Tula é o Brasil, por Jorge Henrique Bastos

Tula foi diarista. Mas passou a lustrar almas, a varrer a tristeza para longe das pessoas, e arrumar a coragem para enfrentar cada dia. E assim ela se tornou uma poeta

Por Jorge Henrique Bastos

A poeta Tula Pilar Ferreira faleceu subitamente no dia 11.

A notícia se abriu sobre todos como um guarda-chuva escuro silencioso.

Nessa noite, o que estava se calando era uma voz genuína da poesia periférica que ousou suplantar os limites da sua condição de mulher, negra e poeta.

Tula se tornou conhecida dos saraus que pululam por São Paulo, e que ultrapassaram os barezinhos, centros sociais do Centro, da Vila Madalena ou Pinheiros. Isso se propagou num movimento viral pela periferia paulista, revelando vozes surpreendentes. Algo inédito que parece não vai parar.

Conheci-a quando voltei para o Brasil, em 2006, ali pelos lados da Praça Roosevelt, e reencontrei-a muitas vezes pela Vila Buarque, Bela Vista. Enfim, pelo que resta da noite paulistana.

Sua simpatia me conquistou à partida. Sobretudo quando me falou da sua vida.

No momento em que a conheci, percebi que Tula era simbolicamente um  exemplo do que acontecia no Brasil: ansiava por extrapolar as condições que se impuseram sobre ela, ao defender seu direito à cultura, recusando baixar os ombros perante uma opressão silenciosa e sutil que paira sobre os brasileiros e brasileiras, e que agora ressurge no discurso insidioso de um governo sem pontos cardeais a seguir.

Tula foi diarista. Mas passou a lustrar almas, a varrer a tristeza para longe das pessoas, e arrumar a coragem para enfrentar cada dia. E assim ela se tornou uma poeta, grande como a simpatia que transportava consigo.

Tula era o Brasil que não aceita a subserviência, que não permite ser amordaçado, que combate as injustiças.

Tula era o Brasil que encarava a fera, e fazia isso com poesia, com trabalho, deambulando pela noite, pelos bares, lendo seus poemas, afirmando sua voz.

Tula é o Brasil cujo verbo característico deve ser resistir.

Ela fez isso com uma energia centrípeta, defendendo seus ideais e sua gente.

A voz dela não se calou.

Quem sabe agora comecem a ouvir seu eco perene que chega até nós.

 

Nota do Jornal GGN – A morte de Tula Pilar Ferreira trouxe perplexidade a todos e a todas, pelas circunstâncias. Segundo informações de familiares, a poeta sofreu um ataque cardíaco. Ela chegou a ser levada para o pronto socorro Dr. Akira Tara, em Taboão da Serra, na grade São Paulo, mas não resistiu.

 

Redação

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Antes de mais nada, que pena! Que pena mesmo. Resta dizer ser difícil comentar um texto com brilhante síntese sobre alguém que pareceria não comportar resumos. O autor deu as pistas.
    conheci Tula nos saraus da Praça Roosevelt, interpretando uma “patroa”, ora vejam só, se queixando de uma “neguinha folgada”. De forma poética, irônica, estava retratando o Brasil da Casa Grande/Senzala.
    Nesse momento de caminho para a caverna do pós-golpe, da bolsopatia crônica, perder uma voz como a de Tula é deixar uma trincheira de luta vazia. Só nos resta o lugar comum, de olhar para cima e ver uma estrela a mais e acreditar que possa ter deixado exemplos.
    Triste, muito triste, e lá vem mais lugar comum: a Praça Roosevelt, os saraus, a poesia, a ousadia, a cultura estão mais pobres.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador