Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Terrorismo e propaganda política no filme “Iron Sky”

Imagine uma co-produção finlandesa, alemã e australiana que mistura “Star Wars”, bases lunares nazistas, filme “Independence Day”, a republicana Sarah Pallin na presidência dos EUA, Naziexploitation e um astronauta negro símbolo do marketing político dos republicanos que cai nas mãos dos nazistas lunares para ser embranquecido e tornar-se ariano por médicos da SS. Pois essa combinação delirante foi premiada no Festival de Cinema Fantástico de Bruxelas e no Festival de Berlim. É o filme “Iron Sky” (2012). Pode parecer um pastiche de inconsequente humor negro, mas por trás dessas camadas de puro absurdo estão interessantes insights sobre o terrorismo de Estado e propaganda política além de fazer refletir sobre a natureza das teorias conspiratórias contemporâneas.

“De onde somos? Da Terra. E quando nós saímos? 1945. E para onde nós fomos? Para o lado escuro da Lua!!! Salve Hitler!” Essa é uma das primeira sequências de “Iron Sky” onde acompanhamos  uma aula na escola infantil dentro de uma gigantesca base lunar com tecnologia e arquitetura retro e com astronautas trajando roupas que parecem ter saído de algum brechó temático da II Guerra Mundial. Mas é uma base lunar para onde os nazistas fugiram após a invasão Aliada na Alemanha no final da Guerra para se esconder no lado escuro da Lua. Lá planejam a grande invasão à Terra para construir dessa vez o IV Reich.

Tudo vai bem até serem incomodados com a chegada do primeiro astronauta americano naquela região, James Washington (Christopher Kirby), em uma missão que é um produto da propaganda política de uma ultraconservadora  Sarah Palin (“Um Negro na Lua. Sim! Ela Pode!” – é o slogan da campanha da presidenta à reeleição). Prisioneiro, os nazistas roubam seu celular e descobrem uma tecnologia muito mais avançada que pode colocar em ação a maior de todas as armas: a gigantesca nave “Crepúsculo dos Deuses” – uma espécie de “Estrela da Morte” como no filme “Star Wars”.

Mas a bateria do celular acaba. Eles precisam de outro celular. Decidem enviar um pequeno grupo à Terra, junto com o astronauta James que, submetido aos tratamentos dos médicos da SS, torna-se ariano (!) – em uma hilariante referência ao filme “Dr Fantástico” de Kubrick, constantemente seu braço direito quer fazer a saudação nazi, mas é contido pelo esquerdo…

Sarah Palin enfrenta os nazistas
vindos do lado oculto da Lua

Chegando à Terra e após muitas piadas e situações politicamente incorretas, o roteiro chega ao grande insight: o líder do grupo nazi acaba, acidentalmente, no centro da campanha da presidenta Sarah Palin (impagável, ela comanda todas as ações do governo correndo em uma esteira na Casa Branca). A marqueteira da campanha descobre que a ideologia totalitarista nazista é extremamente vendável e que, na verdade, suas ideias, slogans e bordões são usados de forma eufemista e disfarçada em todas as democracias do planeta.

O governo dos EUA acaba tolerando a invasão de discos voadores nazistas sobre Nova York para a presidenta ter o total apoio da opinião pública e dos membros da ONU para empreender uma batalha estelar até a Lua. Na verdade, secretamente os EUA estão atrás de uma fonte de energia existente na Lua que mantém a base nazi em funcionamento: o hellium 3. Se os EUA colocarem as mãos nessa fonte de energia, serão líderes econômicos mundiais.

O filme foi financiado através de um processo chamado crowdsourcing: o site do projeto recebia doações de fãs que totalizaram seis milhões de dólares em cinco anos. Mesmo com baixo orçamento, o filme foi bem realizado: propositalmente tenta parecer um filme B, mas figurino, fotografia e efeitos especiais surpreendentemente funcionam para um filme cuja produção foi limitada ao crowdsourcing. Mas resultou em uma versão final incompleta e com as cenas da invasão reduzidas na escala de tempo. Sem falar nos problemas de distribuição.

Terror e Propaganda

“Iron Sky” toca em um tema bastante sério: o marketing político atual seria herdeiro da grande inovação que os governos fascistas trouxeram para o século XX: a esteticização da política ao aproximar a política do Terror à Propaganda. Desde o incêndio do Reichstag em 1933 (onde Hitler culpou os comunistas e tirou proveito da situação ao declarar um estado de emergência que suspendia todos os direitos civis garantidos pela constituição de 1919 da República de Weimar), a propaganda política aproxima-se do terror como forma ambígua de reintegração das massas na política por meio de uma encenação: a criação de um Estado ditatorial como única solução para enfrentar um inimigo externo.

Na época, Walter Benjamin e Siegfried Kracauer falavam sobre uma inédita “esteticização da política” e “terror e propaganda”: o entrelaçamento do espetáculo “pleno de efeitos” dos eventos políticos, os reclames publicitários concentrados no poder fetichista de um líder e o papel das emissões radiofônicas que transformam quarto de dormir numa praça pública criando uma falsa impressão de opinião pública organizada – à semelhança da atualidade onde as redes sociais criam uma virtual participação pública de indivíduos fisicamente isolados.

Em outras palavras, a Política deixa o campo ideológico para transformar-se em espetáculo. Que o poder sempre teve um caráter cênico‑teatral não é novidade desde Maquiavel. Porém, a novidade atual é que a encenação se desloca do campo da dissimulação para o da simulação. Precisa produzir fatos, programas, expor a vida privada de políticos e autoridades, criar choques econômicos, dar amplitude midiática às intrigas palacianas, isto é, munir os meios de comunicação de simulacros da sua realidade.

Se outrora a poder dissimulava sua essência (a força bruta, a repressão, a dominação etc.), a partir do fenômeno histórico do fascismo o poder fez uma aliança inédita com a mídia para simular “efeitos de realidade”. Do incêndio do “Reichstag”, passando pelo confisco das poupanças feito pelo governo Collor em 1990 – “só tenho uma bala na agulha, dizia para justificar” – até os atentados em Nova York em 2001, a propaganda deve simular fatos consumados para mobilizar a opinião pública a uma única opção possível. 

A necessidade da criação  de uma situação de guerra  que legitime a necessidade de proteção. O efeito principal da propaganda do terror é a suspensão dos direitos e das liberdades para reassegurar a “segurança” e legitimar a militarização do Estado.

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