Andre Motta Araujo
Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo
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A trading do Pentágono, por André Araújo

A trading do Pentágono, por André Araújo

Departamento de Defesa dos EUA tem, dentro de sua imensa estrutura, um importante organismo comercial e financeiro, a Agência de Cooperação de Segurança e Defesa, cuja função é coordenar vendas de material bélico de fabricação americana e de países aliados, bem como de excedentes de equipamento militar das forças armadas americanas. As vendas anuais da Agência ficam entre 40 e 50 bilhões de dólares por ano, o que é excelente resultado para a indústria bélica americana.

O modelo não é só americano. A França usa o mesmo sistema com um organismo que foi fundado com o nome de Delegação Ministerial para o Armamento. Funciona da mesma forma, uma trading e banco financiador para as vendas de material bélico francês reunindo sob o mesmo guarda-chuva o Estado com sua presença geopolítica e diplomática e as empresas fabricantes, porque armamento não se vende apenas como transação privada, normalmente exige o aval e a participação do Estado de onde sai o produto. Esse tipo de venda só é possível com certificado de uso final e garantias que só se operam de Estado a Estado. No geral não se exporta material bélico sem muita documentação e aprovação política da venda para ver se além do lado comercial atende ao interesse nacional do Estado exportador.

O cliente do Pentágono pode pagar com seus próprios recursos ou pedir financiamento que a própria Agência trata de conseguir. Os serviços da Agência incluem a necessária autorização do Congresso dos EUA para cada venda, que só é possível para países aliados e amigos, já houve vetos do Congresso a vendas de material bélico.

Por seus serviços, a Agência cobra uma comissão de 3,8%, pagos pelo fabricantes.

Os contratos recentes mais simbólicos foram US$1,150 bilhão de Tanques Abrahams para a Arábia Saudita,  US$710 milhões em munição de artilharia para os Emirados Árabes Unidos, US$2,140 bilhão de tanques Abrahams para o Iraque US$188 milhões de helicópteros Black Hawk para a Grécia, US$ 110 milhões de helicópteros para o México, US$300 milhões em aviões para a Argentina (agosto 2016), US$140 milhões de mísseis para o Chile, duas surpreendentes vendas de grande porte para o Líbano, uma delas de aviões Super Tucano, US$462 milhões ( Junho de 2015),  26 veículos anfíbios de assalto para o Brasil, US$233 milhões ( Agosto de 2012).

A Agência é uma grande organização, tem até plano de carreira para jovens formados que queiram nela ingressar. A relação de vendas é enorme e inclui todo o espectro de armamento fabricado nos EUA.

O Brasil já foi um grande player nesse mercado, deixou de ser após a Nova República. Pode voltar a ser e deve criar sua agência nesse modelo, dentro da estrutura do Ministério da Defesa, provavelmente dentro do SEPROD (Secretaria de Produtos de Defesa), temos algumas especialidades como lança mísseis de médio alcance, carros armados sobre rodas, aviões de treinamento e patrulha (Tucanos).

Os EUA não são novatos nesse comercio. Logo após o fim da Segunda Guerra o País vendeu imensa quantidade de material bélico excedente da guerra, com o que se aparelharam forças armadas pelo mundo, incluindo 10.000 aviões de transporte C-47 que convertido para civil virou o DC-3, equipamento que fez nascer centenas de empresas aéreas pelo mundo. O Brasil comprou a preço de liquidação tanques, aviões e carros armados nessa época, que duraram muito tempo.

Também sobraram 3.000 navios cargueiros da classe Liberty, que deram início a muitas frotas, como a de Onassis.

O mercado de armas é bem complexo e envolve muito mais que comércio, há diplomacia e política no seu nível mais alto, as cifras são enormes e são importantes para as forças armadas do país do fabricante porque ajudam a diluir os custos de projeto de cada produto: quanto mais unidades se vendem ao exterior, melhor fica o preço para as forças do país do fabricante.

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

13 Comentários

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  1. Parabéns Joaquim Levy e a república de Curitiba
    Já aqui no Brasil a crise e a turma da Lava jato praticamente destruíram os projetos da Mectron na defesa nacional.
    Pra que investir na indústria nacional se podemos comprar tudo dos EUA né?

  2. Aqui, muito difícil…

    A nossa viralatice é insuperável.

    Na verdade, nem dá para dizer que temos uma elite governante.

