Ciências Humanas versus Ciências Exatas: os grandes riscos de uma falsa disjunção, por Álvaro Rodrigues dos Santos

Em resumo, o que nos falta hoje é justamente o que por aí andam pregando como desnecessário (ou adjetivações mais agressivas e estúpidas), qual seja a reimpregnação de valores humanistas em nosso ensino de ciências exatas.

Ciências Humanas versus Ciências Exatas: os grandes riscos de uma falsa disjunção

por Álvaro Rodrigues dos Santos

Os absurdos e as hostilidades, típicos de quem mantém uma relação de ódio e medo com o conhecimento, que o governo Bolsonaro vem cometendo contra o mundo da Educação trouxe à baila antiga polêmica que de tempos em tempos acomete a sociedade brasileira: o que deveríamos priorizar em nosso sistema educacional, as ciências exatas ou as ciências humanas?

Via de regra essa questão é trazida por aqueles que processam e pregam uma visão mercadológica, pragmática e fria do desenvolvimento econômico, o qual, segundo seus raciocínios,   tem vida própria, independente da vontade humana, e precisa essencialmente de tecnólogos para atender suas demandas.

Não pretendo aqui mergulhar nessa polêmica, meu objetivo é outro e o considero importantíssimo, qual seja alertar os profissionais de toda sorte, “exatos” ou “humanos”, que não se deixem embarcar na falsa dicotomia que nos querem fazer descuidadamente aceitar: ciências humanas versus ciências exatas. Isto é, a imagem segundo a qual o pensamento, a visão humanista, o horizonte da plena felicidade humana como valor maior de nossas expectativas profissionais, não devam pertencer intrinsecamente ao universo das ciências exatas, sendo desse considerado um mundo a parte, estranho e inútil.

A visão de que os chamamentos humanistas para a felicidade humana devam ser entendidos como folclórica e específica “pentelhação” de um segmento profissional tido como das ciências humanas, e assim dirigidos a um outro e completamente diverso segmento profissional tido como das ciências exatas, distante, por uma sua imaginada especificidade, dos valores humanistas que devem reger nossa sociedade, compõe um desastre completo dentro dessa longa jornada humana que podemos chamar de processo civilizatório.

Em resumo, o que nos falta hoje é justamente o que por aí andam pregando como desnecessário (ou adjetivações mais agressivas e estúpidas), qual seja a reimpregnação de valores humanistas em nosso ensino de ciências exatas. Um engenheiro, um físico, um geólogo, um arquiteto, um agrônomo, um médico, etc., devem sair da Universidade sabendo exatamente que sua ação profissional interferirá inexoravelmente com a vida de seus semelhantes. Deverá saber, mesmo nos pequenos espaços profissionais que lhe sobrem, que a ele se apresentarão opções de escolha sobre essa ou aquela abordagem profissional que seja melhor ou pior frente aos referenciais de uma sociedade que tenha como pilares os valores da dignidade espiritual e material de todos seus cidadãos. Ou escolhas que se definirão pelo exercício da compaixão humana, atributo maior do Homem civilizado.

Ou seja, caros amigos, as coisas devem se colocar justamente no caminho inverso dos apelos pragmáticos que hoje são lançados pelo atual governo e seus apoiadores sobre o mundo da Educação. Na verdade, poderíamos dizer que hoje no Brasil o campo educacional das ciências exatas pede socorro ao seu campo complementar das ciências humanas, é preciso que os valores humanistas e iluministas voltem a fazer parte e dar sentido humano, social e civilizatório às carreiras profissionais tidas como do mundo das exatas. A separação entre esses dois mundos somente interessa àqueles que vêem a sociedade humana a partir de seus próprios umbigos e, egoistamente, a partir de seus interesses pessoais, sem qualquer preocupação de ordem social. Se, ao contrário, alimentamos uma visão social de integração e felicidade entre os seres humanos, não poderemos nunca admitir a dicotomia e a independência entre o mundo das ciências exatas e o mundo das ciências humanas.

Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos ([email protected]) – Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia. Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para Elaboração e Uso da Carta Geotécnica”, “Cidades e Geologia”. Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador