A utopia do capital financeiro é um presidente que não entende de economia

Ana Gabriela Sales
Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.
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Foto: Guilherme Santos/Sul21Ex-ministro Guilherme Cassel participou de painel promovido pelo SindiBancários, em Porto Alegre

do Sul21

‘A utopia do capital financeiro é um presidente que não entende de economia’ 

por Luís Eduardo Gomes

Diante de um cenário político com poucos motivos de comemoração, o Sindicado dos Bancários de Porto Alegre e Região (SindBancários) marcou a celebração de seu aniversário de 86 anos, na noite de quinta-feira (17), com o painel “Desafio dos Trabalhadores em 2019”. Em debate, quais são as principais ameaças do governo de Jair Bolsonaro à classe trabalhadora.

Um dos palestrantes da noite, o engenheiro Guilherme Cassel, que foi ministro do Desenvolvimento Agrário durante o segundo mandato de Lula, destacou que a principal ameaça aos trabalhadores virá das concessões a serem feitas pelo governo Bolsonaro ao mercado financeiro. Ele apontou que, diante das tantas polêmicas que aconteceram nos primeiros dias do novo governo, pouco tem se avaliado as consequências do que Bolsonaro anunciou na campanha quanto ao seu modelo econômico, isto é, que deixaria tudo a cargo do “guru econômico” Paulo Guedes.

“Um belo dia o então candidato Bolsonaro diz o seguinte: ‘Economia? Não entendo nada disso, perguntem para o Guedes’. O que significa isso? Essa é a utopia do capital financeiro especulativo. É a primeira vez no mundo que isso acontece num país, o presidente terceirizar a economia para o capital. Nunca aconteceu no Chile. Não está acontecendo na Argentina, na Colômbia, nunca aconteceu. Nenhum governo foi capaz de ser tão frágil, tão canalha a ponto de entregar toda a parte financeira para o capital especulativo”, disse.

Para Cassel, esse cenário consiste na concretização de uma “utopia” do capital financeiro especulativo. “É a utopia deles, que os governos eleitos democraticamente se ocupem só dos ‘serviços gerais’ e o importante ‘cuidamos nós’.’Nós vamos cuidar dos juros, de salário, da legislação trabalhista, do comércio internacional, etc. Esse nós, no caso brasileiro, é um especulador financeiro vulgar que nunca teve no setor público, não escreveu um parágrafo sobre economia do setor público, não entende nada disso, é um operador do capital financeiro, simples assim. A gente tem que perceber a gravidade que isso tem, significa que eles estão dispostos a sacrificar tudo o que foi conquistado até hoje para ter mais lucratividade na especulação financeira. Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, bancos públicos de uma maneira geral estão em risco, e um risco muito grande”, afirmou.

Desafios trabalhistas

Outra palestrante do evento, a juíza do Trabalho Valdete Souto Severo apontou a reforma da Previdência e a pretendida destruição da Justiça do Trabalho como principais ameaças aos trabalhadores. Quanto à primeira, ela afirma que o maior prejuízo para os trabalhadores poderá ser causado caso uma das ideias aventadas por Guedes seja aprovada pelo Congresso, a da substituição do atual sistema previdenciário de caráter solidará para outro de capitalização.

Juíza do Trabalho Valdete Souto Severo alertou para o conteúdo da PEC 300 | Foto: Guilherme Santos/Sul21

“O impacto disso é terrível. É só olhar o regime de previdência no Chile, que mudou de um regime de solidariedade para um de capitalização. Aí algumas empresas [gestoras de fundos de previdência] quebram no meio do caminho, outras não rendem o que se esperava. Na realidade, o objetivo da reforma sempre foi esse, abrir um nicho econômico para empresas privadas. O que está acontecendo no Chile? O índice de suicídios entre pessoas de terceira idade aumentou muito porque as pessoas não conseguem se manter com o valor da aposentadoria”.

Valdete também chamou a atenção para uma proposta de emenda constitucional, a PEC 300, que ganhou notoriedade na última semana após receber parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados. Entre outras coisas, o projeto prevê a ampliação da jornada diária de trabalho para dez horas, ainda que respeitado o limite semanal de 44 horas.

“Impressiona um pouco o texto da PEC, porque nenhum país discute as 8 horas há mais de 100 anos. Em princípio, se a gente pensar em termos das conquistas que já houveram, do que é um patamar mínimo civilizatório, eu diria que não tem como aprovar. Só que a gente está vendo que tudo que eles estão pretendendo, estão conseguindo fazer. A PEC 300 está na mesma linha da reforma da Previdência, a destruição que ela vai fazer é tão grande quanto”, avaliou.