    A nossa elite não tem qualquer problema em sermos colônia.

    Contanto que sejam os capatazes.

  3. Uma agência brasileira

    Uma agência brasileira similar à norte-americana? Nâo seria dificil. Atualmente o problema são os ocupantes ocasionais do Executivo, tem outros interesses. Apesar disso, a idéia é boa e tem que ser amadurecida.

  4. Talvez, para nós, mais

    Talvez, para nós, mais importante que uma agência como essa seria algo como a DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency), adequada à nossa realidade, que funcionasse como uma articuladora de pesquisas de ponta em áreas de interesse militar, envolvendo os centros de pesquisa das Forças Armadas, universidades e empresas privadas. Evidentemente, daí não sairiam apenas equipamentos e materiais de uso militar, mas muitas aplicações civis (recorde-se que a Internet surgiu da Arpanet idealizada pela DARPA). Claro que, como sugeriu o Paulo Neves, para isso, um pré-requisito básico é a existência de uma elite dirigente com  uma ideia de projeto nacional, e não apenas de capatazia.

    1. Concordo plenamente

      Uma espécie de DARPA faria muito bem a qualquer país, mas nos falta ambição e patriotismo para fazer qualquer coisa além de escavar a terra e derrubar as árvores.

  5. Nossa indústria tem grande porte

    Caros debatedores, 

    Um belo post, nossa indústria relacionada ao meio militar tem grande porte.

    Pode voltar a ser uma das maiores do mundo, é necessário planejamento e articulação.

    Geraria muitos empregos, renda e autonomia.

    M.

  6. DSCA

     www.dsca.mil

      Em contratos recentes ( governo Lula ) o Brasil tem abertos mais de US$ 1,5 Bilhão com a DSCA/FMS, o mais interessante deles de junho/2014 é o referente a misseis AGM-84 L Harpoon II ( 16 ativos e 4 de treinamento ), no valor de US$ 169 milhões, uma arma “declarada” NATO, ou no jargão do mercado ” lista 2 “.

       O que significam as “listas” , na 1 e subdivisões dela, são armas exclusivas para os Estados Unidos e/ou paises aliados preferenciais ( Israel, Inglaterra, Japão e Australia ), já na lista 2 constam armas que somente são liberadas para venda a paises NATO Europa, NATO – out Europa e aliados estratégicos para concepção norteamericana.

        A-29B Super Tucano :  A Embraer Defesa & Segurança se perguntada irá desmentir, mas é patente para o mercado que existe um “acordo de mercados” referentes a esta aeronave, pois as vendas DSCA/FMS realizadas para Afeganistão e LIbano, provavelmente para as Filipinas, são vendas norteamericanas ( Florida ), e se o Congresso liberar , esta parada já há algum tempo, a verba para “nações amigas” no projeto CAS ( close air support ), muitos A-29 made in USA, vão povoar os céus do mundo, assim como se a Boeing conseguir a dificil, mas não impossivel, colocação do KC-390 no portfolio DSCA, devido a quantidade de equipamentos norteamericanos nesta aeronave, e compatibilidade de “venda” com o C-17.

         Outra informação é que são varias as formas de venda, como por exemplo nossos helicopteros navais S-70B incorporados recentemente, foram pela linha financiamento Pentagono, ou seja, a venda (main contractor ) foi Sykorski, incoporados primeiramente na US Navy  e depois dos contratos assinados, enviados para incorporação a MB.

          Os varios programas DSCA/FMS, não incluem apenas a venda de armas e insumos, como tambem o treinamento e acompanhamento do ciclo de vida dos produtos, inclusive, como é comum neste mercado, até nós fazemos isto, o envio de militares experientes por certo periodo para assessorar o país receptor.

  7. Apex – ABIMDE e Libano

     Caro AA,

      No Brasil o apoio a venda destes produtos, esta vinculada a um convenio existente entre a APEX e a ABIMDE, desde 2006 e renovado em abril deste ano, outra medida importante, ainda durante a gestão de Rebelo, foi a elevação do limite de exportação de produtos de defesa nacionais, sem exigência prévia do MD/SEPROD

      Libano : Os 4 recentes contratos DSCA Libano ( os “pacotes” * A-29 e Huey , misseis Tow 2 e Hellfire 2 ), tiveram outra forma de financiamento, muito discutivel no mercado, no qual o FMS foi garantido através de fundos externos, pela Arabia Saudita.

