Carta ao Mamberti, por Marcelo de Mattos

Descubro que ficaram palavras tantas e gestos amordaçados que rompem as manhãs, estas mesmas nossas manhãs de incertezas, assombradas pelo terror tirânico, o arbítrio e o medo.

Foto CUT

Carta ao Mamberti

por Marcelo de Mattos

Querido Sérgio, neste momento em que o sol disfarçadamente finge aquecer, as horas se alongam  para além da janela do carro em movimento, apenas a umidade do colírio e lentas lágrimas percorrem a avenida Ana Costa, triste e intensamente vazia. 

Até chegar à areia, colocar os meus pés frios no mar, percebo que não mais nos veremos, que outro tempo insone nos intercepta para deixar em suspenso àquela velha conversa, o abraço quente esquecido, adiado pelo isolamento volátil e verticalidade da Serra.

Descubro que ficaram palavras tantas e gestos amordaçados que rompem as manhãs, estas mesmas nossas manhãs de incertezas, assombradas pelo terror tirânico, o arbítrio e o medo.

Sérgio, meu amigo, enquanto caminho pela orla encoberta, recolho da fragata-tesoura, do maçarico-branco o derradeiro voo que poderia lembrá-lo ainda numa inesquecível interpretação cênica, num palco de flores de crepom e tule ou um breve aceno de gratidão etérea por tudo que tão apaixonadamente fizestes pela nossa cultura – hoje tão devastada e destroçada, não é mesmo, querido? –, por todo teu imensurável amor ao teatro e à sua doce cidade de Santos, numa manhã inexplicavelmente nublada, baça e fluida…  

Marcelo Mattos – Advogado, funcionário público aposentado, pesquisador em música, cultura caiçara e literatura.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

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