Com interferências e dúvidas, o anúncio vai sendo finalizado
por Sebastião Nunes
Sancho abriu, novamente, o embornal de bondades, que circulou dadivoso entre os amigos. O jumento-asno-burro-jegue Jair Messias, pendurado pelo rabo, continuava pastando apetitoso capim, sem atentar para o terrível castigo que o espreitava, tanto dentro de casa quanto fora, onde estava seriamente ameaçado por tribunais internacionais.
Privilegiado publicitário à moda antiga, Adão debicou pela enésima vez a doce e deliciosa Havana (da velha safra), preparando-se para regalar a seleta assistência com o rascunho do anúncio sobre o qual se debruçara, incansável, durante os dois últimos milênios da eternidade (sempre lembrando que na eternidade o tempo inexiste). O qual anúncio rezava o seguinte:
(Título)
VENDE-SE, PERMUTA-SE OU ARRENDA-SE, POR NO MÍNIMO 500 ANOS, O ESTADO DO RIO DE JANEIRO!
(Subtítulo)
No pacote, inteiramente grátis, lindas praias (incluindo Copacabana e Ipanema), monumentos, belezas naturais e dezenas de cidades modernas, ricas e progressistas!
(Ilustração: montagem variegada com moedas internacionais)
(Corpo do texto)
MAGNÍFICA OPORTUNIDADE!
À beira-mar, constituindo a porção mais bela e aprazível do Brazil-continente (esse indolente gigantão adormecido eternamente em berço esplêndido e pasto de predadores das mais variadas estirpes), está sendo ofertado o estado do Rio de Janeiro, abençoado por Deus (sic) e bonito por natureza, de porteira fechada, às nações de todo o mundo e aos capitalistas individuais ou corporativos.
Não perca! O investimento é extraordinariamente lucrativo, devendo render, de acordo com dados recentes, 10.000% de lucro em no máximo 10 anos!
Poderá, o interessado, praticar aquilo que melhor lhe convier dentro do território ora ofertado, bem como explorar a seu critério as riquezas e belezas naturais no pacote acondicionadas, em (quase) perfeito estado de conservação.
INOPORTUNA INTERFERÊNCIA
– Pare, pare, cesse tudo que a velha musa canta! – interrompeu Manoel Lobato, excelente farmacêutico, amável cronista, jornalista porreta, advogado maneiro, mas que de poesia clássica era anarfa de pai e mãe.
– Qual é, Lobato, que foi? – irritou-se Adão, cujas pestanas estavam totalmente queimadas de tanto pensar por dois milênios. – Não gostou do início?
– Não é isso, meu chapa – amaciou Lobato. – Não podemos esquecer os clientes, quero dizer, precisamos pesquisar antes os potenciais compradores.
– Você quer dizer os prospects? – arriscou Otávio Ramos, extraindo de seu baú de relembranças um dos termos mais caros aos marqueteiros d’antanho.
– Vamos deixar de frescura técnica – rebateu Sérgio Sant’Anna, metendo o nariz na sardinha frita. – Tanto faz potenciais compradores como prospects. O que você está insinuando, sugerindo, especulando ou ameaçando com sua intervenção?
– O seguinte – continuou Lobato, olhando de banda para Luís Gonzaga Vieira, que de publicidade entendia tanto quanto de física teórica. – Não podemos aceitar qualquer um. Imaginem se Donald Trump ou Viktor Orbán gostam da ideia e decidem comprar, permutar ou arrendar nosso produto.
– Eu já disse mil vezes – exagerou Sérgio – pra não chamarem o Rio de produto. Produto é o caralho!
NOVA INTERFERÊNCIA
– Que porra é essa de caralho, Sancho? – quis saber Jimi Hendrix, percebendo o palavrão embutido. – Que diabo significa caralho?
– Deixa pra lá, Jimi – meteu-se Janis Joplin, que adorava uma gandaia nas horas vagas. – Este assunto é sério e aqui não cabe palavrão.
– Por que não, caralho? – irritou-se Jimi, imitando Adão. – Por que não se pode dizer caralho nessa lereia? Todo mundo aqui é santo?
– Cala a boca e toca sua guitarra, Jimi – desanuviou Sancho, abrindo o embornal e servindo uma rodada aos amigos. – Lobato tá certo. Já pensaram se o doido do Trump compra o Rio e transforma o estado numa filial do partido republicano?
– Não tinha pensado nisso – desculpou-se Adão, pensativo. – Pensei foi no papa Francisco ou na rainha Elizabeth como potenciais compradores.
– Lobato tá certo – ponderou Vieira, o carioca honorário, olhando de banda para Sérgio, o carioca-raiz. – O rio já tá uma bosta. Só faltava começar a feder ainda mais.
– De fato – admitiu o carioca-raiz. – A ideia de vender o Rio é exatamente pra gente se livrar da bandidalha que apronta por lá. Se cai na mão de um bandidão…
Sancho achou que era tempo de dar um tempo e abriu o embornal inesgotável. Enquanto isso, o asno-jumento-jegue-burro Bolsonaro, pendurado pelo rabo, vomitou uma gosma nojenta semimastigada, cujo fedor infernizou o Paraíso.
(No próximo capítulo: tentando resolver o problema dos prospects.)
Sebastião Nunes é um escritor, editor, artista gráfico e poeta brasileiro.
Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN
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