Desculpem, mas um desfile infinito de formigas me proíbe voltar ao anúncio, por Sebastião Nunes

Enquanto cá embaixo o genocida continua fazendo merda, lá em cima os vômitos de seu alter ego espantam meus amigos mortos, que tentam compreender o incompreensível.

Desculpem, mas um desfile infinito de formigas me proíbe voltar ao anúncio

por Sebastião Nunes

Jair Messias, suando sangue e fedendo carniça, continuava vomitando os restos sangrentos de 500.000 mortos. Sua boca, viciada em mentir, xingar e elogiar a cada vez mais minguada tropa de energúmenos apoiadores, parecia a entrada de um vulcão voltada para baixo, expelindo podridão em vez de lava e fogo.

Horrorizados, os amigos, na entrada do bosque de frutas-livros, recusavam-se a sair dali, esperando pelo pior. E o que seria pior do que a vomitação sem fim?

As parcas tinham desaparecido, decerto cumprindo a vaga promessa de viajar ao Inferno para consultar Plutão sobre a demanda dos amigos, ou seja, se seria permitido cortar o fio da vida a partir dos piores. Desse modo, ficaria o mundo muito melhor, sem a menor dúvida. E o primeiro alvo estava bem à vista. Não havia dúvida, também, de que a multidão de candidatos à degola imediata seria fantástica, talvez metade dos humanos em todos os países da terra. Quantos seriam no Brasil?

Esperançosos, esperavam.

Foi quando, surgidas do nada, descomunais multidões de formigas cortadeiras passaram a desfilar diante da boca aberta de Bolsonaro e a recolher calmamente, pedacinho por pedacinho, os restos do vômito que jorrava sempre e continuamente.

O FIM DO QUE PARECE NÃO TER FIM

Que representam 500.00 mortos para a economia do Universo?

Nada. Ou quase nada.

O que representa uma única vida perdida para quem a perde?

Tudo. E tudo quer dizer tudo.

De modo que aquilo que Jair Messias vomitava e as formigas coletavam era os restos misturados de 500.000 singularidades perdidas. E era a essa tragédia macabra que os amigos, agora desalentados, assistiam.

Até onde a vista alcançava, na imensa planície diante do portão do Paraíso, tudo o que se via eram formigas se aproximando, agarrando com pinças fortes pedaços da mistura indistinta e seguindo em frente, rumo a algum destino que os amigos não se atreviam a imaginar.

No entanto, cada um viu naquele desfile sinistro a passagem lenta de restos de conhecidos, amigos, primos, irmãos, pais e mães que foram ceifados na pandemia pela qual Bolsonaro era um dos responsáveis, não pelo surgimento, não pela proliferação, mas pela velocidade e descontrole do imenso infortúnio.

A METAMORFOSE

Foi quando as formigas começaram a crescer e a se transformar. Não no inseto indefinido de Kafka, mas em indivíduos que a cada amigo parecia diverso.

– Olha lá! – disse Sérgio Sant’Anna bestificado. – As saúvas estão virando milicianos armados!

– Não, meu caro – ponderou calmo Otávio Ramos. – Estão se transformando, mas não em milicianos armados e sim em vereadores cariocas engravatados.

– Como sabe que são vereadores cariocas? – perguntou curioso Adão Ventura.

– Ora, muito simples – respondeu Otávio Ramos, o sábio. – Note o crachá que ostentam, no qual está escrito “representante eleito do povo carioca”.

– Discordo – interveio Manoel Lobato. Se está escrito “representante eleito do povo carioca”, podem ser deputados ou senadores além de vereadores.

– Não, não e não – balançou a contrafeita cabeça o calvo Luís Gonzaga Vieira. – São muito magros para deputados e muito novos para senadores.

– De fato – anuiu Sérgio. – Só depois de muita comilança do dinheiro público os deputados se revelam gordos e luzidios que nem capados.

– Exato, e muito novos para senadores – concordou Otávio. – Chegar a senador exige anos e anos de permanência nas prateleiras do meio.

– Mas existem vereadores que se contentam com pouco – divergiu mais uma vez o velho Lobato. – Vereadores pouco gananciosos se contentam com o que arrecadam de proventos, mordomias e rachadinhas. Que importa se não passam de alguns milhões anuais? Arrecadando e entesourando, ao fim de alguns mandatos estão com o burro na sombra, uma bela sombra dourada.

Assim continuaram meus amigos mortos, divagando devagar e sempre, enquanto as formigas saúvas continuavam passando, crescendo e se transformando.

Será tudo possível na eternidade? Sim e não, como veremos na sequência.

(No próximo capítulo: Tentando voltar ao anúncio para vender o Rio de Janeiro.)

Sebastião Nunes é um escritor, editor, artista gráfico e poeta brasileiro.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador