Alba, novo partido reacende a chama pela independência da Escócia, por Ruben Rosenthal

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

Com a independência da Escócia, o papel da Grã-Bretanha no Ocidente ficaria prejudicado, alterando a balança global de poder.

Disputa eleitoral na Escócia: Alex Salmond, pelo partido Alba e Nicola Sturgeon, pelo SNP
Sturgeon e Salmond: de aliados a rivais \ Foto: domínio público

do blogue Chacoalhando

Alba, novo partido reacende a chama pela independência da Escócia

por Ruben Rosenthal

Com a independência da Escócia, o papel da Grã-Bretanha no Ocidente ficaria prejudicado, alterando a balança global de poder.

O ex-primeiro ministro escocês Alex Salmond anunciou na sexta-feira, 26 de março, a criação do partido Alba (Escócia, em gaélico). Com o novo partido, ele espera alcançar “uma supermaioria” a favor da independência do país nas eleições de 6 de maio para o Parlamento escocês, somados os assentos do Alba e do SNP, o Partido Nacional Escocês.

Salmond liderou o SNP de 2004 a 2014, e exercia o cargo de primeiro-ministro quando a proposta de independência foi rejeitada no referendo de 2014, por 55 a 45%. Na ocasião, os partidários do voto SIM, pela independência, criticaram a interferência da mídia britânica, principalmente devido às reportagens tendenciosas da BBC. O documentário London Calling (Londres Chamando) mostra muito bem como foi a atuação tendenciosa da emissora estatal a favor da permanência da Escócia no Reino Unido.

Salmond recebeu críticas de estar causando uma divisão do movimento pró-independência ao fundar o Alba. Entretanto, muitos ativistas históricos do SNP colocam em dúvida o compromisso da atual líder do partido, a primeira-ministra Nicola Sturgeon, com a autodeterminação do povo escocês. Ela é inclusive suspeita de estar por trás das acusações de agressão sexual que recaíram sobre Salmond, e que o forçaram a se afastar do partido em 2018. Ele foi levado a julgamento, que se estendeu de 9 a 20 de março de 2020.

A conspiração contra Salmond

Conforme relato anterior no Chacoalhando, a armação contra Salmond foi exposta em grande parte devido a uma série de artigos do ex-embaixador Craig Murray, ativista de direitos humanos e pela independência da Escócia. Murray foi indiciado por exercer a liberdade de imprensa para denunciar a trama. 

Segundo Murray escreveu em seu blog, tratou-se de um caso em que testemunhas de acusação não estavam presentes nos locais onde teriam ocorrido os abusos sexuais. Além disso, foram excluídas das audiências as evidências de que haveria uma conspiração contra Salmond.

Em seus artigos, fazendo uso de um humor sarcástico, Craig Murray deu algumas pistas de quem seriam as mulheres que alegavam ter sofrido agressão por parte de Salmond. Ele levantou suspeitas de que tudo não passara de uma armação de setores bem próximos à primeira-ministra, como forma de afastar da cena política o ex-aliado e atual rival.

Em face deste e de outros artigos que publicou, Murray foi acusado e considerado culpado de desacato à Corte (contempt of Court), e está sujeito ao encarceramento e à uma multa elevada, em parecer que será proferido em audiência em 7 de maio1 . Murray já anunciou que irá recorrer à Suprema Corte do Reino Unido, em Londres.

Alex Salmond arrest - friends and enemies at Holyrood are stunned ...
Alex Salmond,  após depoimento na  Corte do Xerife de Edimburgo, jan. 2019 \ Foto: Russell Cheyne/Reuters

Quanto a Salmond, ele foi inocentado das acusações de assédio sexual, recebendo 500 mil libras esterlinas de indenização. Sturgeon foi alvo de duas investigações para determinar se ela esteve envolvida nas irregularidades constatadas no caso. Enquanto um inquérito “independente” (aspas deste autor) encaminhou por isentá-la de responsabilidade, uma comissão parlamentar concluiu que Sturgeon enganou o Parlamento em seu depoimento, conforme relatado no jornal Público, de Portugal

Sturgeon muda o rumo do SNP e das políticas de governo

Para Craig Murray, Sturgeon nunca teve a intenção de alcançar a independência da Escócia.  Nas conferências do SNP, a palavra “independência” sequer aparecia na agenda. Na eleição de 2016 para Holyrood, o Parlamento escocês, Sturgeon declarou que queria que os adeptos da união com o Reino Unido se sentissem seguros em votar pelo SNP.

