O caso das sementes suicidas, por Felipe Costa

O caso das sementes suicidas

por Felipe A. P. L. Costa

A engenharia genética (também referida como manipulação genética ou tecnologia do ADN recombinante) pode ser definida como um conjunto de técnicas usadas na manipulação direta dos genes de uma célula. A aplicação dessas técnicas tem tido algum sucesso na obtenção de organismos ‘engenheirados’ – i.e., organismos geneticamente modificados (OGM) ou transgênicos.

A obtenção de um OGM é um processo conduzido em etapas bem-definidas. Eis, por exemplo, como se poderia obter uma linhagem de bactérias capazes de produzir insulina, uma proteína sintetizada por células do pâncreas de seres humanos sadios (diabéticos não sintetizam insulina): (1) isolamos os genes de interesse (no caso, genes humanos que codificam a síntese de insulina); (2) inserimos os genes em um vetor (como os plasmídios – pequenas moléculas circulares de ADN – de certas bactérias), etapa durante a qual normalmente são usadas ‘tesoura’ e ‘cola’ moleculares que promovem a inserção do fragmento de ADN contendo o gene de interesse no genoma do vetor; (3) transformação das células do organismo a ser ‘engenheirado’ (no caso, modificação do metabolismo de bactérias inoculadas com o vetor); e (4) isolamos o OGM (no caso, isolamos e purificamos a substância de interesse).

Não é um processo trivial, mas também não é a coisa mais complicada do mundo. Ao contrário do que possa parecer, no entanto, a engenharia genética não tem sido usada apenas para ‘aprimorar’ (de um ponto de vista antropocêntrico) certas características desse ou daquele organismo – plantas usadas na alimentação humana, por exemplo. Há também coisas embaraçosas sendo desenvolvidas em alguns laboratórios, como é o caso da tecnologia das sementes suicidas.

A tecnologia das sementes suicidas, ou tecnologia terminator, tem sido usada em combinação com a produção de plantas transgênicas. O objetivo é suprimir a capacidade germinativa das sementes. Sementes suicidas podem ser estocadas, processadas e eventualmente consumidas; todavia, elas são incapazes de dar origem a plantas que produzam sementes férteis. Com essa tecnologia, uma empresa que hoje produza milho transgênico passaria a produzir milho transgênico suicida. O que isso significa? Significa que as sementes produzidas pela empresa germinariam, dando origem a pés de milho; no entanto, os frutos (espigas) produzidos por esses pés de milho conteriam única e exclusivamente sementes estéreis, incapazes de germinar.

Para as empresas envolvidas com o desenvolvimento e produção de sementes suicidas, a tecnologia terminator seria apenas um ‘sistema de proteção de tecnologia’ – i.e., um ‘selo de segurança’ que as empresas produtoras de sementes transgências poderiam agregar ao seu produto. Deixando os eufemismos de lado, é importante notar o seguinte: em um mundo dominado por essa tecnologia, os agricultores não poderão mais semear a próxima safra utilizando para isso uma parcela dos grãos colhidos na safra anterior, como ainda se pode fazer hoje em dia (e.g., no caso do feijão ou do milho). Ao contrário, sempre que um agricultor (ou qualquer outra pessoa) quiser semear alguma coisa, ele vai ter de comprar ‘sementes certificadas’ em algum revendedor devidamente autorizado, sob risco de ser processado por ter uma lavoura ‘clandestina’.

Há uma moratória mundial contra o uso de sementes suicidas, especialmente no caso de espécies vegetais utilizadas na alimentação humana. Mais recentemente, porém, as grandes companhias produtoras de sementes transgênicas deram sinais de que poderiam flexibilizar esse seu compromisso. Muitos observadores temem que a pressão a favor da liberação do uso de sementes suicidas aumente, principalmente porque gigantes que controlam a produção mundial estão desenvolvendo essa tecnologia ou estão adquirindo empresas especializadas nela, como fez a Monsanto, em 2006, quando adquiriu a Delta & Pine, empresa especializada na produção de sementes de algodão e soja. Nesse sentido, portanto, o mais indicado seria substituir a moratória por um completo banimento…

[Nota: versão original deste artigo foi publicada na edição n. 259 (2009) da revista Ciência Hoje. Para detalhes sobre o livro mais recente do autor, O evolucionista voador & outros inventores da biologia moderna (2017), clique aqui.]

Redação

8 Comentários

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  1. o caso….

    E nós, com nossa potência e capacidade de Maior Agropecuária do Mundo, fizemos o que? Temos Embrapa, Viçosa, Esalq….outras centenas de Centros de Pesquisas. Mas temos uma ideologização doutrinária contra o Agronegócio. Para que interferir ao nosso favor nossos interesses? Sejamos apenas contrérios e omissos. E permitamos que eles explorem o Mundo. Inclusive nós. 

    1. Não te preocupes o Zé, o governo está cuidando para…..

      Não te preocupes o Zé, o governo está cuidando para acabar com a pesquisa no Brasil com apoio da bancada do boi, que futuramente estará toda ela falida.

  2. Escândalo da Monsanto na União Europeia pode falir a ……

    Escândalo da Monsanto na União Europeia pode falir a agroindústria brasileira.

