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A previsibilidade da chacina no Jacarezinho, por Saulo Barbosa Santiago dos Santos

A previsibilidade da chacina no Jacarezinho: características do bolsonarismo de um crime anunciado

por Saulo Barbosa Santiago dos Santos

O que ocorreu em Jacarezinho não foi algo por acaso, comandantes e policiais não acordaram com o pé esquerdo e do nada resolveram subir, foi planejado há meses, as motivações legais foram claras: 1 – Impedir que crianças entrassem para o tráfico e 2 – busca de armas pesadas. Destrincharei, basicamente, as duas argumentações.

Sim, pôr crianças no tráfico além de crime é um completo absurdo e são feitas diversas estratégias para levá-las a isto, ora, o traficante aliciador lhe tratará bem, dará comida, dinheiro, respeito e condições para sua família. E o Estado? Manda a polícia para tratá-las como “vagabundas”. O ódio à polícia e a simpatia aos criminosos não é por acaso, mas sim consequência.

O ex-governador Leonel Brizola, décadas antes, buscou a solução para este celeuma, isto é, tirar as crianças da criminalidade e, por consequência, diminuir a criminalidade. Enviar policias para meter o tiro? Não, buscou a educação. Ele criou os Centros Integrados de Educação Pública (CIEP). E o que era isso? Simplesmente eram escolas onde os alunos passavam o dia inteiro estudando e se desenvolvendo. Deu certo? Deu. E diversas delas foram construídas em vários pontos do Estado do Rio de Janeiro. Pois é, preto, pobre e favelado passando o dia inteiro em boas escolas, longe do crime e aptas para um futuro promissor.

Parece um sonho realizado, porém, como já dizia o sociólogo Darcy Ribeiro, “a crise na educação não é uma crise, mas sim um projeto”. Os governos posteriores a Brizola não tardaram a acabar com os CIEP’S e logo sepultaram antes que a juventude da década de 90 crescessem mais críticas do que já é. Voltaram ao famigerado ensino tradicional, as crianças, agora, dividiam seus turnos entre traficantes e o ensino. Não deu outra, elas cresceram entre armas e livros, daí pergunta-se: Como levar ensino de qualidade com professores, apesar de extremamente capacitados, pouco valorizados e uma escola com péssimas estruturas? Impossível, entrar no crime é quase certo.

A direita conservadora, como sempre, criou o problema, bastava desenvolvê-la melhor para mantê-la, a solução dada foi militarizar escolas. Para isso, gastarão 4 vezes mais, ensinarão ordem unida, silêncio, continência, obediência, hierarquia, cantar hino e pronto. E as crianças de escolas particulares? Aprenderão métodos dinâmicos e inovadores, como Montessori, Piaget, Paulo Freire, Waldorf… Garantirão que o preto, pobre e favelado esteja quilômetros atrás das crias da burguesia, quanto mais atrasadas, melhor.

Vamos à segunda questão: E as armas pesadas? Grande questão que levarei uma dúvida na mesma proporção, mas primeiro, vamos à matemática para entendermos que o acontecido foi uma chacina. Quantas pessoas morreram? Serei realista e levarei em conta os dados oficiais, 29 até o momento que este texto está sendo escrito, no entanto, sabemos que foi muito mais do que isso. Para facilitar os cálculos, arredondarei para 30 mortes. Quantos fuzis apreendidos? 6, logo, não é difícil entender que um fuzil valeu por 5 vidas. Dos 30, quantos eram suspeitos investigados? Menos de um terço, portanto, o restante, na forma legal, são inocentes até que se prove o contrário. Mas eles morreram em troca de tiros? Alguns, porque outros até facada levaram. Difícil imaginar um policial numa troca de tiros avançar até o suspeito e matá-lo à facada, ao não ser que estejamos no jogo Resident Evil 4, mas aí é outra história.

Não é difícil de pensar que há dois pesos e duas medidas nisso. Em 2019 houve uma ação da polícia que conseguiu apreender quase 20 vezes mais fuzis do que os apreendidos no Jacarezinho e, pasmem, sem um tiro sequer, e mais, nenhum morto ou ferido, nada. Foi num morro? Não. Foi num condomínio de luxo onde o presidente não só tem casa como também morou anos antes, isso mesmo, o Vivendas da Barra. Houve prisão? Sim, dos envolvidos na morte da vereadora Marielle Franco e seu motorista. O mais estranho nisso é que uma dia antes da ação o governador recebeu o presidente da República, mas isso deve ter sido uma mera coincidência. Dias após ao ocorrido no morro, Bolsonaro deixou claro que ficou satisfeito com a ação e que a polícia só tinha matado vagabundo e, para comemorar, fez um churrasco movido à picanha de R$ 1800. Tudo bem, a felicidade para Bolsonaro não é barata, bastamos lembrar que 15 dias de férias dele custou, este ano, R$ 2,4 milhões para os cofres públicos.

Para ambas ações, a conta não bate, enquanto de um lado morrem quase 30 pessoas, incluindo um bravo guerreiro da polícia civil, para pegar 6 fuzis, de outro pegam 117 fuzis sem um disparo, no mínimo, é de se desconfiar e de se envergonhar.

De qualquer forma, nunca foi novidade o aliciamento de menores no tráfico carioca, ainda assim, seria um motivo plausível o combate, não é qualquer um que haje para ajudar crianças inocentes das mãos de monstros, só que há um detalhe, nos próprios relatórios da polícia civil não há qualquer menção que os objetivos era combate ao aliciamento e apreensão de armas, mas só e somente só, cumprimento de 21 mandatos de prisão

Por enquanto os olhares à CPI, que por ventura está desmascarando o presidente, e a denúncia da estranha verba oculta e superfaturada onde foi gasto R$ 3 bilhões com tratores ficou em segundo plano, a corrupção só é ruim quando é conveniente, afinal, desde quando é crime cometer crime? Fora isso, a boiada bolsanarista surfa orgulhosamente na onda das mortes pensando que o tráfico e aliciamento a menores acabou, como se eles se preocupassem com crianças vulneráveis e drogas. É fácil pensar assim, talvez até eles acreditem nisso, mas se olharmos a história da guerra contra as drogas, até agora, as drogas ganharam e nem os Estados Unidos, com seus U$ 1 trilhão de dólares gastos, conseguiu vitória. Mas para o bolsonarismo, subir morro e matar pessoas é vencer. Foi previsível estas mortes no morro, foi tudo um projeto bem articulado, 1964 ainda não acabou e a democracia está por um fio.

Saulo Barbosa Santiago dos Santos – Guarda Civil, Professor de filosofia e Autista

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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