da Carta Maior
Como os EUA tratam os direitos humanos dentro e fora de seu território
Não são poucos os episódios ao longo da história da humanidade em que os EUA promoveram guerras, crises e intervenções em Estados soberanos com a justificativa de defender os direitos humanos. A prática é antiga e, a cada nova conjuntura global, repaginada. Entretanto, a essência é a mesma: dominação política e econômica sobre nações em desenvolvimento na periferia do capitalismo. A gestão de Donald Trump não é diferente, e vem agravando o desrespeito com acordos de cooperação internacionais (sejam sociais ou econômicos), além de impulsionar guerras comerciais e fomentar a construção de um muro na fronteira Sul para impedir a chegada de imigrantes.
Depois de anos vendendo a ilusão do “sonho americano” para o mundo, em 2016 o país elegeu o mais protecionista de seus presidentes recentes. Trump chegou à Casa Branca com o slogan “Make America Great Again” e imediatamente passou a tratar os imigrantes como o inimigo número 1 da superpotência. Houve até o episódio em que se referiu aos mexicanos como “ladrões e estupradores”. Entretanto, apesar das políticas migratórias estarem cada vez mais rígidas no governo Trump esse é um problema antigo. Jayesh Rathod, professor de Direito e diretor do departamento de Justiça para Imigrantes na Universidade de Direito de Washington, explica que os EUA possuem uma longa história anti-migratória baseada na discriminação racial. O que muda, de tempos em tempos, são os países de origem de quem não será bem-vindo ao sonho americano. No século 19, por exemplo, o alvo das propagandas eram os imigrantes chineses – acusados de ladrões; mais tarde passaram a ser os árabes – considerados terroristas.
No século 20 iniciou-se o repatriamento forçado de mexicanos, à época sob a desculpa de serem ligados ao crime organizado, isso ocorreu, segundo o professor, especialmente devido à formação de gangues e ao narcotráfico em países da América Latina e do Caribe. Para dificultar a travessia na fronteira, em 1929 torna-se crime entrar nos EUA sem autorização.
Rathod trouxe dados impressionantes: até a chegada de Trump, cerca de 400 mil imigrantes eram encarcerados por ano nos Estados Unidos, recentemente a cifra aumentou. Algumas práticas, como a separação de famílias, também já ocorriam antes, mas foram intensificadas. “Houve a securitização da política migratória norte-americana, especialmente após o 11 de setembro”, explica o professor; cada vez mais o Estado transforma a migração em matéria de Segurança, politização extrema que permite o uso de meios extraordinários — e, na maioria das vezes, violentos — em nome da segurança. Como consequência, comunidades consideradas “agressivas” e “irracionais” pela máquina de propaganda governamental passam a ser monitoradas e vilipendiadas pela população, uma vez que o bombardeio midiático ajuda na formação da opinião pública sobre quem é o inimigo da vez.
O plano político do Governo Trump, segundo Rathod, é claro: uma sociedade mais homogênea (quanto menos diversidade melhor, nada de multiculturalismo). O perfil de sua base eleitoral facilita este processo, trata-se de um eleitorado composto basicamente por trabalhadores brancos pobres, com baixo nível cultural, geralmente residentes na área rural do país, que acreditam que a ascensão cultural do negro foi a causa da piora de suas vidas, uma vez que foram “esmagados pelo desenvolvimento do capitalismo globalizado”, como explica Tatiana Poggi, professora da Universidade Federal Fluminense. Ela lembra, contudo, que o presidente businessman possui duas bases eleitorais: o grande empresariado que cresceu no pós- Guerra Fria também está incluído. Dessa forma, Trump apela à base republicana preocupada com a insegurança econômica produzida pelo avanço da globalização e a crise do capitalismo.
Outro fator decisivo para o endurecimento das políticas migratórias é o lobby feito pelas penitenciárias privadas que têm interesse em, cada vez mais, aumentar a população carcerária, por óbvio, e vê no imigrante um alvo fácil. Segundo o professor, os empresários deste ramo influenciam de forma considerável nas políticas públicas de migração, influentes no Congresso, impulsionam a criação de medidas cada vez mais duras contra quem tenta entrar no país pela fronteira Sul.
As políticas para chegar nesses objetivos são várias: primeiro, a redução ao acesso à proteção humanitária, incluindo o estatuto de asilo. Foi estabelecido o limite máximo de 18 mil asilos por ano. Segundo, a formulação, junto ao governo mexicano anterior, da “política para permanecer no México”.
O sistema jurídico estadunidense, munido de políticas sugeridas pelo governo Republicano, tem aberto o caminho para a consolidação do fechamento da fronteira. O asilo nos Estados Unidos, após o governo Trump, pode ser negado sem necessidade de uma audiência completa e vítimas de violência doméstica ou de gangues tem pedidos limitados. No Departamento de Justiça norte-americano, o procurador geral (indicado pelo governo) pode vetar políticas migratórias. Rathod fala no “abandono do poder discricionário do Ministério Público”: promotores podem optar por não julgar casos específicos.
Todos essas iniciativas fazem parte da “Política de tolerância zero” trumpiana, que envolve táticas agressivas usadas para desencorajar migrantes a atravessar a fronteira. O episódio recente que chocou o mundo foram as milhares de crianças mexicanas separadas de seus pais em centros de detenções para famílias no estado do Texas.
“Trump é um dos articuladores dos discursos de ódio dessa onda conservadora que vemos crescer em todo o mundo. Ela se alimenta do desespero e da desesperança. Em um cenário de crise e de diminuição da qualidade de vida e perspectivas de horizontes, esse tipo de projeto, já existente, ganha apoiadores. Os ultraconservadores são bastante talentosos em manipular esse ódio, transformando-o em esperança ilusória”, analisa Tatiana.
O plano de ação do governo de Trump tem gerado implicações graves para o sistema político norte-americano. O professor Jayesh Rathod assinalou alguns: a separação de poderes, devido a tomada de decisões de forma unilateral pelo executivo, negligenciando a participação do Congresso; a falta de responsabilidade democrática, uma vez que as políticas anti-migratórias agradam a base eleitoral de Trump, e não a maioria dos cidadãos, causando a desconexão dos programas com as vontades sociais; a erosão do processo jurídico devido e consequentemente dos direitos dos imigrantes; e, por fim, a promoção do federalismo: crescem cada vez mais respostas locais e estaduais pró-migração.
“Os princípios dos direitos humanos são iluministas, não norte-americanos”
O embaixador brasileiro Lindgren Alves alerta que foram as práticas coloniais de grandes potências e o excesso de violência usada pelos EUA em países subdesenvolvidos – principalmente da América Latina no período das ditaduras militares (1960-1990) – que deixaram os mecanismos internacionais em estado de alerta, a ponto destes passarem a defender os direitos humanos com mais ênfase.
Um exemplo é a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) no Chile: “depois da queda de Salvador Allende e das violações chocantes dos direitos humanos acontecidas no Chile, a situação foi tão evidente para o resto do mundo que a ONU não podia mais ficar de braços cruzados, então a partir disso surgiu um monitoramento específico para a situação que era a ditadura cujo recorte eram os desaparecimentos forçados”. Entre as mais de 40 mil vítimas da ditadura chilena, 3.225 foram mortas ou sofreram desaparecimento forçado.
Segundo Lindgren Alves, a divulgação destes crimes cometidos nos países do terceiro mundo, somados às práticas coloniais, saltaram aos olhos da comunidade acadêmica e de militantes pelos direitos humanos de forma a fortalecer os mecanismos internacionais. “Vale destacar que não são os EUA os principais promotores dos direitos humanos! Esses princípios vêm do Iluminismo e se espalharam pelo mundo para combater o sistema colonial e libertar os povos que viviam sob colonialismo do século 20, principalmente nos países de África”.
Passado este período de fortalecimento e consolidação dos mecanismos internacionais de proteção aos direitos humanos, no começo do século 21 esquerdas mundo afora – principalmente nos EUA e na Europa – passaram a se dedicar mais a esta pauta, dando atenção especial às minorias, explicou o embaixador. “Isso aconteceu um pouco como resultado da propaganda neoliberal que trata muito das questões apenas do indivíduo [em detrimento do coletivo]”.
Para o embaixador, esta opção das esquerdas é acertada, porém, é preciso não desviar da questão central: “existem os componentes racistas, machistas e homofóbicos que agravam a situação, mas o mais grave ainda é a pobreza. É preciso pensar de forma mais realista e entender que a vulnerabilidade das minorias se agrava devido às questões sociais”.
A melhor forma de defender os direitos humanos e fortalecer as lutas das minorias, segundo Lindgren Alves, é através da promoção de políticas públicas voltadas para Educação, Saúde, Emprego e conquistas sociais. “Se não houve preocupação dos ativistas pelos direitos humanos pelos fatos que ocorrem em detrimento de toda a sociedade, como a criminalidade, esta pauta vai ser tratada como secundária”.
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