Bolsonaro não terá sucesso caso tente sabotar as eleições de 2022, avalia cientista político

Diante do retumbante fracasso do governo, os militares não terão outra alternativa senão voltar às casernas, opina José Luis Fiori

na CartaCapital

Bolsonaro não terá sucesso caso tente sabotar as eleições de 2022, avalia cientista político

por Rodrigo Martins

Ao espernear contra a CPI da Covid, que expôs a sujeira dos militares nas negociações de vacinas, a ­cúpula das Forças Armadas busca repetir a façanha do general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, que conseguiu amedrontar o STF e abrir as portas para a ascensão de Bolsonaro, mas o cenário agora é diferente. O gigantesco fracasso do governo, com o qual os fardados se comprometeram visceralmente, afasta a possibilidade de angariar o apoio de setores estratégicos, avalia José Luís Fiori, professor do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional da UFRJ e autor de Sobre a Guerra (2018) e A Síndrome de Babel e a Disputa do Poder Global (2020), entre outras obras. “A elite econômica e política conservadora, e mesmo a direita mais tradicional, já desembarcou ou está desembarcando dessa canoa furada”, afirma o cientista político, com pós-doutorado pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra.

“A experiência lamentável de nossos militares pode ter uma consequência positiva, a de devolvê-los às suas funções de estado, longe do governo”

  1. Além da nota intimidatória contra o presidente da CPI da Covid, em reação às revelações sobre militares envolvidos no esquema de corrupção das vacinas, o comandante da Aeronáutica, o brigadeiro Carlos Almeida Baptista Junior, afirmou ao jornal O Globo que o texto era apenas um “alerta” e que as Forças Armadas não irão enviar “50 notas para ele (Omar Aziz). Apenas esta”. O senhor acredita que as Forças Armadas estão realmente dispostas a promover uma ruptura institucional no País, mesmo sem o apoio da mídia e dos empresários? 

Não conheço o brigadeiro Carlos Almeida Batista Junior, nem jamais havia ouvido falar deste senhor, até o momento da sua entrevista para o Globo, e por isto seria difícil para mim interpretar seu pensamento.  Mas presumo que ele não esteja blefando nem fazendo bravata, e que acredite no seu dever e no seu poder de chantagear a CPI do Senado que está investigando a responsabilidade do governo  pela catástrofe brasileira do coronavírus. Tentando repetir o blefe do Gal Villas Boas que conseguiu acovardar o STF, e abrir as  portas para a pantomima eleitoral do senhor Bolsonaro. Só que agora, no caso do brigadeiro, propondo-se esconder ou engavetar a  participação de militares no esquema de corrupção do Ministério da Saúde, que vem sendo revelado pela CPI e pela pesquisa da própria imprensa, apesar de que hoje 70% da população brasileira já tem pleno conhecimento do que passou  e está convencida ( segundo a última pesquisa do Datafolha) de que existe  corrupção neste governo de militares.

De qualquer maneira, para analisar  e prever  o comportamento destes senhores, hoje e no futuro, talvez seja melhor esquece-los individualmente, e entende-los como partes ativas de um modelo, padrão ou arquétipo da forma de pensar dos militares que na sua grande maioria possuem cabeças binárias, hierárquicas, repetitivas e arrogantes, mesmo quando profundamente incultas. Por profissão, na sua vida de quartel, só existe branco e preto, bons e maus, amigos e inimigos,; e todo militar acredita que tem um saber moral superior aos demais, e que sua missão na terra é  impor sua vontade aos seus inferiores, de forma hierárquica, autoritária, e repetitiva. Um mando e o outro obedece, para aumentar a eficiência funcional dos seus quarteis e dos seus exercícios de guerra. Um manda e o outro obedece, em “ordem unida”, independente do que seja e de quem seja, e  não existe nenhuma possibilidade de negociação ou de meio-termo, para poder aumentar a eficiência funcional dos quarteis e dos seus exercícios de guerra. O problema aparece exatamente quando este “tipo de cabeça” sai do seu habitat natural, entre tanques, cavalos, e aviões,  e resolve transformar o mundo num imenso quartel. 

  • O senhor acredita que as Forças Armadas tiveram papel decisivo para a ascensão de Bolsonaro ao poder?

Não tenho a menor dúvida que as FFAA  tiveram um papel decisivo na ascensão de Bolsonaro, mais do que isto, tiveram também um papel decisivo também no golpe de estado com fachada parlamentar, de 2016, e na sustentação do governo de Michel Temer que iniciou este acelerado processo de destruição econômica moral da sociedade brasileira que culminou com a desastre da pandemia do coronavírus.

