Uma viagem pelo céu do Recife holandês, por Débora Motta

Casa de Mauricio de Nassau, em Recife, com um obsevatório sobre o prédio. Aquarela de Zacharias Wagener (Holanda, 1614-1668)

Uma viagem pelo céu do Recife holandês

Por Débora Motta, FAPERJ

Ter uma formação generalista era comum entre os cientistas no século XVII. Homens da ciência costumavam transitar entre os diversos campos do saber, como astronomia, botânica e matemática, e ter um amplo conhecimento das letras e artes. Assim eram os sábios que aportaram em Recife na época em que a capital pernambucana esteve sob a égide dos holandeses, liderados pelo conde João Maurício de Nassau-Siegen (1637-1645). Um desses estudiosos de múltiplos talentos, que observou o céu austral, o clima, as terras, as plantas e os animais do Brasil holandês, foi o jovem alemão Jorge Marcgrave. Ele cruzou os mares e chegou ao Brasil em 1638, em nome da Companhia das Índias Ocidentais, depois de frequentar várias universidades na Europa, entre elas a de Leiden, importante centro intelectual da República das Províncias Unidas, onde estudou medicina e astronomia. 

O quadrante astronômico reconstituído no campus do Mast  é um dos pontos altos da exposição                                   (Foto: Divulgação/Mast) 

“O objetivo da exposição é reconstituir os espaços construídos no Recife, durante a administração de Maurício de Nassau, para abrigar as atividades dos sábios que o acompanharam ao Novo Mundo, como Jorge Marcgrave, Guilherme Piso, que era o médico de Nassau, e os pintores que ajudaram na elaboração de um retrato da América durante o século XVII, entre eles Frans Post, Albert Eckhout e o próprio Zacharias Wagener”, resumiu a pesquisadora da Coordenação de História da Ciência do Mast e curadora Heloisa Meireles Gesteira. A exposição é um dos frutos das atividades de fomento da FAPERJ, pelo edital Apoio à Difusão e Popularização da Ciência e Tecnologia no Estado do Rio de Janeiro.

Uma das principais atrações da exposição é um quadrante astronômico, reconstituído em tamanho real a partir das anotações históricas de Marcgrave e de pesquisas recentes desenvolvidas com o auxílio de recursos técnicos e softwares específicos. Esse instrumento científico do passado foi construído e utilizado pelo sábio para observar o céu, durante a sua estadia no Recife. Em poucas palavras, ele serve para calcular a posição, ou melhor, a medida angular de um astro, por meio de uma sombra projetada na ponta de uma régua. “Os visitantes da exposição podem participar de oficinas para entender o funcionamento do quadrante, especialmente alunos de escolas de ensino médio”, explicou Heloisa, doutora em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

O quadrante era considerado um instrumento bastante moderno para os padrões da época. A partir dele, Marcgrave planejava fazer o mapa das estrelas do hemisfério Sul, que ainda eram praticamente desconhecidas, observar eclipses e planetas, e determinar a longitude de Recife, o tamanho da Terra e publicar as Tabelas Astronômicas Mauricianas, em homenagem ao seu mecenas. O quadrante foi utilizado para diversos estudos, como a observação do eclipse do Sol de 1640, mas esses objetivos ambiciosos não foram cumpridos, pois com o fim da dominação holandesa, Marcgrave também teve que retornar para a Holanda.  Antes, ele teve que realizar um trabalho em Angola, onde foi acometido por uma febre que o levou à morte, com apenas 34 anos.

A ideia de reconstruir o quadrante partiu do astrônomo Oscar Toshiaki Matsuura, colaborador do Mast e pesquisador aposentado da Universidade de São Paulo (USP). “Esse instrumento não é uma réplica de um quadrante astronômico do século 17. Ele é uma reconstrução, na medida do possível, a partir dos registros que temos de como era esse instrumento na época”, explicou Heloisa. Por sua simplicidade, o quadrante – com 5 pés, ou seja, cerca de 1,6m de raio – é considerado didático. Seu funcionamento pode ser percebido com clareza pelos visitantes da exposição, ao contrário dos instrumentos modernos e miniaturizados. “O quadrante permite a releitura de uma experiência observacional realizada no Recife holandês”, completou.

 

Heloisa Gesteira e Oscar Matsuura apresentam um pouco da atmosfera das pesquisas no Recife holandês (Foto:Divulgação/Mast)

Encantado com o contato direto com o Novo Mundo, Marcgrave se dedicou, junto com outros cientistas, à observação da natureza brasileira. Ele fez estudos multidisciplinares sobre a flora, a fauna, os minerais, os indígenas e o céu do País. Afinal, no século XVII, sob a classificação de história natural, estavam disciplinas que hoje formam campos autônomos, como a astronomia, meteorologia, geografia, botânica, zoologia e a etnografia indígena, que compreendia a observação minuciosa dos costumes dos habitantes nativos, incluindo a forma como eles manipulavam e consumiam produtos naturais. Ele acompanhou Nassau em incursões pelos sertões conquistados pelos holandeses, em busca de metais e de apresamento indígena.

Essas reflexões foram reunidas na obra História Natural do Brasil, ou Historia Naturalis Brasiliae, conforme o original, em latim, publicado em 1648. Marcgrave foi co-autor da obra, com Willem Piso, para a qual desenhou aquarelas de plantas e animais do Novo Mundo. No livro, ele descreveu exemplares da fauna e flora, como os tatus, emas, porcos, jacus e preás; e os maracujás – frutos recomendados por Marcgrave pelo “gosto e sabor”. Por sua contribuição à botânica, o sábio seria posteriormente  homenageado no nome da família botânica Marcgraviaceae e no gênero Marcgravia. No período em que esteve no Brasil holandês, o cientista ainda confeccionou mapas da região Nordeste, publicados no livro de Gaspar Beléus, História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil.

