Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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Jacobo Fijman, o poeta além da vanguarda argentina

Fijman também pintava e desenhava e estaria em contato com os mais destacados artistas plásticos do país.

Jacobo Fijman, o poeta além da vanguarda argentina

por Maíra Vasconcelos e Vinícius Magalhães

O poeta Jacobo Fijman (1898-1970) é um dos mais emblemáticos da vanguarda argentina, mas não somente. Si considera-se que sua obra resistiria ao tempo e, hoje, poderia ainda ser lido como contemporâneo. Em seu tempo de produção, Fijman escreveu e viveu estando quase sempre à margem dos meios artísticos e sociais da época. Essa condição de marginalidade que o levou a viver em situações extremas, foi o que mais se falou sobre o poeta e sua obra, o que gerou uma leitura menos interessada em sua poesia do que em sua biografia. Dada a inegável condição de interno por 28 anos no conhecido neuropsquiátrico de Buenos Aires, Hospital J.T. Borda, onde faleceu aos 72 anos.

Nascido em Ohei, que hoje faz parte da Moldávia, Fijman chegou criança a Buenos Aires, aos quatro anos, com a família de imigrantes. Aos 21 anos deixou a casa dos pais. Judeu, se converteria ao cristianismo, processo complexo como toda conversão, que seria registrado em sua poesia. Publicou três livros, “Molino Rojo” (1926), “Hecho de Estampas” (1930) e “Estrella de la Mañana” (1931).

Sem deixar de ser notado pelo meio de vangurda, Fijman foi convidado pelo escritor Leopoldo Marechal a formar parte do chamado grupo Florida ou Martín Fierro, que reunia artistas e escritores argentinos como Vitoria Ocampo, Jorge Luiz Borges, Oliverio Girondo, de quem era amigo e com quem viajou à convite para a Europa. Fijman também pintava e desenhava e estaria em contato com os mais destacados artistas plásticos do país.

Inclassificável e marginal são características que ainda persistem quando se fala sobre Fijman e sua obra? Além de vanguardista, parece que a contemporaneidade de seus versos faria indagar, por exemplo, se a poesia de Oliverio Girondo resiste ao tempo como se poderia dizer sobre a poesia de Fijman?

A obra de Fijman foi reunida, por primeira vez, em 2005. “Jacobo Fijman – Poesía Completa” foi publicado pela Ediciones del Dock (Buenos Aires), que traz também “Poemas no reunidos en libro”, resgatados de revistas e jornais. A publicação mais recente de poemas até então inéditos saiu pela Editorial Duino. “Libro de la cántiga de pasión” (Buenos Aires, 2019), foi escrito por Fijman em meados dos anos 1950 e principios dos anos 60, enquanto era interno no Hospital Borda. Selecionados pelo próprio poeta e pensados como livro, os poemas não chegariam a ser publicados.

A principal biografia de Fijman, talvez a única, “Fijman, poeta entre dos vidas”, de 1992, foi escrita pelo amigo que frequentava o mesmo ambiente literário de vanguarda da época, Juan-Jacobo Barjalía, advogado criminalista, escritor, poeta e tradutor.

Sobre os poemas aqui traduzidos*, deicidimos publicar dois de seu segundo livro, “Hecho en estampas” (1930), e outros dois de “Poemas no reunidos en libro”. Ambos formam parte da publicação de suas poesias completas pela Ediciones del Dock.

*Tradução de Maíra Vasconcelos e Vinícius Magalhães, ambos jornalistas e poetas, de Belo Horizonte, estão em processo de investigação e tradução da obra poética de Jacobo Fijman (1898-1970).

“Hecho de Estampas”

POEMA VII

Rói minha testa dura

o lobo da meia-noite.

Uma estrela escondida traz seu sossego.

Entre todos os sóis já canta-me o óleo de alegrias. 

Sinto em minhas mãos a luz inteira vir da manhã. 

POEMA VII

Roe mi frente dura

el lobo de la media noche.

Una escondida estrella arrima su sosiego.

Entre todos los soles ya se me canta aceite de júbilos.

Siento en mis manos venir la luz entera de la mañana.

*

POEMA X

Repousam os sagrados pinheiros

e minha voz rolada na tristeza de uma luz quebrada. 

Paz, paz, sobre os dias e as noites cansadas de agarrar as
                                                                                     / vozes falsas,

as cascas de noz da maravilha que o mar faz soar
e volto a ouvir o guia de meu espírito dentro das primícias celestiais

A solidão foge.
Adeus, beleza.

POEMA X

Reposan los sagrados pinos,

y mi voz arrollada en la tristeza de una luz rompida.

Paz, paz, sobre los días y las noches cansadas de recoger las
                                                                                           / voces falsas,

que el mar hace sonar las cáscaras de nuez de la maravilla,

y vuelvo a oír la guía de mi ánimo dentro de primicias celestes.

Huye la soledad.

Adiós, belleza.

“Poemas no reunidos en libro”

Epílogo do anjo ou à flor

Teu coração de lua velha
coexiste na tarde
de teu sonho perfeito.
As coisas são eternas
do anjo ou à flor.
Teu coração se incendeia com a noite
da lua mais velha
e a verdade eterna das coisas
do anjo ou à flor,
e dez céus que tocam sobre o mar
da luz e a morte.

Epílogo del ángel o la flor

Tu corazón de luna vieja
coexiste en la tarde
de tu sueño perfecto.
Las cosas son eternas
del ángel o la flor.
Tu corazón se enciende con la noche
de la luna más vieja
y la verdad eterna de las cosas
del ángel o la flor,
y diez cielos que tañen sobre el mar
de la luz y la muerte.

*

Sem título

Arrancaram o sol da testa celeste
A senha das palmas
E as meninas ardentes
Que dormem nos corpos mais negros da terra,
E aqui o próximo mar
Traz as ilhas mudas ou sem vento.
Algumas estão verdes, algumas estão vermelhas.
Tu, composta de sonhos
Que tomam o corpo mais negro da terra
Aos sonhos mais íntegros e quietos,
Perpétuos conclusivos.
Tu, que vens do mar e as ilhas,
Tu a breve do fogo
Mais sem luz que a morte.

Sin título

Arrancaron el sol de la frente celeste,
La clave de las palmas
Y las niñas ardientes
Que duermen en los cuerpos más negros de la tierra,
Y aquí el siguiente mar
Trae las islas mudas o sin viento.
Algunas han verdes, algunas han rojas.
Tú, compuesta de sueños
Que toman en el cuerpo más negro de la tierra
A los sueños más íntegros y quietos,
Perpetuos concluyentes.
Tú, que vienes del mar y las islas,
Tú la breve del fuego
Sin más luz que la muerte.

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

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