A política perdeu o censo, por João Meyer

Não precisamos mais do IBGE e das universidades. Agora temos o “ministério da verdade” no gabinete do ódio para disseminar pelas redes sociais a verdade que nos libertará

A política perdeu o censo

por João Meyer

O corte do Censo no orçamento é um desperdício de recursos.

Não é possível saber quais os problemas, suas causas, extensão, intensidade, risco e localização. Perde-se a capacidade de planejamento e gestão. Os poucos recursos vão ser dispersados em ações inócuas.

Mas isto é ciência. Não importa. Muito menos planejamento, que só atrapalha a governabilidade.

Ao invés, ganha-se a liberdade de decidir as alocações em negociações diretas com deputados e prefeitos sem necessidade de cuidados técnicos. Agora ganhou-se muito mais liberdade para as emendas orçamentárias. Cumpre-se a promessa de acabar com a velha política. Atingimos um patamar criativo inédito. Pode-se anistiar as dívidas de igrejas e compensar com o aumento de imposto sobre livros. Não precisa de pesquisa para saber que só rico lê no Brasil, ou que as mortes violentas são causadas por falta de armas, que cloroquina foi eficaz e as vacinas não funcionam.

Não precisamos mais do IBGE e das universidades. Agora temos o “ministério da verdade” no gabinete do ódio para disseminar pelas redes sociais a verdade que nos libertará, revelada por bispos e astrólogos terraplanistas e negacionistas que estão constantemente reescrevendo a história através da novilingua.

E quem não concordar terá o CPF cancelado.

Nota: ministério da verdade, novilingua, duplipensar, crime de pensamento, tv que vigia em tempo real, e o líder mítico “big brother”, são elementos da trama do livro “1984” de George Orwell.

João Meyer é arquiteto urbanista, pesquisador da FAU USP.

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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