A defesa do consumidor como política de Estado, um ano depois

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – Em 15 de março de 1962, John Kennedy, então presidente dos EUA, fez história ao empunhar a bandeira da defesa do consumidor como política de Estado. Mais de cinco décadas depois, Dilma Rousseff (PT) segue os mesmos princípios e lança, em 15 de março de 2014, o Plano Nacional de Consumo e Cidadania. O pacote contém projetos de lei, decretos e diretrizes que visam melhorar o debate em torno da qualidade dos produtos e serviços ofertados pelo mercado.

Já no lançamento do Plandec, muitas das ideias apontadas por Dilma foram elogiadas por órgãos que defendem os interesses do consumidor. Entre elas, a formação da Câmara Nacional das Relações de Consumo – um órgão interministerial cujo papel, grosso modo, é colocar o poder público e as instituições privadas na mesma mesa, para detectar problemas e apontar soluções para os dilemas dos consumidores.

Mais de um ano após o anúncio do Plano, a maior parte das ações propostas pelo governo federal ainda encontram alguma dificuldade para sair papel. Essa é a avaliação de Carlos Thadeu de Oliveira, gerente técnico do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). “A nossa reflexão é que as medidas do governo tocaram em temas importantes, mas ainda não provocam uma avaliação de sua efetividade”, pondera.

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Entre as medidas anunciadas por Dilma, pelo menos quatro foram destacadas pelos órgãos de defesa do consumidor:

– A elaboração de uma lista com “itens essenciais” ao consumidor 
– O fortalecimento dos procons
– Novas práticas para o comércio eletrônico
– Mais transparência nos dados propagados por instituições financeiras 

Lista de itens essenciais: os entraves e a promessa de piloto em 30 dias

Quando do lançamento do Plandec, Dilma e José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, anunciaram que a Câmara Nacional das Relações de Consumo seria responsável por debater com o empresariado e entregar, no prazo de 30 dias – ou seja, até abril de 2013 – uma lista com cerca de 30 itens considerados essenciais ao consumidor. Um ano depois, a divulgação da lista ainda não aconteceu.

A ideia é tornar imediata a troca dos produtos listados caso apresentem algum defeito, respeitando o prazo de garantia. Hoje, segundo o Código de Defesa do Consumidor (CDC), o fornecedor é obrigado a efetuar a troca em 30 dias. No caso de materiais perecíveis, por exemplo, isso pode se tornar uma dor de cabeça para o comprador.

Em entrevista ao Jornal GGN, Juliana Pereira (foto), titular da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), explicou que o governo federal optou por elaborar a lista em parceria com o varejo e a indústria, justamente para evitar que a iniciativa fosse contestada posteriormente. “Varejo e indústria apresentaram uma série de dificuldades para operacionalizar o atendimento ágil ao consumidor, e a principal delas é uniformizar o atendimento”, apontou.

Segundo a secretária, as proporções continentais do Brasil “fazem com que as empresas tenham condições de oferecer suporte técnico e atendimento nas áreas centrais, mas não no interior. E o consumidor não pode ser tratado de maneira diferenciada.” Diante da situação, Juliana garante que um formulário nacional de atendimento será lançado “em breve”.

“Nós teremos uma política nacional de pós venda e vamos começar com cinco ou seis produtos listados como essenciais, aqueles que recebem mais reclamações no Sindec (Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor). Temos alguns pilotos agendados para testar antes de lançar o decreto [que vai tornar obrigatório a troca dos itens essenciais após alteração no CDC. Com mais 30 dias, isso deve estar pronto”, prometeu.

Para o gerente técnico do Idec, “causa frustração ver que isso não avançou mais rápido. Se demorarmos tanto tempo para estabelecer o que é essencial ao consumidor, nunca vamos chegar a uma lista, porque ela muda com o tempo.”

Fortalecimento dos procons: projeto de lei não chegou ao plenário

No lançamento do Plandec, o governo Dilma também prometeu criar condições para que os procons (órgãos de defesa do consumidor) sejam fortalecidos. A medida é uma tentativa de reduzir o número de processos que chegam ao Judiciário. Para isso, a presidente endereçou ao Congresso um projeto de lei (PL) que autoriza os procons a praticarem mediações de conflitos. Com a aprovação da matéria, a negociação passa a ter valor de título executivo judicial.