No entanto, o governo havia prometido em manifesto de 2016, que faria um novo referendo caso ocorresse “uma mudança substantiva nas circunstâncias”. Em 2018, com o voto dos escoceses por larga maioria a favor da permanência na União Européia, contrariamente à opção majoritária no Reino Unido pelo Brexit, estava colocada a circunstância ideal para justificar a convocação de um novo referendo, o Indyref2. O SNP havia declarado diversas vezes que a Escócia não seria tirada na União Européia contra a sua vontade. Chegara a hora da ação ou melhor, a hora da verdade

Em 31 de janeiro de 2020, no mesmo dia em que terminou o período de transição do Brexit, Sturgeon fez um discurso  em que anunciou que acatava a decisão de Boris Johnson, que negara a realização do referendo. Johnson fizera uso da Seção 302 da legislação da Devolução (Scottish Devolution), em que estão estabelecidas as limitações dos poderes do Parlamento escocês.

Para Craig Murray, o governo conservador (de Boris Johnson) não irá nunca conceder a autorização para um referendo que ele sabe que irá perder. Aceitar que o Parlamento de Westminster tenha o poder de veto é totalmente incompatível com o direito à autodeterminação, garantido pela carta da ONU, complementou. 

Murray lembra ainda que a Corte Internacional de Justiça estipulou que o fator principal que determina se um Estado pode ou não se tornar independente não é a legislação do país que poderá sofrer o desmembramento. Se assim fosse, a Estônia não teria se separado da antiga União Soviética, e a Slovênia, da antiga Iugoslávia.

Para consumo interno e aplacar o descontentamento no SNP, Sturgeon se apropriou de uma sugestão que Craig Murray apresentara quatro anos antes, em 2016. Ela convidaria os representantes eleitos na Escócia em todos os níveis – Parlamento local, Westminster, Parlamento Europeu, e líderes dos Conselhos locais – a se reunirem e endossar uma moderna Proclamação de Direitos, através de uma Convenção ConstitucionalNo entanto, a proposta de convocar uma Convenção Nacional logo foi deixada de lado, evidenciando que Sturgeon nunca pretendeu efetivar a medida, avalia Murray.

O ex-embaixador do Reino Unido critica ainda a mudança na política externa promovida no governo Sturgeon. Foi rompido o enfoque tradicional do SNP de apoio à causa palestina. Passou a haver um alinhamento com a política neo-imperialista de Boris Johnson, como no apoio à narrativa contra a Rússia no caso da Ucrânia, e do uso do agente neurológico Novichok3 (ver no Chacoalhando).

O mesmo ocorreu em relação à Síria, no caso falacioso de uso de armas químicas em Douma (ver no Chacolhando). O líder do SNP no Parlamento de Westminster, Ian Blackford, chegou a pedir para o Reino Unido promover a mudança de regime na Síria.

Murray relata ainda em seu artigo que em 24 de março, dois parlamentares escoceses em Westminster alinhados com Sturgeon, solicitaram uma reunião  com o MI5, o serviço de segurança interna britânico. O objetivo seria discutir a cooperação contra a Rússia. Entretanto, a agência é também encarregada de lidar com situações vistas como ameaça ao Estado, como o nacionalismo escocês e os movimentos ambientalista e antinuclear.

Como Alex Salmond tem um programa na RT, canal russo de notícias em inglês, é possível que o MI5 tente criar uma narrativa de que Salmond esteja atuando em benefício dos interesses russos, em oposição aos do Reino Unido.