Acho que tudo isto ficou definitivamente esclarecido com a publicação do livro/depoimento do Gal, Eduardo Villas Boas, que foi sem dúvida  o principal articulador militar da derrubada da presidenta Dilma e de tudo o que se desenvolveu a partir daí. Mas acho que este é um assunto que já faz parte da História, e que hoje o verdadeiro problema militar é outro, e tem a ver com o fracasso dos militares  na condução do governo Bolsonaro para o qual forneceram mais de 6 mil quadros e do qual seguem sendo os seus  principais avalistas. E, como consequência, a cada dia que passa, aumenta ainda mais a distância entre as expectativas depositadas pelos setores da sociedade brasileira que acreditavam no mito da superioridade técnica e moral das FFAA,  e o desempenho concreto e frustrante destes milhares de oficiais da ativa e da reserva que tomaram conta da maioria dos postos estratégicos deste governo. Donde vai ficando cada vez mais claro para a população brasileira que estes senhores de farda e de pijama não foram preparadas nem estão capacitados para administrar políticas públicas, e muito menos ainda para fazer política partidária ou parlamentar. A sua própria formação hierárquica e autoritária – como já vimos – os impede de se desempenharem com proficiência nestas funções,  fora dos seus quartéis. A começar pelo caso patético do próprio presidente, que é capitão da reserva, e que fez sua formação intelectual na escola militar, e que até hoje  não consegue formular uma ideia que tenha início, meio e fim, para não relembrar o seu ex-ministro da Saúde que não sabia nem mesmo onde ficava o Hemisfério Norte, não conhecia o SUS e nunca conseguiu entender o que fosse uma pandemia, ou planejar uma campanha nacional de vacinação adequada. E o que dizer de um Gabinete de Segurança Institucional que não conseguiu identificar um pacote de 39 quilos de cocaína dentro do avião do presidente da República, que se tivesse sido uma bomba já poderia ter levado a vida do próprio presidente; ou do hilário “ministro astronauta”, da Ciência e Tecnologia, que está assistindo a liquidação da pesquisa científica no Brasil como se estivesse dando um passeio de satélite;; ou ainda, do ministro de Minas e Energia, que não conseguiu prever nem sanar o problema do apagão energético em Amapá e Roraima, nem tampouco impedir o aumento do preço da energia, que vai onerar pesadamente o orçamento doméstico dos brasileiro, nesta segunda metade do ano de 2021.. E assim por diante, numa lista interminável de militares da ativa e da reserva que foram alçados a suas posições governamentais graças – em última instância – à ingenuidade do homem comum desesperado e desamparado depois do fracasso do governo de Michel Temer, e que acabou depositando suas esperanças na intervenção explícita desses senhores de uniforme ou de pijama.

  • Hoje, mais de 6 mil militares ocupam cargos civis no governo federal. Na reforma da Previdência, eles conseguiram preservar privilégios e ainda ganharam um plano de cargos e carreiras que aumentou em até 43% o salário dos militares da ativa, sem mencionar outros benefícios obtidos desde que Bolsonaro chegou ao poder. Com uma troca de governo em 2022, eles aceitariam voltar para as casernas sem reação?

A despeito de todas as suas vantagens corporativas e salariais adquiridas neste período recente, creio que não se colocará para os militares a possibilidade de aceitarem ou não aceitarem sua volta aos quartéis, no caso de uma troca de governo em 2022. Creio que eles simplesmente voltarão para casa tangidos por um mínimo sentido de sobrevivência, depois do gigantesco fracasso deste governo com o qual estiveram  comprometidos visceralmente. Para dimensionar o tamanho do tombo, basta olhar para a estagnação da economia, e sobretudo para sua perspectiva futura antecipada pela sua taxa de investimento que havia sido de 20,9%, em 2013 e que caiu paraa 15,4% em 2019; e pela fuga de capitais do país, que havia sido de R$ 44,9 bilhões em 2019, e passou para R$ 87,5 bilhões, para 2020, sinalizando uma desconfiança e aversão crescente dos investidores internacionais com relação ao governo do Sr. Bolsonaro, apesar das suas reformas trabalhista e previdenciária, e dos anúncios crônicos do senhor Guedes de novas privatizações.

