O projeto de Brasil Grande de acordo com o ministro Delfim Neto

Por Delfim Neto

Deem-me o ano, fiquem com a década

No Valor Econômico

Confesso que não posso escrever sobre a década. Estremeço ao ver uma projeção de cinco anos levada a sério. Não disfarço o tédio diante de uma de dez. Perco a paciência diante de prazos maiores. Diante da impostura da projeção; da irresponsabilidade do falso tecnicismo que pretende vender mundo arrumadinhos; da falta de pudor profissional de futurólogos que pretendem ter descoberto os segredos do desenvolvimento cuidadosamente escondidos nas entranhas da história. Recomponho­-me e me divirto quando lembro Michael Scott, o célebre futurólogo do século XII, que deixou muitas receitas de transmutação de metais menos nobres em ouro. Tendo previsto que iria morrer de uma pedrada na cabeça, Scott andou toda a vida com um capacete de metal. Um dia, dentro de uma Igreja, ao tomar a hóstia, obviamente descoberto, caiu­-lhe uma pedra no crânio, levando-­o desta para a melhor… 

“A ação do governo no campo econômico tem que ser meramente instrumental porque toda a formulação da política econômica tem que ser subordinada aos grandes objetivos políticos e informada pela filosofia do projeto Desenvolvimento-­Liberdade- Segurança. É preciso distinguir a ação direta do governo (o governo como agente econômico produtor de bens e serviços) de sua ação indireta (a formulação da política econômica) que condiciona o comportamento do setor privado. 

“No caso da ação direta do governo, nada é mais importante do que: 1º) a preparação de uma burocracia realmente eficiente, responsável e consciente de seu papel e 2º) a introdução dos métodos gerenciais modernos nas empresas governamentais, inclusive criando-­se um nível de administração técnica e financeira estável. É absolutamente imperioso modernizar a administração pública, universalizar o recrutamento, respeitar o sistema do mérito e incutir­-lhe atitudes e valores compatíveis com a sociedade que se deseja construir. Sem essa modernização, que é um requisito fundamental para realizar o desenvolvimento econômico, nunca será possível manter a continuidade dos objetivos, porque é evidente que, no nível que realmente conta (isto é, no nível das regulamentações), quem administra o país é o burocrata: é ele quem diz quem paga e quem não paga impostos; quem decide o que é similar nacional; quem determina os níveis das tarifas alfandegárias; quem determina a expansão do crédito, quem acaba impondo as prioridades, quem recebe as benesses ou as punições.

“Outro problema que parece da maior importância reside na descoberta de um mecanismo que torne permanente a administração técnica e a administração financeira das grandes empresas governamentais, desligando-­as do nível de decisão política que, por necessidade, tem que existir. A vida média das administrações das grandes empresas estatais é consideravelmente menor do que a verificada no setor privado, com prejuízos óbvios para a eficiência daquelas, que dificilmente conseguem ter a mesma administração por mais de dois ou três anos.

“No caso da ação indireta do governo, nada parece mais importante do que dizer claramente que se decidiu: 1º) realizar o desenvolvimento com a descentralização do poder econômico, o que significa que o empresário privado será chamado a cumprir as suas responsabilidades; 2º) libertá­-lo das regulamentações sibilinas, da política econômica contraditória e da prepotência do burocrata despreparado; 3º) exigir dele que se comporte como eficaz pesquisador das oportunidades de aproveitamento dos recursos disponíveis; 4º) deixar funcionar o mercado, estimulando a concorrência e criando as condições para que o sistema de preços reflita, efetivamente, a escassez relativa dos fatores de produção; 5º) dizer com firmeza que, sem prejuízo da eficácia produtiva, se deseja uma sociedade onde sejam menores as diferenças regionais e pessoais de renda, o que significa que: a) a política salarial será realizada dentro do objetivo de garantir a participação dos operários no produto, o que implica corrigir os salários reais em termos dos aumentos da produtividade da mão de obra; b) a política de transferência de renda pelo aumento do salário indireto (habitação, saúde, assistência social), prosseguirá seu curso, sem prejuízo da política anti-­inflacionária; c) a política fiscal estimulará a redistribuição de renda, sem prejuízo da formação de poupança.

“Essas são as regras do jogo. O governo deve cumpri-­las. O setor privado que represente o seu papel. Se isso acontecer, a economia crescerá até o limite físico de suas possibilidades que é o melhor que se pode conseguir. Suspeito que aquele limite é muito superior ao que os futurólogos têm ousando anunciar. A década será exatamente aquilo que formos capazes de fazer. Ela não está fecundada no ventre da história esperando ser partejada por um futurólogo qualquer. Não há leis históricas a serem descobertas porque o futuro não está contido no passado. O futuro é a liberdade criadora do homem, que há de explicitar-­se em milhares de maneiras ainda não suspeitadas. Façamos o presente e façamo-­lo bem feito, se possível”.

Há 45 anos (20/03/1970) esse programa, que estava sendo pragmaticamente executado, foi publicado no “Jornal do Brasil”. Ele ainda parece razoável.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA­USP, ex- ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-­feiras

Redação

6 Comentários

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  1. Dúvidas

    “4º) deixar funcionar o mercado, estimulando a concorrência e criando as condições para que o sistema de preços reflita, efetivamente, a escassez relativa dos fatores de produção;”

    Isso é bonitinho, mas e se ao invés de concorrência, as empreses resolverem montar um cartel e obrigarem a um aumento de seus preços?