Presidente do SindBancários, Everton Gimenis reforçou a preocupação da categoria com os temas apontados pelos palestrantes, especialmente quanto a possibilidade de um aprofundamento da reforma trabalhista e de privatizações no setor bancário.

Everton Gimenis apontou a ameaça de privatização dos bancos públicos como preocupação principal dos bancários | Foto: Guilherme Santos/Sul21

“O Bolsonaro já disse que, para ele, as relações de trabalho devem beirar a informalidade, ou seja, nós vamos voltar à escravidão”, diz. “Outro tema que para nós é muito importante, que o governo Bolsonaro também está anunciando e o governo do Estado está sofrendo uma pressão muito forte quanto a ele, é o desmonte dos bancos públicos, a entrega, a privatização. O governo federal botou dois privatistas na Caixa e no Banco do Brasil, que chegaram dizendo que vão privatizar tudo o que der”.

Desafios no campo

Cassel, que buscou desenvolver políticas de fomento à agricultura familiar em sua passagem no governo federal, destacou ainda os impactos no setor do avanço da direita, o que retrocede  ao início do governo Temer.

“No primeiro dia do governo Temer, o Ministério dos Desenvolvimento Agrário foi extinto. Agora, os agricultores familiares do Brasil estão relegados a uma secretaria secundária no Ministério da Agricultura. Já não se trata mais [dos trabalhadores rurais]. O crédito está escasso, a técnica desapareceu, os programas de comercialização praticamente inexistem. Ou seja, tudo aquilo que foi feito durante os governos Lula-Dilma no sentido de capacitar, valorizar e estimular o desenvolvimento da agricultura familiar foi jogado por água abaixo”, disse.

O ex-ministro avaliou que o que está em jogo é uma disputa entre modelos de produção agrícola, que, no contexto atual, está levando ao aumento da concentração de terras. “Não se trata só de valorizar um grupo de agricultores e de agricultoras. Isso tem a ver com segurança alimentar e nutricional. Todos os países do mundo hoje se preocupam em ter uma produção agrícola e diversificada. Não é só soja e cana, a gente tem que produzir fruta, leite, frango, mandioca, batata, arroz, feijão. É isso que as pessoas comem e é isso que a agricultura familiar brasileira produz. E é isso que o governo está impedindo que ela faça”, diz. “Se continuar nessa caminhada, daqui a uns anos a gente vai ser mais dependente das grandes empresas transnacionais de alimentos. Vamos importar cada vez mais alimentos, logo o Brasil que tem uma fronteira agrícola enorme e uma capacidade enorme de produzir”.

O que fazer

Cassel ainda fez uma análise do cenário atual do ponto de vista político. Para ele, a esquerda precisa superar o momento reativo perante o governo Bolsonaro, ora reagindo com espanto, ora com humor, é focar esforços na construção de uma agenda que apresente uma alternativa real ao País.

“Não basta a gente ver o Bolsonaro cair. O governo foi tomado por tropa de imbecis, é verdade. Se essa tropa de imbecis cair, quem vai ficar no lugar? Nós perdemos a capacidade de construir um programa claro, objetivo, de uma outra sociedade. Do meu ponto de vista, o conceito central desse programa tem que ser o combate a desigualdade”, disse. “O grande problema nosso é que tudo que esse governo está fazendo hoje, está fazendo de forma legítima, com apoio, com voto. Esse é o nó do problema. A gente tem que sair dessa posição de rir do Bolsonaro, de rir dos seus ministros, de torcer contra. O governo não vai dar certo, o governo é uma piada. Ponto. A esquerda brasileira tem que ter capacidade de se reorganizar e ser capaz de construir um programa que a sociedade perceba com clareza que seja um caminho para o desenvolvimento mais justo, mais sustentável no curto, médio e longo prazo”.

Ana Gabriela Sales

Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.

1 Comentário

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  1. a sugestão final me parece

    a sugestão final me parece mais

    adequada para o momento….

    rir deles é rir e si mesmo…

    tem que apresentar um programa coerente de inclusão social

    para combater esse governo totalmente desnorteaso e sem nenhum planejamento….

    e assim  convencer a sociedade da viabilidade da oposição atual assumir novamente o governo….

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