    Um relatório completamente parcial pode criar um caos na agroindústria brasileira, esta é uma das conclusões que se pode obter a partir de um “estudo” apresentado pela comissão de segurança alimentar da União Europeia que em 2015 simplesmente copiou-colou grande parte de um relatório da empresa Montesanto de 2011 que é a proprietária da patente do Glifosato.

    O famoso herbicida Roundup, desenvolvido, produzido e comercializado pela Monsanto é baseado no princípio ativo Glifosato. Já há bastante tempo as ações sobre seres humanos deste princípio ativo vem sendo estudado por inúmeros pesquisadores e em muitos estudos é atribuído a este entre vários motivos a intensificação da incidência de câncer e deformações congênitas em fetos.

    Na verdade, a Monsanto atua em duas pontas, primeiro ela vende o herbicida Roundup que só pode ser aplicado na Soja Roundup Ready® (soja RR) que é uma patente também da Monsanto.  Em resumo a produtividade maior da soja RR só é obtida com o uso do herbicida Roundup, e o uso desse herbicida só é possível na soja vendida pela Monsanto.

    Que os nossos agricultores morram mais de câncer e nossas crianças sofram de deformações congênitas é um problema brasileiro que teoricamente é controlado pelos sistemas de controle do governo federal e estaduais no Brasil, mas o problema é outro. Nos produtos alimentares pesquisadores europeus acharam resíduos de glifosato e começam a pensar a proibição não só do uso dos glifosatos na agricultura, mas como também nos produtos que utilizam grãos de soja.

    Mas voltando ao assunto inicial, a licença para o uso de glifosato expira no fim deste ano e a agência de controle vinculada a comunidade europeia entregou aos deputados europeus um relatório de 2015 que tirava a responsabilidade deste herbicida dos riscos que a Organização Mundial da Saúde já havia advertido, porém há poucos dias a imprensa europeia descobriu que o tal relatório tem praticamente 100 páginas de texto copiada INTEGRALMENTE de um relatório que a produtora do herbicida, a Monsanto, tinha feito em defesa de seu produto com mais de 50% dos autores “científicos” sendo PAGOS PELA MONSANTO, ou seja, uma claríssima situação de conflito de interesses.

    Conforme a decisão do Parlamento Europeu não só o Roundup pode ser proibido mas como produtos em que foram utilizados este herbicida, pois simplesmente tanto a Direction générale de la concurrence, de la consommation et de la répression des fraudes (DGCCRF) francesa como o Department for Environment, Food & Rural Affairs and Health and Safety Executive inglês detectaram traços deste herbicida em produtos alimentares como na maior parte dos exames de urina de cidadãos franceses foram detectados traços do mesmo herbicida.

    O que interessa isto ao Brasil? Muito simples, se proibido o uso do Roundup na Europa, poderá ser proibido também a importação de produtos do agronegócio brasileiro como a soja, óleo de soja e outros derivados, assim como a importação de carne de porco e aves. Logo toda a agroindústria brasileira poderá praticamente ruir pela queda de preço internacional de seus produtos.

    1. Oi rdmaestri, tivemos também

      Oi rdmaestri, tivemos também o caso dos plantadores de fumo da Argentina, duas décadas atrás, onde a Souza Cruz forneceu aos seus parceiros a semente e o herbicida da marca Round Up. Alguns anos depois começou a nascerem crianças mutiladas, e foi detectado que havia sido contaminado os mananciais de água por tal produto. Os sindicatos dos trabalhadores entraram na justiça americana, pois lá a chance de vitória seria maior e foi o que aconteceu. Só não sei se as vítimas argentinas receberam aquilo que deviam.

      No meu sítio só planto milho branco para os animais e milho doçe para consumo doméstico usando semente própria.

  3. Parece que o caso da Monsanto pode fazer ruir o agronegócio.

    Se as sementes são suicídas ou não é mais um prego no caixão de uma agricultura irresponsável levada por uma bancada do boi completamente IGNORANTE, o uso do Roundup na Europa está sendo questionado não só pelas suspeitas levantadas pela Organização Mundial da Saúde sobre os danos que este herbicida pode causar a saúde humana (cancer e má formação em fetos), mas sim pela capacidade deste de se manter nos alimentos que empregam as sementes genéticamente modificadas como a soja RR.

    A fraude dos lobbies na comissão europeia foi descoberta a menos de 15 dias e divulgada por toda a Europa, um relatório de 2015 que indicava aprovação do Roundup de um comite técnico da CE se mostrou um vergonhoso copia-cola de um relatório da própria fabricante do produto (Monsanto), a informação coloco com mais detalhes no outro comentário, porém o desdobramento do caso pode levar simplesmente a falência de todo o agronegócio, e quando falo todo é porque seria a produção de soja e seus derivados bem como a exportação de carne suína e a avicultura, ou seja, uma catástrofe que deixará de lado toda a discussão das sementes propriamente ditas, pois conforme o que pode ocorrer o preço das mesmas cairão a zero.

  4. Alguém ainda se lembra do

    Alguém ainda se lembra do caso das sementes híbridas, que também não produziriam  descendentes férteis, prejudicando sobremaneira os agricultores? Existia uma grita geral contra elas, etc, etc, etc. Resultado, já se passaram uns 30 anos, nossa agricultura cresceu mais e mais e ninguém mais fala disso. Será esse o destino das “terminators”, também?

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