Com sangue, suor e dúvidas, o anúncio segue em frente
por Sebastião Nunes
Sancho reabriu, pela enésima vez, o embornal de maravilhas, que circulou farto entre os amigos. Era só o espanto, a perplexidade ou o desânimo baixarem, que lá estava ele, o fiel escudeiro dos tristes e desamparados de todos os tempos (mesmo dos tempos inexistentes), pronto para arrebatar os ânimos e alevantar o moral de mortais e imortais.
Enquanto isso, o jumento-asno-burro- jegue Jair Messias, pendurado pelo rabo, continuava vomitando carne podre e osso dos mortos por culpa de seu projeto genocida, embora o terrível castigo que o espreitava se aproximasse a galope, sem que, em sua infinita estupidez, se desse conta.
Tanto divagamos, por tantas veredas perambulamos – os eventuais e pacientes leitores que me perdoem –, que vejo-me obrigado a retomar os primórdios da criação do anúncio, para refrescar as recheadas memórias.
Retomando, pois.
Privilegiado publicitário à moda antiga, Adão debicou pela enésima vez a saudável Havana (de velha safra) e prontificou-se a regalar a seleta assistência com o rascunho do anúncio sobre o qual se debruçara, incansável, durante os dois últimos milênios da eternidade, sempre lembrando que na eternidade o tempo inexiste. O qual anúncio rezava o seguinte:
(Título)
VENDE-SE, PERMUTA-SE OU ARRENDA-SE (POR NO MÍNIMO 500 ANOS) O ESTADO DO RIO DE JANEIRO!
(Subtítulo)
No pacote, inteiramente grátis, lindas praias (incluindo Copacabana e Ipanema), monumentos maravilhosos, extasiantes belezas naturais e, incluídas igualmente grátis, dezenas de cidades modernas, ricas e progressistas!
(Corpo do texto)
MAGNÍFICA OPORTUNIDADE!
À beira-mar deitado, constituindo a porção mais sedutora e aprazível do Brazil-continente (indolente gigantão adormecido em berço esplêndido, pasto de milhares de predadores de variadas estirpes), está sendo ofertado, de porteira fechada, o estado do Rio de Janeiro, abençoado por Deus e bonito por natureza, às nações de todo o mundo e aos capitalistas individuais ou corporativos.
Não perca! O investimento é extraordinariamente lucrativo, devendo render, de acordo com estudos macroeconômicos, 10.000% de lucro em cerca de 10 anos!
Poderá, o interessado, praticar aquilo que melhor lhe convier dentro do território ora ofertado, bem como explorar a seu critério as riquezas e belezas naturais no pacote acondicionadas, em (quase) perfeito estado de conservação.
Poderá renomear, redividir ou realocar cidades, vilas e favelas, pequenas ou grandes. Idem quanto a monumentos, acidentes geográficos notáveis, clubes esportivos e recreativos, hotéis, motéis, bares, restaurantes lojas, supermercados, sem se importar com os resmungos que são costumeiros entre os nativos. A título de exemplo, poderá até mesmo renomear o assim denominado Clube de Regatas do Flamengo para Urubu Futebol Clube ou qualquer outro que lhe agrade.
Poderá, caso lhe interesse, explorar turística e economicamente praias, monumentos, prédios públicos ou privados, montes, florestas e – naturalmente – a população na totalidade, do modo que lhe parecer melhor, sem que o restante do país possa se manifestar, abrir a boca ou contestar, aos berros ou judicialmente. Os bens móveis de qualquer natureza poderão ser vendidos, a varejo ou no atacado.
Poderá, a seu juízo, criar tribunais novos ou manter os existentes, adotando a legislação vigente ou criando outra que melhor atenda a seus interesses, inclusive pela aplicação no Rio de Janeiro de legislação de outros países. Considerando que o referido estado é sede de milícias paramilitares, estas poderão ser revendidas como mão de obra armada, a qualquer interessado, pessoa física ou jurídica. (A esse respeito, e tendo em vista seu inquestionável know-how, elas, as milícias, se prestam admiravelmente para ações violentas de apropriações e expropriações de todo tipo, bem como para queimas de arquivo e outras ações do gênero. Nunca é demais lembrar que as milícias, comenta-se à boca pequena, têm profundos laços de amizade e cooperação com os altos escalões federais, estaduais e municipais.)
Os pagamentos, no caso de compra, deverão ser efetuados em dólar ou euro; nas permutas, aceitam-se bens de qualquer natureza, exceto imateriais; em arrendamento, no todo ou em parte, serão aceitos pagamentos à vista ou parcelados no mesmo número de anos (no mínimo 500) acordados.
Os contatos deverão ser feitos com a totalidade dos responsáveis pela transação, ou seja, em ordem alfabética, Adão Ventura, Luís Gonzaga Vieira, Manoel Lobato, Otávio Ramos e Sérgio Sant’Anna, que assinarão conjuntamente. Serão testemunhas em todos os entendimentos Janis Joplin, Jimi Hendrix e Sancho Pança.
Adão emitiu profundo suspiro, de cansaço e satisfação, e deu por concluída sua participação no projeto. Coitado: mal sabia o que lhe reservava o futuro.
(No próximo capítulo: recauchutando o anúncio para vender o Rio de Janeiro.)
Sebastião Nunes é um escritor, editor, artista gráfico e poeta brasileiro.
Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN
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