     

    “a) a política salarial será realizada dentro do objetivo de garantir a participação dos operários no produto, o que implica corrigir os salários reais em termos dos aumentos da produtividade da mão de obra;”

    Como se avalia a produtividade de um professor? E de um deputado?

     

  2. No “papel” é tudo mais fácil…

    Não basta querer fazer, é preciso ter com quê e, na maioria das vezes, haver quem o faça.

    Já desfazer é bem menos complicado, à exceção dos “nós”.

    (O Brasil é feito por “nós”!  Lembra, Delfim?)

  3. Balanced Scorecard BRASIL

    Não se tem dúvidas de que o Delfin é um economista respeitado aqui no Brasil. Dizem que é muito inteligente e deve ser mesmo.

    Todavia, lendo o texto acima, fico me perguntando, mais uma vez,  como ele aplica sua inteligência.

    Vamnos aos detalhes:

    No primeiro parágrafo de seu texto, da forma que foi escrito, estou parcialmente de acordo. De fato, é razoável supor que profecias econômicas não colam mais. Você pode, no entanto, pegar uma ou algumas sérias históricas, criar cenários, traçar um plano estratégico e ir  administrando em busca daquele objetivo traçado.  Obviamente, adaptando o plano à medida que o tempo passa. 

    O passado já não existe mais, mas,  a tradição , está sim, continua  bombando nos dias atuais.

    No segundo parágrafo, já não estou muito de acordo assim. Não sei o que ele quis dizer com a tal de “ação meramente instrumental”.

    Especulo que seja algo em torno da doutrinação do interesse privado, cujas regras “instrumentais”  servem para o indivíduo somente como um fator a mais a ser considerado no cálculo da eficiência.  Hummmm.,. não. Não caio mais nessa.

    Papo furado. Mais ou menos: o fins justificam os meios.  Ora, se os fins justificam os meios e as regras são instrumentos para única e exclusivamente para se alcançar eficiência, então, vamos acabar com todos os países do mundo, com as diversas culturas, tradiçoes, histórias, idiomas etc  e partamos para a “eficiência”

    Claramente absurda essa tese.

     

    No terceiro parágrafo, passa a desenvolver a tese proposta no segundo( instrumentalismo eficiente) e agrega nesse “bolo” ( por sinal, nunca efetivamente repartido!) os burocrátas.

    Tudo bem, os burocrátas, os aristocrátas, em conjunto com a oligarquia, mais recentemente com os “industriais” e parte da classe média( normalmente estúpida , que inveja os ” de cima” e rechaça os “de baixo”) formam a abominável “zelite” brasileira submissa e copiadora de “ideias” alienígenas.

    É claro que pra essas “zelites” o que vale mesmo é a doutrinação instrumentalista, aqui proposta pela inteligência do Delfin.

    No terceiro parágrafo e seguintes, continua com mais do mesmo e diz: (…)o que significa que o empresário privado será chamado a cumprir as suas responsabilidades;(…)

    Ora, ora, ora, vamos combinar, caro senhor Delfin!

    Essa baboseira já não cola mais. Chamar empresário privado para cumprir suas responsabilidades aqui no Brasil é o mesmo que dizer: cumpram com a sua apropriação dos “excedentes”, pague salários de idiotas ( e digam que é falta de produtividade e de educação que cola) e continuem felizes com as remessas de lucros para o exterior, via subsidiária, via paraísos fiscais.  Quando aperta, proponham “flexibilizações” trabalhistas ( tudo em prol do aumento de emprego, é claro….zzzzz) terceirizações, quarteirizações, enesizações… 

    Portanto, é papo furado, baboseira, chamar empresário para cumprir com suas obrigações.

    Mas, não vou aqui ficar só apontando os problemas.  

    Tenho outra proposta para o projeto Brasil. Vejamos.

    Mudança da coalizão de forças. 

    Reduzir selic e sair dessa aberraçao de juros que estamos submetidos.

    Controlar o cãmbio. O câmbio serve ao Brasil e não o contrário.

    Distribuir a renda já. Chega de palhaçada. Deem o nome que quiserem, por exemplo, reforma tributária agora! já! Pra ontem!

    Regulamentação da DISPENSA ARBITRÁRIA sem justa causa já!

    Reforma SINDICAL já! 

    Fim dos “aconselhamentos de “cientistas políticos e economistas”. 

    Vamos tratar de ORÇAMENTO PÚBLICO. De forma clara. Quem paga o quê e como e por quê. 

    Explicar porque paga “serviço da dívida” com  50 ou 60% de TODA a arrecadação brasileira. Porque? Por um acaso teria começado na década de 1970, caro Senhor Delfin?

    Auditoria da dívida pública INTERNA e externa! JÁ.

    Auditoria das RESERVAS já! Porque receber quase nada de juros nas RESERVAS e pagar SELIC? Porque? Explique, caro senhor Delfin!

    Reforma AGRÁRIA JÁ. Ou vamos ficar com algumas famílias, salvo engano, 15 OU 20 MIL FAMÍLIAS, com 80 ou 90% de todo o TERRITÓRIO NACIONAL?

    Tenho mais propostas. Mas paro por aqui.

    Todavia, o plano esta aberto para sugestões. Deem sugestões!

    O que você acha que é preciso fazer nesse PROJETO BRASIL?

    Saudações 

     

     

     

     

     

  4. Já estamos na metade desta década…

    ..que me parece irremediavelmente perdida…

    Ou alguém ainda acredita na lobotomia esperançosa (o Nassif parece, desacreditou) nesta gestão?

    A próxima gestão só terá 2 anos ainda nesta década….

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