Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Um passeio pelo consumo subliminar no curta “Supermercado”

 

Finalista do “Vimeo Awards 2012” o curta-metragem brasileiro “Supermercado” faz um bizarro tour em um centro de compras onde um consumidor “surta” e transforma-se em um imundo “monstro” que passeia calmamente empurrando seu carrinho de compras diante de clientes perplexos. O que os publicitários chamam de identificação do consumidor com o produto e a marca, o curta leva às últimas consequências: a revelação de que grandes centros de compras como supermercados são locais de manipulação subliminar tanto da arquitetura quanto da percepção.

Entramos em um supermercado através de um plano sequência pelo ponto de vista do interior de um carrinho de compras. Passamos pelos corredores formados pelas gôndolas de produtos. A lente em grande angular só reforça a poluição visual da parafernália de cores, displays e embalagens. Um homem todo vestido de branco empurra esse carrinho. Ele se detém diante de uma prateleira de refrigerantes, pega uma pet, abre e despeja o conteúdo calmamente na cabeça.

Esse é o início do curta-metragem brasileiro “Supermercado” que foi um dos finalistas do “Vimeo Awards 2012”. Seus realizadores Eduardo Srur e Fernando Huck descrevem o curta como “uma intervenção no supermercado que caminha por várias nuances, do prazer absoluto a repulsa total, um surto dentro de uma prisão chamada consumo. O espaço público é utilizado como palco da subversão e dialetiza com os consumidores de forma pacífica, mas contundente.

De fato, o protagonista “surta”: despeja em sua cabeça camadas e mais camadas de achocolatados, mostarda, creme de leite e assim por diante, até adquirir a aparência de um monstro imundo no ambiente asséptico de um  supermercado. E continua calmamente empurrando seu carrinho diante de perplexos clientes.

Embora o argumento do curta-metragem baseie-se em clichês psicologizantes das tradicionais análises sobre o consumismo (o consumidor como um ser passivo e indefeso, a sociedade de consumo como uma prisão – reforçada pelo ponto de vista interno do carrinho que faz uma analogia com as celas de uma prisão, etc.), a narrativa apresenta interessantes insights acerca do verdadeiro espaço subliminar que é um supermercado.

O “surto” do protagonista do curta “Supermercado” lembra a situação corriqueira onde consumidores impulsivos abrem produtos para provar jogando as embalagens abertas no chão. Embora proibido, consumidores adoram tomar iogurtes ou sucos durante a compra, gerando perdas que, logicamente, já estão incorporadas nos preços finais.

Fantasias orais no consumo

Mais do que falta de educação, esse comportamento revela o resultado de uma intensa exploração subliminar daquilo que os psicanalistas chamam de oralidade. Sorver produtos (e no vídeo o protagonista banha-se principalmente em produtos líquidos, pastosos e leitosos) é uma das principais fantasias exploradas pelo consumismo, associando a um amálgama de significados que vai do amor à proteção e bem-estar.

A cada virada de esquina nos inúmeros cruzamentos de gôndolas displays, stands e mensagens berrantes surgem como objetos de desejo inesperados. Araré Wellausen em seu trabalho Consumismo – origem em cada um de nós revela que nessas situações o objeto psíquico de desejo é interpretado pelo organismo como algo que vai ser sorvido. Imediatamente o estômago secreta o ácido clorídrico como se preparasse para a iminente digestão. Resultado: a sensação de fome que será a isca para o consumo impulsivo.

E isso não se refere exclusivamente a produtos alimentícios. Repare o comportamento de pessoas diante de vitrines em shoppings observando qualquer coisa que, de repente, tornou-se objeto do desejo: bocas abertas, língua passando pelos lábios, roer unhas etc.

Essa pulsão oral visa no consumismo garantir o suprimento da segurança emocional: as coisas levadas à boca são internalizadas como se fossem objetos que irão afugentar os males psíquicos produtores da solidão, do medo e do abandono.

A oralidade tem menos a ver com o problema da obesidade física do que com uma espécie de “obesidade mental”:

“À pessoa com orientação oral tudo pode ser incorporado. Qualquer coisa, bem, produto, serviço pode se afigurar a fantasia inconsciente, um objeto a ser incorporado; características pessoais de outrem, habilidades, conhecimentos, amigos, ideias, sentimentos, informações, utensílios, viagens, fim, literalmente tudo que pode ser mentalmente ‘comido’” (WELLAUSEN, Araré. Consumismo – origem em cada um de nós, Porto Alegre: Tchê! Editora, 1988, p. 165).

No curta “Supermercado” acompanhamos o paroxismo da internalização ou introjeção oral do objeto do desejo: o protagonista vai além disso, ele quer se fundir ao objeto ao senti-lo escorrendo pelo próprio corpo até se transformar em uma segunda pele. Os publicitários chamam isso de identificação do consumidor com o produto e a marca. “Supermercado” leva essa aspiração da Publicidade às últimas consequências.

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