Por isso, aliás, em 2019 o Brasil já havia sido excluído do Índice Global de Confiança para Investimento Estrangeiro publicado pela A. T. Kearney, consultoria norte-americana que traz o nome dos 25 países mais atraentes do mundo para os investidores estrangeiros, sendo que o Brasil ocupara a 3ª posição neste mesmo “índice de atratividade” nos anos 2012/2013. As consequências sociais dessa destruição econômica eram perfeitamente previsíveis: mesmo antes da pandemia, em 2019, 170 mil brasileiros voltaram para o estado de pobreza extrema, onde já viviam aproximadamente 13,8 milhões, e o IDH brasileiro caiu cinco posições no ranking mundial das Nações Unidas, que mede a “qualidade de vida” das populações, passando de 79º para 84º lugar entre 2018 e 2020. No mesmo período, o Brasil passou a ser o país com a segunda maior concentração de renda do mundo, atrás apenas do Qatar, e o oitavo mais desigual do mundo, atrás apenas de sete países africanos.Por fim, é impossível deixar de incluir neste balanço deste governo de militares, a destruição da imagem internacional do Brasil, levada a cabo pela figura delirante do chanceler que ocupou o MRE durante os dois primeiros anos de governo.

Assim mesmo, creio com otimismo que esta  experiência lamentável dos nossos militares terá uma consequência final positiva, qual seja devolvê-los às suas funções de Estado, afastando-os definitivamente, e para sempre de sua crença e tentação de querer governar um pais do tamanho e da complexidade brasileira, aos gritos e na base da “ordem unida”, como se tratasse de um batalhão de cabos e sargentos. E tenho a firme convicção de que nossos militares compreenderão que chegou finalmente a hora de voltarem para o seu habitat natural, o quartel.

4)        Até agora, amplos setores da mídia tratavam as ameaças golpistas de Bolsonaro como simples bravatas. Com a recente manifestação dos comandantes das três Forças, há motivos para nos preocuparmos? A ameaça de um golpe com a participação de militares é real?

Do meu ponto de vista, não haverá golpe nem os militares participarão de qualquer tentativa desta natureza por parte do senhor Bolsonaro e seus apoiadores mais fanáticos. Mas reconheço que existem sólidos motivos históricos para a existência desta preocupação. Basta lembrar a longa série de intervenções e golpes de estado que tiveram participação direta ou indireta dos militares, durante todo o século XX, em 24 de outubro 1930; em 10 de novembro de 1937; em 29 de outubro de 1945; em 24 de agosto 1954; em 31 março de 1964; e agora mais recentemente, no golpe que começou em 2015 e culminou no dia 31 de agosto de 2016. Ou seja, seis golpes de estado, o suficiente para que qualquer cidadão com boa memória se preocupe com a possibilidade de que isto volte a repetir-se. Mas acho muito difícil que isto aconteça, porque os militares já são os verdadeiros donos deste governo e neste momento eles não dispõem de nenhuma alternativa consensual para substituir o seu capitão-presidente, mesmo quando sua dificuldade de convivência com a  marginalidade da família presidencial seja cada vez maior, pelo menos entre a oficialidade a oficialidade da aeronáutica e da marinha. Mas além disto, existe um outro problema ainda maior, que é o fato de que os militares brasileiros não têm hoje nenhum projeto nem alternativa econômica para o Brasil, apesar de que muitos deles já tenham percebido que que o ultraliberalismo do Sr. Guedes é um grande blefe e não tem a menor condição de tirar o Brasil do fundo poço em que eles mesmos o colocaram. Essa estratégia ultraliberal esgotou-se em todo o mundo, e em particular no caso dos Estados e economias nacionais de maior extensão e complexidade, como o Brasil. Além disso, os Estados Unidos já não estão em condições, nem querem assumir a responsabilidade pela criação de um novo tipo de “dominium canadense” ao sul do continente americano.

5)  É comum comparar a geração atual de militares que concebeu este governo com as gerações anteriores que que participaram dos golpes e governos militares do século passado? Na sua opinião quais suas principais semelhanças e diferenças?

Sempre existiram, dentro das Forças Armadas brasileiras, militares que foram democratas, nacionalistas ou mesmo comunistas. Mas não há dúvida de que a grande maioria dos oficiais brasileiros, sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial, foi  conservadora, de direita, e golpista,  e quase todos foram sempre   partidários da submissão ou “vassalagem militar” do Brasil com relação aos Estados Unidos. E foi essa tendência majoritária e conservadora que venceu e se impôs, dentro e fora das FFAA, em todos os momentos cruciais da história política brasileira dos últimos 80 anos. Assim, em 1964 e agora de novo, foram eles que venceram com o golpe de Estado de 2016 e com a instalação do atual governo. Assim mesmo, é fundamental destacar a maior dfe todas as diferenças entre estas “duas gerações” de militares brasileiros: a “geração do século XX”, apesar de tudo, deu uma importante contribuição para a construção do estado e para a industrialização brasileira; enquanto que a “geração do século XXI” vem dando uma contribuição decisiva para a destruição do estado e da indústria que eles mesmos haviam ajudado a criar no século passado.

