com um cenário governamental mais parecido com um covil repleto de animais nocivos ao interesse público e a feérica intervenção de aculturamento, a insatisfação popular só crescia. Até que a resposta do povaréu veio em forma de protesto no mais inesperado momento: nas eleições. Ao abrir a urna eleitoral se ouviu o berro do povo escrito nos votos que elegeram o bode Ioiô para vereador na Câmara Municipal de Fortaleza. Um deboche com os poderosos. Molecagem porreta! Sem ter feito campanha um animal ruminante era eleito pelo povo como seu representante! E, de fato, há muito já era um símbolo da identificação sertaneja que a elite (ameaçada pelas cédulas de papel) queria suprimir.
 
Contam que o fuá já estava instalado quando os poderosos articularam um golpe para que o bode Ioiô sofresse um impedimento e não assumisse o cargo ao qual foi eleito legitimamente, em processo democrático. Porém, a justificativa jurídica de incompatibilidade de espécie não livrou os políticos daquele vexame retumbante e só alimentou o monstro: Ioiô saiu da vida pública para entrar na história.
 
O bode mitou. Até hoje seus admiradores o defendem como ícone de empoderamento popular, representatividade dos marginalizados. Segue comandando a revolução do inconformismo seja nas lembranças dos memorialistas, nos cordéis, nos livros, na sala de um museu ou pelos blocos carnavalescos. Ioiô é a imagem da resiliência de um povo que faz graça até da própria desgraça e, com esse jeitinho inigualável, nos revela o genuíno salvador da nossa pátria: o bom humor.
 
[Isso aqui, Ioiô, foi um pouquinho de Brasil].
 
 
 
Lembrete:
 
Votar em animais é e sempre será possível.
 
 
 
Jack Vasconcelos
 
carnavalesco
 
 
 
Bibliografia consultada:
 
BRUNO, Artur; FARIAS, Airton de, Fortaleza: uma breve história, Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2015.
 
GIRÃO, Raimundo, Geografia estética de Fortaleza, Fortaleza: Edições BNB, 1979.
 
MANUELA DA SILVA VIEIRA, Carla, O Theatro José de Alencar do início do século XX: modernidade e sociabilidades (1908-1912), Fortaleza: SECULT, 2011.
 
PONTE, Sebastião Rogério, Fortaleza Belle Époque: reforma urbana e controle social 1860-1930, Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2014.
 
SILVA, Marco Aurélio Ferreira da, Humor, vergonha e decoro na cidade de Fortaleza (1850-1890), Fortaleza: Museu do Ceará, SECULT, 2009.
 
VIEIRA, Carla M, Sociabilidade e Lazer: Fortaleza no início do século XX, Fortaleza: INESP, 2015.
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

11 Comentários

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  1. Minha bola de cristal está

    Minha bola de cristal está mostrando uma operação da polícia federal, no início de 2019, cujo nome tem algo a ver com escola de samba e envolve a prisão de vários integrantes da Tuiuti.

  2. Jack, o estripador do mau

    Jack, o estripador do mau humor !  E lá vai colaboração:  

    1) Lembrete:  Se fosse proibido votar em animais só uns 10% seriam eleitos. 

    2) Não esquecer: Da epidemia de suicídio na zelite quando bode Ioiô ganhou o Premio Nobel. As Mademoiselles espilicutes adoraram, mas os respectivos Monsieurs começaram a esquartejar os pulsos quando viram o bode, todo paramentado, subindo a escadaria do Nobilíssimo edifício guiado pelas mãos da Rainha da Noruega, transmissão de canal sueco, pois o “nacional” estava inativo, por falta de pessoal técnico motivada por pulsos cortados.

  3. O enredo é muito bom
    Esse enredo vai nos dá o título de campeão do carnaval 2019.
    Com 20 anos de paraíso do Tuiuti, sempre sonhei alto, sempre sonhei em ver a paraíso do Tuiuti chegar aonde chegou, agora eu sonho com um degrau mais alto, o título de campeão 2019.