“Pelos dados que temos, 70% das demandas judiciais em juizados de pequenas causas versam sobre direito do consumidor. E o custo desses processos chega a mil reais, em média. Ou seja: para se resolver uma demanda de trezentos reais, o Estado gasta mil”, explicou o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo (foto) durante o lançamento do Plandec.

A matéria, segundo Juliana Pereira, ainda está em discussão na Comissão de Defesa do Consumidor na Câmara Federal. Depois, será encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça. Somente após passar pelas comissões permanentes da Casa, irá ao plenário para análise dos deputados. Somente após conclusão da votação na Câmara será remetida ao Senado. Todo o trâmite não tem previsão para terminar. Pode levar anos, se seguir os prazos inerentes ao debate no Legislativo.

Para Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste, a aprovação desse PL é emergencial. “Hoje o Procon tem a função de fiscalização, mas a importância para a resolução dos problemas da sociedade de consumo é enorme. Sem esse fortalecimento previsto no Plandec, o Procon não consegue cumprir com os objetivos”, destacou.

O decreto do comércio eletrônico

Melhorias para o comércio eletrônico também estão previstas no Plandec. No lançamento do programa, Dilma assinou o decreto 7.692/2013, que determina que o fornecedor deve ser mais claro ao transmitir informações de seus produtos, ao divulgar dados sobre a empresa, além de efetivar o atendimento online para dúvidas, reclamações e cancelamento de serviços. A norma determina também que o consumidor tem direito ao arrependimento depois de adquirir o produto, e que isso pode acontecer no período de sete dias.

As diretrizes ainda estão em fase de implementação pelas empresas do setor, que respondem por uma parcela significativa da economia. De acordo com a E-bit, empresa especializada em informações do comércio eletrônico, o e-commerce movimentou R$ 28,8 bilhões em 2013, crescendo 28% em relação a 2012, quando o faturamento chegou a R$ 22,5 bilhões. Para 2014, a E-bit prevê crescimento de 20%, com faturamento de pelo menos R$ 34,6 bilhões.

Setor financeiro: “Sem novidades, só detalhamento”

O Plandec também prevê a obrigatoriedade, por parte das instituições financeiras, de fornecer dados sobre pacotes e tarifas de forma mais transparente.

Nesse quesito, a coordenadora institucional da Proteste, Maria Inês Dolci, acredita que há pontos positivos. “Houve avanços em relação à padronização de várias taxas, o que ajuda o consumidor a ter mais poder de escolha na hora de optar por um plano ou outro. Mas os serviços ainda não são totalmente transparentes”, apontou.

Já Carlos Thomas de Oliveira, do Idec, disse que “as medidas tomadas no âmbito do setor financeiro, por exemplo, não trazem grandes novidades. São princípios que estão previstos no Código de Defesa do Consumidor. Não há inovação, mas detalhamento. O mérito é o de especificar o que já estava previsto na lei.”

A grande crítica: “E as empresas de tele?”

As políticas que podem beneficiar o consumidor no tocante à área de telecomunicações deixaram a desejar tanto na avaliação do Idec, quanto na visão da Prosteste sobre o Plandec. “Apesar de ter sido um marco para a história das políticas de defesa do consumidor no Brasil, o Plandec pecou ao deixar de fora soluções para problemas com empresas de telefonia. Ao lado dos bancos, elas lideram as reclamações nos procons”, lembrou Maria Inês Dolci.

Para Juliana Pereira, da Senacon, entretanto, a análise dos órgãos de defesa do consumidor está equivocada. “Já no dia do lançamento do Plandec foi tirado uma cooperação pelo acesso à Justiça com o Conselho Nacional da Justiça, Conselho Nacional do Ministério Público e outros órgãos que têm trabalhado para diminuir os conflitos com bancos e empresas de telecomunicações.”

A secretária argumentou ainda que 2013 foi o ano em que se registrou o “melhor índice de soluções de conflitos no Procon no setor de telecomunicações. Esses indicadores não são divulgados como deveriam. O setor de telecomunicações atingiu 82% de sucesso nas soluções de tudo que chegou nos procons. O dado de quatro anos atrás era de 60% de resolução.”

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

1 Comentário

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  1. Aqui no Brasil os tucanos são

    Aqui no Brasil os tucanos são os maiores defensores dos consumidores… de pó. Tanto que lançaram um cãodidato que “supostamente” também consome o produto. Ha. ha. ha…

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