Por cima desta enorme diferença, entretanto, existem duas grandes constâncias que permanece:, o “conservadorismo” e a “vassalagem” que  podem ser considerados como o verdadeiro denominador comum que aproxima estas  sucessivas gerações militares desde 1942, quando foi assinado o primeiro grande acordo militar entre o Brasil e os Estados Unidos. Do ponto de vista estritamente militar, a condição de “Estado-vassalo” sempre garantiu aos militares brasileiros a venda de armas e munições mais sofisticadas, e de algumas “tecnologias um pouco mais avançadas” que foram repassadas em troca do acesso privilegiado dos EUA aos recursos estratégicos de que dispõem o Brasil, e em troca da cessão de tropas para as iniciativas militares norte-americanas, começando pela própria Segunda Guerra. Mas além disso, a expectativa dos militares brasileiros com relação à sua vassalagem, foi sempre obter também alguma vantagem econômica, em geral  sob a forma do acesso facilitado aos mercados e investimentos americanos.

Foi isto que aconteceu durante a Guerra Fria, sobretudo entre 1950 e 1980, quando a vassalagem militar brasileira foi compensada pelo apoio norte-americano ao projeto desenvolvimentista daquela época. De tal forma que se pode afirmar, inclusive, que o chamado “milagre econômico da ditadura militar” foi uma espécie de réplica latina do “desenvolvimento a convite” dos “tigres asiáticos”. Essa situação, entretanto, mudou radicalmente depois da década de 80, quando os Estados Unidos abandonaram sua estratégia econômica internacional do pós-Segunda Guerra e adotaram sua nova política  de promoção ativa da abertura e desregulação dos seus mercados periféricos, começando pelo Chile da ditadura Pinochet. Daí vem a confusão que fazem muitos analistas quando comparam o “desenvolvimentismo econômico” do governo Geisel, por exemplo, quando o comparam com o ultraliberalismo econômico da geração militar que controla o governo do Sr. Bolsonaro. Na verdade, do ponto de vista essencial, os militares brasileiros seguem no mesmo lugar, ocupando a mesma posição que ocuparam nos golpes de 1954 e de 1964: aliados com as mesmas forças conservadoras e com a extrema-direita religiosa, e alinhados de forma incondicional e subalterna com os Estados Unidos. E é por isso exatamente que não representa nenhum constrangimento para eles o fato de terem sido “nacional-desenvolvimentistas” na segunda metade do século XX, e serem agora “nacional-liberistas” neste início do século XXI. Foram convencidos por seus professores de economia de que, uma vez mais, seu alinhamento automático com os Estados Unidos lhes garantirá o mesmo sucesso econômico que tiveram durante a Guerra Fria, só que agora através de mercados desregulados, desestatizados e desnacionalizados. Sem compreender que houve uma grande mudança no mundo e que por isto mesmo eles acabaram se metendo neste buraco sem fundo em que agora se encontram, levando junto consigo 210 milhões de brasileiros que nunca foram consultados sob a decisão militar de transformar o Brasil num “estado-vassalo”.

6. Olhando desta perspectiva mais ampla que o senhor propõe, de onde o senhor diria que vem esta obsessão dos militares brasileiros com o que ele chamam de “inimigo interno”, uma vez que de fato nunca eles nunca tiveram um verdadeiro inimigo externo?

Aqui também, para entender este fenômeno, devemos partir da escolha condição fundamental pela “vassalagem” externa, dos militares brasileiros. A consequência mais óbvia e explícita desta escolha é que o “país vassalo” adota como seus inimigos os inimigos de sua “potência suserana”. Por isso mesmo, depois da Argentina, o Brasil nunca mais teve que definir por sua própria conta o seu um “inimigo externo”, porque ele passou a ser definido diretamente pelos Estados Unidos. Foi assim que durante toda a Guerra Fria, o nosso “inimigo externo” foi a União Soviética, que não tinha o menor interesse nem a menor possibilidade de atacar o Brasil, um país periférico e que estava inteiramente a margem do conflito das grandes potências. Mas além disto, esta estranha condição de “inimigo do inimigo dos outros” criou uma distorção interna permanente no comportamento das FFAA brasileiras, que se transformaram numa polícia especializada na repressão do que eles chamam de “maus brasileiros”, uma categoria que eles inventaram e que eles mesmos arbitram, absolutamente convencidos de sua “incorruptível sabedoria moral”