Após 14 anos no poder, o SNP deixou de ser um partido com cunho radical, conforme passou a receber os carreiristas que antes estavam vinculados ao Partido Trabalhista. Para estes, não vale a pena apoiar a independência do país e se arriscar a perder as mordomias do poder, avalia Murray. O novo SNP passou a priorizar a política de gênero, se afastando das causas tradicionais. O começo de novos caminhos alternativos pode estar na eleição de 6 de maio, com o voto no Partido Alba.

Alba e a volta de Salmond à cena política

Com a formação do Partido Alba, Salmond fez um retorno retumbante ao  cenário político. No lançamento do partido em 26 de março ele declarou, conforme relatado pelo jornal Público: “Os objetivos estratégicos do partido são claros e inequívocos: conseguir um país independente, bem-sucedido, socialmente justo e ecologicamente responsável. Queremos contribuir para políticas que ajudem na recuperação econômica da Escócia e que construam uma plataforma independentista, para encarar as novas realidades políticas”.

Declaração para a Escócia, 6 de abril de 2021

Segue trecho do discurso de Alex Salmond (assista ao vídeo) no aniversário de 701 anos da Declaração de Arbroath, a Declaração de Independência da Escócia.

“Proclamamos aqui o direito soberano do povo escocês de determinar a forma de governo mais adequada às suas necessidades, e declaramos e nos comprometemos que, em todas as nossas ações, os interesses (do povo) serão primordiais. ”Declaramos e nos comprometemos ainda que nossas deliberações serão direcionadas para os fins seguintes:

– Assegurar o direito soberano do povo escocês em agir através de seu Parlamento para assegurar a independência.

– Mobilizar a opinião escocesa e internacional para assegurar que este direito seja respeitado e cumprido.

Salmond apresentou rotas alternativas que poderão ser utilizadas para se alcançar a independência, a partir do estabelecimento de uma Convenção para Independência, composta dos representantes eleitos em todos os níveis.

Segundo ele, as cartas nas negociações com o governo do Reino Unido poderão incluir o referendo, em concordância com o que é estipulado pela Seção 30, mas também um plebiscito ou outro procedimento democrático, assim como uma ação judicial interna ou internacional, iniciativas diplomáticas, além de manifestações populares pacíficas.

Escócia: Declaração de Arbroath, com os selos de autentificação
Detalhe da Declaração de Arbroath, com os selos de autenticação, 6 de abril de 1320 \ Arquivo Nacional da Escócia

A independência da Escócia e a geopolítica internacional

Quando do referendo de 2014, o britânico George Robertson – ex-secretário geral da OTAN disse que a fragmentação da Grã-Bretanha corresponderia a um cataclismo. Em sua avaliação, como o Reino Unido é o principal aliado de Washington no cenário global, o Ocidente ficaria desfalcado de um sério parceiro, no momento em que a intimidação territorial continuada requer “solidez e sangue frio”.

Robertson alertou que com a independência da Escócia, o papel da Grã-Bretanha no Ocidente ficaria prejudicado, alterando a balança global de poder. Ele lembrou ainda que, quando da campanha para o referendo, o SNP prometera remover do oeste da Escócia a frota de submarinos Trident, da Grã-Bretanha. Com certeza este é um compromisso que o Partido Alba irá encampar. 

Notas do autor:

  1. Mensagens de repúdio ao processo político movido contra Craig Murray podem ser enviadas ao procurador geral do escritório da Coroa: The Right Honourable James Wolffe, Her Majesty’s advocate, pelo e.mail: [email protected]
  2. Legislação de 1998 do Reino Unido referente ao Estatuto da Devolução estabelece, na Seção 30, que qualquer iniciativa de ampliação dos poderes do Parlamento da Escócia precisa passar pelo crivo de Westminster. Em março de 2017, o governo escocês solicitou a realização de um segundo referendo de independência, que foi recusado. Em 2019, Nicola Sturgeon renovou o pedido, também sem sucesso.
  3. A Rússia foi acusada de usar o agente neurológico Novichok contra o ex-espião Sergei Skripal e o opositor Alexei Navalny.

Ruben Rosenthal é professor aposentado da UENF, e responsável pelo blogue Chacoalhando.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador