Sou admirador de Márcia Tiburi, mas não pude deixar de notar um deslize que ela cometeu. Recentemente ela divulgou na página foto de uma obra de Adorno e Horkheimer sugerindo que o neo-fascismo brasileiro é semelhante ao fascismo estudado por ambos https://www.facebook.com/MarciaTiburi/photos/a.268595519918165.57942.125357957575256/1362415407202832/?type=3&theater.
A analogia me parece impertinente. Historicamente ela certamente não se sustenta.
Os fascistas brasileiros queriam salvar suas famílias do petismo, mas fizeram-nas pagar gasolina e gás muito mais caro. Eles supostamente querem salvar o país da crise econômica, mas fazem isso entregando a preço de banana aos estrangeiros as riquezas petrolíferas e minerais do país.
Portanto, a mim parece que há uma evidente discrepância entre o que os neofascistas querem e o que eles fazem. A ação deles em nada se parece com a dos fascistas italianos e alemães dos anos 1930, estes sim nacionalistas fanáticos o suficiente para afrontar os interesses comerciais e geopolíticos da França, da Inglaterra e dos EUA.
Não sou adepto do nazismo, nem sou capaz de nutris qualquer simpatia pelos nazistas antigos ou recentes. Todavia, creio que é preciso colocar a história em contexto quando comparamos dois fenômenos.
O nazismo chegou ao poder pelo voto e introduziu reformas que beneficiaram os alemães mais pobres. Nos primeiros anos da administração de Hitler ocorreu uma verdadeira revolução sanitária na Alemanha, provocando a redução da mortalidade infantil e o aumento da expectativa de vida dos alemães mais pobres.
Abandonados à própria sorte pela República de Weimar, que preferia sacrificar investimentos dentro do país para honrar as obrigações contraídas no Tratado de Versalhes, imensos contingentes de população alemã apoiaram o regime nazista porque sentiam que finalmente haviam passado a ser objeto de cuidado governamental. Este fenômeno pode ser visto numa das primeiras cenas do filme Youg Lions (1958) http://www.tcm.com/mediaroom/video/954349/Young-Lions-The-Movie-Clip-Are-You-A-Nazi.html.
É evidente que os nazistas cometeram atrocidades contra as pessoas que eles consideravam inimigas internas do III Reich (judeus, socialistas, comunistas, homossexuais e ciganos). Todavia, a adoção de medidas políticas brutais e excludentes não teria sido apoiada pela maioria da população alemã caso ela não se sentisse beneficiada por Hitler.
Além disso, não podemos esquecer que o anti-semitismo era um fenômeno europeu antigo. Ele não foi inventado pelos nazistas. O racismo científico também não foi uma invenção nazista. Ele havia se tornado um consenso europeu a partir do final do século XIX em razão das obras de Thomas Buckle, Arthur Gobineau e Louis Agassiz antes de chegar à Alemanha.
O ódio que as crianças alemãs foram ensinadas a sentir dos outros povos também não era um fenômeno especificamente nazista. Antes da I Guerra Mundial as crianças francesas e inglesas também eram ensinadas a odiar os outros povos como ilustra uma cena do filme Joyeux Noel (2005) https://www.youtube.com/watch?v=SRjKkG35ogo.
Diferentemente dos nazistas alemães dos anos 1930 (e também dos franceses e ingleses racistas e imperialistas que brutalizaram diversos povos nas suas colônias africanas e asiáticas), os neofascistas brasileiros não estão sendo ensinados a odiar estrangeiros que se apropriam do nosso petróleo. Muito pelo contrário, eles odeiam apenas os brasileiros que defendem o uso destes recursos para o desenvolvimento humano e econômico do Brasil.
Não só isso, eles estão sendo ensinados a odiar seus próprios filhos, netos e parentes mais pobres. A destruição do SUS e das Universidades Públicas certamente atende os interesses dos mercadores da saúde e da educação, mas ninguém em sã consciência pode dizer que isso vai beneficiar a população brasileira como um todo. O mesmo pode ser dito em relação à revogação dos direitos trabalhistas, privatização da previdência e revogação de vários programas sociais (Ciência sem Fronteiras, Minha Casa Minha Vida, etc…).
Hannah Arendt criou o conceito de banalidade do mal para explicar a ação de Adolf Eichmann. Quando foi transformado em programa político e passou a ser executado de maneira burocrática por servidores públicos, o mal perdeu sua natureza excepcional. Como muitos de seus colegas de trabalho, Eichmann havia renunciado à faculdade de julgar seus próprios atos por causa do juramento de lealdade que fez a Hitler. Ele não era um monstro, de fato ele era apenas um homem medíocre.
Os neofascistas brasileiros não juraram lealdade a ninguém. Eles são incapazes de julgar quais são seus próprios interesses. O ódio que eles alimentam tem um propósito político, mas não uma finalidade nacionalista como o ódio que foi estudado por Adorno e Horkheimer.
O ódio dos neofascistas brasileiros é banal. Tão banal e despropositado, que pode ser considerado uma coisa de gente amalucada, privada de sua faculdade de pensar. Os neofascistas foram entorpecidos por uma ideologia confusa que prega a Terra chata e que produz homens que mentecaptos que marcham com passo de pato para o abatedouro dos próprios interesses atrás de um pato inflável de borracha. Márcia Tiburi deveria pensar melhor sobre o assunto antes de fazer uma comparação que pode ser considerada abusiva.
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