Foi assim que nasceu a figura do “inimigo interno”, criada pela Doutrina de Segurança Nacional formulada pela Escola Superior de Guerra imediatamente depois da assinatura do Acordo Militar Brasil-Estados Unidos em 1952. E foi graças a essa verdadeira “cambalhota funcional” que as FFAA brasileiras passaram a espionar seu próprio povo, na busca constante e obsessiva daqueles brasileiros que estariam ameaçando a sociedade e o Estado brasileiro, e que passaram a ser chamados de forma invariável durante o período da Guerra Fria, de “comunistas”,  mesmo que os comunistas tenham sido sempre uma absoluta minoria dentro da sociedade brasileira. Criando-se um problema depois do fim da Guerra Fria, que alguns dos nosso militares resolveram adotando como seu novo inimigo uma abstração filosófica que não justifica o dinheiro gasto com umas FFAA; o tl do “marxismo cultural” que só eles sabem o que seja. Mas de qualquer maneira, foi assim que nasceu e se consolidou historicamente a relação direta entre a “vassalagem internacional” do Brasil e o “autoritarismo nacional” de suas FFAA, que passaram a denunciar como “inimigos” do Estado todos aqueles que discordassem de suas próprias posições ideológicas, a começar pelos que discordassem de sua escolha pelo avassalamento militar do Brasil.;

7)        Sem os militares, o senhor  acredita que Bolsonaro terá o respaldo da elite econômica e do mercado financeiro para  repetir a estratégia de Donald Trump e tentar melar as eleições de 2022 mobilizando os extremistas que apoiam seu governo?

Pode ser que tente, mas não terá êxito. A elite econômica e política conservadora, e mesmo a direita mais tradicional, já desembarcou, ou está desembarcando dessa canoa furada. Já com relação aos operadores dos mercados financeiros, talvez caiba usar uma expressão que eles mesmos gostam de utilizar quando falam do comportamento dos mercados, as “reações de manada”. Uma expressão, que se aplica perfeitamente ao comportamento deles próprios como reação âs flutuações da conjuntura política. Eles conseguem criar problemas instantâneos e de mercado para os gestores da politica econômica, toda vez que são contrariados, mas não têm capacidade, competência e força para formular ou sustentar um projeto coletivo de nação. Desmontar, destruir, desregular e privatizar é muito fácil, difícil é construir um projeto para todos os brasileiros, e  onde esses jovens mercadores do dinheiro alheio fiquem do tamanho que realmente têm como parte da população brasileira. Por outro lado, do jeito que as coisas estão e com a velocidade que tomou a pandemia e a descoberta das redes de corrupção das vacinas, e com a velocidade que avança  a “paralisia econômica” e a miséria da população, acho que muito mais cedo do que tarde o próprio Centrão abandonará o barco e este governo. E não é impossível que os próprios militares retirem de cena a sua criação obrigando-se de novo a algum tipo de tratamento médico.

 Neste caso, alguém poderá assumir o seu lugar? Com certeza, creio que Bolsonaro ou qualquer outra pessoa que encarne sua mensagem de ódio, ressentimento e destruição sempre terá no Brasil, ou em qualquer outro lugar do mundo, uma audiência de pelo menos 20% da população. E hoje o núcleo duro do bolsonarismo, mesmo juntando todos os seus motociclistas,  não deve passar destes mesmos 15 ou 20%.

Seja como for, e para finalizar esta entrevista, eu diria que qualquer negociação a respeito do futuro da sociedade brasileira deverá envolver as próprias FFAA como uma instituição fundamental do estado brasileiro, e deverá envolver de imediato duas questões que lhes dizem respeito diretamente: a primeira, é a volta definitiva dos militares aos seus quartéis e funções constitucionais, sem nenhum tipo de concessão ou distinção entre “bons” e “maus” militares, que não seja a sua obediência aos preceitos constitucionais; e a segunda é a definição de um novo tipo de relacionamento com os Estados Unidos, sem fanfarronice nem arrogância, mas com altivez soberana  e sem nenhum tipo de vassalagem, diplomática ou militar.


José Luís Fiori – Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Economia política Internacional, PEPI, coordenador do GP da UFRJ/CNPQ, “O poder global e a geopolítica do Capitalismo”; coordenador adjunto do Laboratório de “Ética e Poder Global”; pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos do Petróleo, Gás e Biocombustíveis, INEEP. Publicou “O Poder global e a nova geopolítica das nações”, Editora Boitempo, 2007 ; “História, estratégia e desenvolvimento”, Boitempo, em 201 ; “Sobre a Guerra”, Editora Vozes Petrópolis, 2018; e “A  Síndrome de Babel”, Vozes, 2020

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