  4. Tuiuti campeã!!!

    Mesmo com a ditadura que nos mergulha em novos tempos muitos sombrios, quando uma guarda de esquina é homenageada por matar um ser humano na frente de uma escola, a Tuiuti já ganhou o carnaval de 2019! Mais uma vez mostra que não é escrava de nenhum senhor, com ou sem Exército, invadindo o Rio de Janeiro no papel de batedor do PCC. 

  5. É melhor esperar pra ver o desfile.

    O enredo parece interessante, mas vamos aguardar para ver seu o desenvolvimento na avenida. Tomara que eu esteja enganado, mas creio que a Tuiuti não tenha “bandeira” pra desfilar com dois enredos de protesto consecutivos. A escola não conseguiu bancar o Vampirão com faixa presidencial no Desfile da Campeãs. É bom a esquerda não se empolgar antes de ver o desfile. Pode tomar o drible da vaca. Cautela e canja de galinha não faz mal a ninguém.

  6. Tuiuti quase mitou
    “O nordestino, barbudo, baixinho, de origem pobre, amado pelos humildes e intelectuais, que incomodou a elite…” Achei q seria Lula

  7. O fato é que a politicagem de

    O fato é que a politicagem de quinta categoria está presente até no Carnaval. A Tuiuti seria a primeira colocada no carnaval do ano em curso, não fosse a influência política da imprensa, manipulando os votos dos jurados. Mas, como um ser humano, super-dotado, que mesmo morto prevalecerá vivo eternamente, essa tal de Tuiti ficou pra história de nossos carnavais, e é, sem dúvida a ganhadora ex-oficial pelo trabalho digno oferecido a um país carente de progresso, e de destruição dessa corja de bandidos que hoje se encontra no poder escalando enxofre e com chifre nos córneos.

  8. Não sou escravo de nenhum senhor

    A Escola fez bravamente o seu papel, e o samba que deveria ser uma espécie de hino tocado e cantado em cada esquina a todo momento e, principalmente, durante qualquer protesto e ato pela democracia, por Marielle, por Lula e o Brasil sendo tomado e assumido pelos trabalhadores descendentes dos filhos dos estupros primordiais; mas o aguardado aconteceu: nada!!!

    Numa manifestação, sob o sol infernal da baixada, realizada pelos mais próximos da vereadora, pouco tempo após a sua execução, não se ouviu esse hino, não se viu uma camisa vermelha, muito menos um mísero cartaz sobre a rede esgoto, muito pelo contrário, (à boca pequena: “não se misture a esses petralhas”), tudo leva a crer que seguiram à risca seus conselhos; e o bonner mostrou ao Brasil a indignação popular do jeito certo. Dois dias de muito chororô. Passô!!!

    Tem hora, e como tem dessas horas…, que é f***, dose pra elefante tanta subserviência do povo humilde (eu, você) que reconhece o seu lugar. No fundo, no fundo, somos virtuosos. “Aqui não tem guerra, não tem terrorismo, não tem vulcão, nem terremoto.”

    Então…

    Então vem aí a redentora: as eleições. Tem a listinha clean com os limpos, de ficha, de bolso e de alma, é só escolher, a liberdade é plena, a democracia é fato; este o último ato, a pá-de-cal. Tudo legal, lavrado em cartório.

    LulaLivre

    ZéLivre

    VaccariLivre

  9. Vou defender um argumento

    Vou defender um argumento meio que de hiena, mas vou, porque diante de tanta merda eu estou conseguindo me alegrar : “Nada é tão ruim que não possa MELHORAR”. “O ruim é o reverso do bom, mas ambos no mesmo corpo”. “Sempre que se fabrica o ruim o antípoda bom vem junto”. Então, sem Medici, não poderíamos ter tido “Apesar de Você” (Poderiamos, mas apenas como um canção bobinha, sem a alma escondida driblando o ditador) Sem o golpe não teríamos o “Paraiso do Tuiuti” (Teríamos, mas não seria ESSE Paraíso). Quando mais se encarcera o bode mais suas idéias se soltam.

     

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