       * “pacote ” : Em certos contratos, são varias as empresas participantes que comunicam a DSCA quais equipamentos estão sendo oferecidos, no normal todos são separados por empresa, no caso do A-29 por exemplo, são 5 ( Sierra Nevada a aeronave “crua”, Pratt & Whitney USA os motores, L3 e BAE Systems eletronicos, comunicações e parte das armas declaradas e a Terma Arlington outros equipamentos e armas ), formando o “pacote” que a DSCA irá apresentar para o Comite de Relações Exteriores e sub comite de serviços armados do US Congress para a aprovação.

            Lobby : Uma coisa que AA não disse, mas ele sabe, é que sem lobby congressual forte, tanto no comite como no sub-comite, a DSCA não aprovaria quase nada no US Congress, e as empresas sabem disto, é do jogo, sem frescura, portanto é normal, comum, que quando da formação destes comites e mesmo nas campanhas para o Congresso, as empresas de defesa financiem determinados candidatos.

  8. Vou pedir um favor

    Aproveite e mostre como se dá o comércio ilegal de armas, cujos valores e quantidade de armamentos não é pequeno ( acredito que não entram tanques, aviões ou qualquer coisa de porte). Mas vendo a quantidade de armas nas mãos de civis na Síria, eu me pergunto de onde vêm, sem contar as montados sobre Mitsubishs.

    Acredito que o filme Senhor das Armas mostrou um pouco de história que infelizmente é realidade até hoje.

    1. Limites

          É dificil quantificar ou até mesmo classificar, o que é “ilegal” neste mercado “cinza”, o SIPRI e a ONU tentam mas não falam a realidade, pois todo mundo, sabe que por trás de uma venda de armas/munições, sempre tem um governo, quer por interesse politico estratégico, ou simplesmente financeiro não declarado ( caixas 2, 3 , N……. ), e não são apenas “armas leves” que “brotam” em cenarios de conflito, ou mesmo aqui – tipo granadas de fabricação argentina, que em teoria, segundo os registros deles, tinham sido destruidas, e aparecem no Rio de Janeiro.

           Dois exemplos : Na guerra entre a Russia e a Geórgia, baterias de misseis SAM de origem ucraniana, foram “alugadas” a Geórgia, e recentemente misseis SAM “Grom” poloneses são utilizados pela Ucrania, e nos registros polacos não constam exportações legais para a Ucrania.

             Ou na Africa, região da Somália/Eritréia, milicias pró-ocidente, utilizando largamente misseis anti-tanque Milan, “teoricamente” descontinuados/desmontados de arsenais franceses.

            Os “dealers” :  Quando os próprios governos não tem operacionalmente ,um departamento para esta forma de venda ( Israel, Ucrania, Polonia, Bulgaria, Romenia, China possuem ) utilizam-se de “dealers” conhecidos, os quais conseguem os famosos  “certificados de usuario final ”  com um terceiro estado, o qual receberá os “produtos”, os manterá em seus arsenais disponiveis para verificações de entidades internacionais de controle – que só operam mediante denuncia – e depois esfriam estas armas/munições ( é facil, dão como utilizadas em treinamento, que quebraram, incendios tb. são muito utilizados ), e as repassam para quem realmente as adquiriu, o caso dos RPG – 29 iraquianos é famoso, sofreram um incendio em 2004, mas “brotaram” no Libano em 2006.

             Existem varios outros casos, poderia encher a pagina com eles, mas nunca acredite que uma arma aparece em uma região de conflito, apenas pela ação de um “traficante”, sempre existirá, ou um Estado, ou um funcionario deste Estado, no meio desta aquisição.

              E meu filho, neste ramo tem outro tipo de negócio, mais estranho, mais gelado e politicamente mais sensivel, o de adquirir armas, tipo de procedencia original russa ou americana, de arsenais defasados ou apreendidos, e negocia-las com outros paises, tipo assim : Um estado europeu compra por vias “exogenas”, misseis SA-18 de milicianos libios, e os repassa, por exemplo ao ” Exercito Livre Sirio ” ( contra Assad ), e este missil derruba uma aeronave da NATO na Siria, no dia seguinte as manchetes serão : ” Missil russo abate caça da OTAN “.

           

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