O filme “Cidade das Sombras” (City of Ember, 2008) do diretor Gil Kenan (da animação “A Casa Monstro”) e do roteirista Caroline Thompson (de animações como “A Noiva Cadáver” e “O Estranho Mundo de Jack” e o filme “Edward Mãos de Tesoura”, todos do diretor Tim Burton) é surpreendente: a princípio parece que estamos diante de mais uma aventura com heróis adolescentes que desafiam vilões adultos com muita ação e mistério. Mas a narrativa, baseada no livro homônimo de Jeanne Duprau, vai muito mais além. Primeiro pela estética (lembra muito as ficções distópicas do diretor Terry Gilliam como “Brazil, o Filme”). Segundo, e principalmente, pelos simbolismos que vão sendo desenvolvidos pela estória: aqui e ali alusões a filosofia platônica, neoplatonismo e gnosticismo.
Para começar, o próprio argumento do filme, explicitamente inspirado na alegoria da caverna de Platão, tal qual descrita na obra “A República”, um exemplo de como o homem pode se libertar da sua condição de escuridão e alcançar a luz da verdade.
Orgulham-se das suas luzes (colocadas ali pelos “construtores”, tidos por eles como espécies de deuses de origem desconhecida). Mas, depois de tanto tempo, os geradores começam a falhar ameaçando condenar Ember à total escuridão. Dois adolescentes, Doon Harrow (Harry Treadway) e Lina Mayfleet (Saoirse Ronan), vão procurar a resposta por conta própria, já que o prefeito corrupto (Bill Murray) só pensa em roubar os escassos alimentos da cidade. Aos poucos vão desvendando os mistérios e, principalmente, a saída de Ember.
A cidade de Ember, cercada pelas trevas e as luzes artificiais produzidas por máquinas à beira do colapso de tão velhas, é a própria atualização da caverna platônica. Os moradores tomam as luzes das lâmpadas como a única verdade e ignoram a natureza não autêntica das suas vidas e simplesmente colocam o destino dos geradores nas mãos dos deuses “construtores” (“Eles saberão o que fazer, nunca nos faltaram”).
Ember é uma cópia imperfeita, caricata do que fora um dia a humanidade. Um simulacro do passado. Tal como em Platão, os cidadãos de Ember (a humanidade) tomam o simulacro como a realidade. Toda a memória do passado foi perdida, sobrando apenas reminiscências (a caixa com as instruções para retornar à superfície e um livro escondido pelo prefeito corrupto com a história da cidade). Tudo foi perdido, assim como em Platão que julga a humanidade igualmente prisioneira na caverna do mundo das aparências sensíveis, restando à Filosofia o trabalho de relembrar às conexões perdidas com o mundo das Idéias.
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