A inflexão de Ciro Gomes à direita e a questão cubana, por Roberto Bitencourt da Silva

As aludidas aspirações de Ciro, razoavelmente evidenciadas em seu livro publicado no ano passado, “Projeto Nacional: o dever da esperança”, não são metas comungadas pelas classes dominantes domésticas e estrangeiras. Muito longe disso.

Foto: Agência Brasil

A inflexão de Ciro Gomes à direita e a questão cubana

por Roberto Bitencourt da Silva

Ciro Gomes (PDT) é um líder político dotado de virtudes inquestionáveis: estudioso, erudito, corajoso, sem comprometimento, explícito ao menos, com bandos oligárquicos e setores econômicos poderosos. Há anos o pedetista tem contribuído bastante para o debate público.

Mas, tenho dúvida sobre o êxito da tática político-eleitoral adotada nos últimos tempos, de aceno à construção de uma pretensa terceira via, visando a eleição presidencial de 2022. Uma 3ª via supostamente alternativa e intermediária entre Lula e Bolsonaro.

Ciro não me parece uma liderança que as direitas e as classes dominantes depositem qualquer confiança. Ele teria que rebaixar muito o tão apregoado Projeto Nacional de Desenvolvimento. E nada ganha junto às esquerdas e aos eleitores potencialmente progressistas.

Nunca o considerei um trabalhista, um nacionalista, nada disso. O seu terreno propositivo, a agenda político-econômica que Ciro compartilha é, em boa medida, o antigo desenvolvimentismo de matiz cepalino, ou seja, basicamente defende uma reforma tributária progressiva, em articulação com uma perspectiva de crescimento econômico que confere um papel indutor ao Estado, almejando estimular a geração de empregos e a acumulação capitalista do chamado setor produtivo. Assim, é importante observar que a figura arquetípica do nosso passado nacional a qual melhor Ciro tende a se encaixar é a de Juscelino Kubitscheck. Trata-se de um fosso oceânico em relação a um ícone do trabalhismo, Leonel Brizola.

As aludidas aspirações de Ciro, razoavelmente evidenciadas em seu livro publicado no ano passado, “Projeto Nacional: o dever da esperança”, não são metas comungadas pelas classes dominantes domésticas e estrangeiras. Muito longe disso. A prioridade concedida ao rentismo e ao setor primário-exportador é o que orienta o condomínio do poder.

Dito isso, as recentes críticas que Ciro Gomes fez à experiência lulopetista da política externa representam um visível tributo às classes dominantes e às direitas. Precisamente o que de mais ousado e criativo os anos de governos Lula e Dilma (PT) tiveram foi a orientação das relações exteriores. Motivo, aliás, para o exercício de uma reflexão crítica da parte de todos aqueles que se preocupam com os rumos do Brasil, mas uma reflexão forçosamente inspiradora e atenta ao futuro.

Ademais, o que o pedetista falou poucos dias atrás a respeito de Cuba expressou uma débil cantilena liberal, ainda que tenha tecido críticas ao ingerencismo e ao bloqueio econômico criminoso imposto pelos EUA sobre a bela ilha caribenha.

Ciro demonstrou ser adepto de uma concepção política que restringe a noção de democracia ao modelo do regime político estadunidense, às formalidades representativas da democracia liberal. Em geral, uma democracia para a comunidade de negócios chamar de sua.

Cumpre observar que mesmo um teórico respeitado nas hostes liberais, refiro-me ao cientista político italiano Norberto Bobbio, cansou de destacar que a democracia possui dimensões diferentes, nem sempre complementares.

Esquematicamente, de um lado, temos a dimensão substantiva, abrangendo direitos coletivos, sociais e econômicos voltados ao atendimento das aspirações humanas por bem-estar.

De outro, destaque-se a dimensão formal da democracia, enredada pela prevalência das normas jurídicas que regulam os atos dos representantes políticos e de demais autoridades, que estabelecem os parâmetros da ocupação e do exercício dos cargos eletivos e representativos, assegurando direitos civis e políticos à população, restringindo ou ampliando a sua capacidade participativa nos processos decisórios que afetam a sociedade.

Nesse sentido, a democracia envolve uma multiplicidade de garantias, experiências e direitos, que historicamente têm sido difíceis ver associados e praticados em um mesmo país. Isso por diversas razões que ultrapassam, e muito, os limites desse texto.

Ao fim e ao cabo, não há um modelo universal, como os EUA e os seus sócios subalternos europeus e japoneses pretendem fazer crer, modelo supostamente válido para todas as nações. Esse referido bloco hegemônico na cena internacional cria as condições para inviabilizar a estabilidade e a prática até mesmo das modestas regras e instituições da democracia liberal e representativa nos países da periferia capitalista.

Isso posto, de modo latente, Ciro fez observações que violam o princípio da autodeterminação dos povos, fazendo colocações totalmente inoportunas e desrespeitosas sobre Cuba, arrogando-se a posição de juiz sobre o sistema político cubano, ventilando a ideia de que a população do país deveria adotar uma mudança de regime, classificado como “ditatorial”. O desenvolvimentismo de Ciro, que se pretende travestido de trabalhismo, no caso em questão, guarda nenhuma relação com a anti-imperialista e nacionalista tradição do trabalhismo de Leonel Brizola, San Tiago Dantas, Sergio Magalhães e João Goulart. 

Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

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