Além da presença dos sábios no Recife holandês, a exposição destaca a existência de espaços importantes para a realização dos estudos de história natural e de astronomia: os jardins situados ao redor da residência oficial de Maurício de Nassau e o observatório, erguido no telhado da primeira casa onde o conde holandês se instalou, logo depois da sua chegada ao Recife, no atual bairro de Santo Antônio, para governar as áreas conquistadas dos portugueses. O observatório foi retratado na aquarela do pintor Zacharias Wagener. Ele foi inaugurado na noite de 15 de setembro de 1639. “Além do quadrante utilizado por Jorge Marcgrave, havia no observatório um sextante, lunetas e um relógio de pêndulo”, disse Heloisa.

 

https://www.youtube.com/watch?v=yQF1n8OXEFo align:center

 

Sobre o assunto, um interessante catálogo:  http://issuu.com/museudeastronomiaecienciasafins/docs/cat__logo_observa____es_do_recife_h/0

 Fonte: http://www.faperj.br/boletim_interna.phtml?obj_id=10594

 

Redação

5 Comentários

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  1. O céu do Recife holandês

    Duas obervações de passagem:

    1. O período de Nassau em Pernambuco foi um marco civilizatório. Mas esse tempo não deve ser confundido com uma superioridade da colonização holandesa sobre a de Portugal. Esse anosde Nassau em Pernambuco são, em essência, uma caracterísca extraordinária do príncipe Maurício. Isso não se confunde com a colonização da Holanda, até  porque  os holandeses foram bem cuéis e predadores em outras terras, da Guiana ao continente africano. Nunca é demais lembrar que colonizador bom já morreu. Ou só é bom morto.  

    2. Antes dos holandeses e de Pedro Álvares Cabral, Vicente Yáñes Pinzón já havia chegado a Pernambuco. Daí que João Cabral recupera uma anotação do navegador no poema O Sol em Pernambuco:

    “Pinzón
    diz que o cabo Rostro Hermoso (que se diz hoje de Santo Agostinho)
    cai pela terra de mais luz da terra(mudou o nome, sobrou a luz a pino)”

    Registro que para um vendedor de livos de história, um Bueno nada bom, Pinzón foi ao Ceará. É possível. Mas como esquecer o verso do Cabal brasileiro para falar do azul do céu de Pernambuo? “Cai pela terra de mais luz da terra”.

    1. Canalhas e Gente Boa

      Urariano:

      Ninguém aqui — incluindo este leitor — está participando do Concurso de Miss Colonial.

      Nós somos tão canalhas e gente boa como qualquer outro povo.

      O que me fascina é que a mesma curiosidade que moveu meus antepassados no século 17 é a mesma que me move no século 21, que me faz subir as montanhas de Minas Gerais e olhar as estrelas.

      Como escreveu Olavo Bilac:

      “Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
      Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
      Que, para ouvi-las, muita vez desperto
      E abro as janelas, pálido de espanto…

      E conversamos toda a noite, enquanto
      A via-láctea, como um pálio aberto,
      Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
      Inda as procuro pelo céu deserto.

      Direis agora: “Tresloucado amigo!
      Que conversas com elas? Que sentido
      Tem o que dizem, quando estão contigo?”

      E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
      Pois só quem ama pode ter ouvido
      Capaz de ouvir e de entender estrelas.”

      (Poesias, Via-Láctea, 1888)

      1. Não se trata de nacionalidades

        Trata-se do regime colonial. Ou,se quiser, de um regime em que um país domina outro, que vem  ser uma colônia,

        ” território situado fora do âmbito geográfico de um Estado, e cuja posse e administração este exerce; DOMÍNIO; POSSESSÃO”. Não tem colonização boa.

         

  2. o queijo do reino

    por que pernambuco é pra onde se exportam de minas gerais os queijos do reino? na época de natal em todos os cantos é só lata de queijo do reino, laro que não são gostosos como na minha infancia e adolescencia. é que os holandes foram até minas gerais onde lá numa região encontraram um clima muito pareciedo como a dos países baixos. e como estiveram mais tempo em pernambuco tranformou-se em costume delicioso. aspessoas louras, de olhos azuis , de soberenomes holandeizados q encontramos pro recife e olinda são dessa herança. wanderley, por exemplo. são aqueles queijos arredondados em latas idem, de casca fgermelha e amarelos fortes por dentro. há outro queijo ligieramente parecido que se encontra pelo país, o nome é edan, se não me engano. são queijos muito caros.

  3. Eu só gostaria que o Nordeste

    Eu só gostaria que o Nordeste tivesse pela civilização galego-portuguesa (que é muito mais importante que esse punhado de escoceses, “alemães” e “holandeses” que viveram pouco menos de três décadas lá) um quinto do amor que eles têm por esses invasores que ao fim e ao cabo tão pouco lhes deixou. Ficar falando de gente loura de olhos azuis como se todo nordestino com estas características fosse descendente dos do norte da Europa é subserviência. Mais provável eles serem descendentes da estupenda civilização galego-portuguesa. As similitudes entre os dois universos são embasbacantes.

    Qual parte de Minas tem o clima miserável do norte da Europa? (Desculpa aí, querido Hans Bintje!)

    Viva o Nordeste! Viva Minas!

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