Culpado porque inocente, por Fábio de Oliveira Ribeiro

A Suprema Corte por maioria firmou entendimento de que Sérgio Moro não tinha competência para processar e julgar o caso do Triplex e que ele agiu de maneira parcial para prejudicar o réu

Culpado porque inocente

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Durante a disputa que envolveu Deltan Dellagnol/Sérgio Moro de um lado e Lula de outro, várias inovações jurídicas foram criadas.

O réu foi denunciado porque o promotor tinha convicção de sua culpa. Antes da condenação Lula foi tratado como criminoso pelo MPF durante uma entrevista coletiva. Durante o curso do processo o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba indeferiu a perícia requerida pela defesa. Ao proferir sentença, Sérgio Moro condenou o réu por atos inespecíficos (a Lei exige a prática de atos específicos) porque ele teria recebido um apartamento (o qual, todavia, estava em nome da Construtora e havia sido dado em garantia por uma dívida da proprietária). O principal fundamento da condenação foram acusações jornalísticas feitas contra o réu. O juiz chegou a reconhecer que não tinha competência para processar e julgar um caso que não tinha relação com a Petrobras referente a um imóvel que ficava fora de sua jurisdição.

As inovações na segunda instância também foram inusitadas. O presidente do TRF-4 opinou pela manutenção da sentença na imprensa antes do caso ser levado a julgamento. O processo de Lula foi colocado na frente de centenas de outros e julgado em tempo recorde Ao apreciar o recurso, um dos desembargadores chegou a dizer que o réu tinha cometido um crime porque a construtora atribuiu um imóvel a ele (como se a conduta de terceiro pudesse geral a responsabilização do acusado).

No STJ a artimanha empregada para impedir a defesa de sustentar oralmente sua tese entrou para a história judiciária brasileira. O relator proferiu uma decisão monocrática rejeitando o recurso. Quando do julgamento do Agravo, sem sustentação oral como determina o Regimento do Tribunal, ele mesmo julgou o recurso parcialmente procedente.

A Constituição Cidadã prescreve que a prisão do réu após o trânsito em julgado da condenação. Lula foi preso após a prolação do Acórdão de segunda instância e antes que o recurso dele para o STJ fosse apreciado. Um HC concedido em favor de Lula no TRF-4 não foi cumprido pela PF a pedido do juiz que estava de férias. O presidente daquele Tribunal, que não tinha competência para apreciar a questão, também interferiu para manter o réu preso. Depois o relator do processo revogou a decisão válida proferida pelo seu colega de Tribunal.

Durante o curso do HC impetrado pelo casal Zanin veio a luz o escândalo da Vaza Jato. Mensagens trocadas entre os procuradores e o juiz da Lava Jato revelaram a existência de uma camada processual sigilosa, totalmente ignorada pela defesa, que ocorria de maneira informal através de contatos telefônicos. Deltan Dellagnol chegou a duvidar da higidez da peça acusatória, mas foi aconselhado por Sérgio Moro a apresentá-la. O procurador e o juiz combinavam ações para dificultar o trabalho da defesa e maximizar a possibilidade de condenação. Os advogados de Lula foram grampeados a mando do juiz.

Lula ficou preso até o STF reconhecer que ninguém pode ser preso antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Algum tempo depois, por maioria de votos, a Suprema Corte por maioria firmou entendimento de que Sérgio Moro não tinha competência para processar e julgar o caso do Triplex e que ele agiu de maneira parcial para prejudicar o réu. Uma manobra vergonhosa para impedir o reconhecimento da imparcialidade do juiz da Lava Jato teve que ser contornada STF.

Enviado para o Juiz competente, o caso do Triplex foi finalmente enterrado https://jornalggn.com.br/noticia/justica-rejeita-denuncia-contra-lula-no-caso-do-triplex/. Mas agora uma parcela da imprensa tem requentado as acusações contra Lula dizendo que, apesar da anulação da condenação, ele é suspeito. A suspeição equivale a culpa. Portanto, estamos diante de uma nova modalidade de crime: aquele que é cometido porque o acusado foi inocentado. Não só isso. Uma vez mais a imprensa avoca para si o direito sagrado de julgar e condenar seu adversário político.

O objetivo desta manobra ainda não ficou totalmente claro. Num primeiro momento, podemos concluir que a imprensa pretende prejudicar o crescimento de Lula nas pesquisas eleitorais. Todavia, como a energia criminosa que sustentou a Lava Jato não chegou ao fim ninguém deve ficar surpreso se o Judiciário ou uma parcela dele tente revalidar a condenação anulada pelo STF. Numa situação de normalidade isso não poderia ser feito. Mas nós não estamos vivendo em tempos anormais.

A disputa entre o presidente da república e o STF é um complicador. Caso consiga encher as ruas de fascistas no dia 07 de setembro de 2021, Bolsonaro pode se sentir fortalecido e tentar aumentar o número de Ministros da Suprema Corte para construir um cenário favorável à revisão do caso Lula por uma maioria anti-petista. Outra hipótese seria modificar a estrutura do Judiciário, para colocar o Superior Tribunal Militar acima do STF (isso chegou a ser cogitado pelo próprio Bolsonaro). Se o caso do Triplex for a julgamento no STM, Lula não terá chance alguma de disputar novamente a presidência.

Quando uma porta do Inferno é aberta nem sempre é possível fechá-la totalmente.  O Talibãsonaro fará tudo que puder para preservar uma fresta através da qual os demônios do fanatismo, do racismo, do terrorismo, do neoliberalismo e do autoritarismo possam retornar ao mundo sublunar controlando-o total ou parcialmente. Entre as novas opções infernais está o uso de armas de fogo contra Lula, hipótese criminosa que já está sendo levantada publicamente sem temor por alguns seguidores do mito.

Cristiano Zanin, sua esposa e diversos juristas que apoiaram Lula comemoraram cedo demais o restabelecimento do Estado democrático? Não ousarei responder essa pergunta. Sou advogado e o simples fato de ser obrigado a fazê-la me provoca calafrios. Entretanto, uma coisa é certa: ao condenar a inocência de Lula, a imprensa está forçando a barra para garantir que o Inferno fique aberto. 

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Fábio de Oliveira Ribeiro

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