“… e o mundo não se acabou”, por Marcelo de Mattos

Por fim, a carta-renúncia ao golpe tem o prazo de validade afinado ao grau de insanidade palaciana.

Sergio Lima – Poder360

“… e o mundo não se acabou”

por Marcelo de Mattos

“Agora eu soube que o gajo anda dizendo coisa que não se passou/
E, vai ter barulho, e vai ter confusão porque o mundo não se acabou”.Assis Valente, in “E o mundo não se acabou”

Passadas as manifestações de 7 de setembro em apoio ao então presidente da república, na tentativa funesta de golpe institucional, sobrou o rescaldo do grotesco, a podridão acumulada do discursos de ódio e ameaças, pérolas da idolatria fascista jogada aos porcos verde-amarelos, misto de lavagem e esterco ideológico bolsonarista para deleite da estupidez humana acima de tudo, da mediocridade fundamentalista acima de todos.

Ainda que esse ajuntamento de horrores tenha fracassado numericamente com a concentração de apenas 6% do contingente esperado, ainda assim conseguiu reunir um número expressivo de estupidez messiânica e a expressão grotesca do conservadorismo, claro, à custas de muito financiamento de amplos setores do capital agroempresarial, do deus-mercado, neopentecostal, etcetera e tal.

O chamamento e adesão desse empoeirado fã clube passadista, de lunáticos ao baile-da-saudade pijamas verdes-olivas, das trevas e retretas da pauta extremista paramilitar e miliciana, se mobilizaram e continuam alerta ao gramofone disparado em 2015 pelos mesmos agentes pátrios e transnacionais que iniciaram o golpe covarde que desaguou na lavajatista “escolha difícil” desse presidente infame. O disco arranhado ainda reverbera numa crise de insanidade e surdez de apoiadores de latifundiários e motocaminhoneiros do agrobusiness, de narcomilicianos e traficantes de armas, de indivíduos desqualificados defendendo a entrega do patrimônio e empresas nacionais, o fim de direitos sociais e trabalhistas, sob a parcimônia do polichinelo presidencial e uma súcia de militares criminosos, subservientes nesse desgoverno de ocupação militar.

Por fim, a carta-renúncia ao golpe tem o prazo de validade afinado ao grau de insanidade palaciana. Redigida a quatro mãos pelo usurpador da presidência da Republica, Michel Temer, com a cooperação de setores da grande imprensa, o empresariado e o chamado mercado de capitais, procurando criar uma alternativa, uma via eleitoral que dê continuidade ao golpe projetado em 2016, com uma candidatura das elites que se cansaram da marionete presidencial que construíram. A figura abjeta de Temer, mais uma vez surge da catacumba transilvânica, para reconstruir a pauta ultraconservadora, patrimonialista, contra os direitos sociais, costurada junto ao STF para a articulação eleitoral que se deseja, se possível, sem a representação popular e de esquerda.

O mundo cão não se acabou, mas o país Colorama… continua o mesmo: indo pelo ralo feito shampoo de lanolina. Afinal, o que leva uma celebração tão infame com tamanhas imbecilidades, uma pústula de gente tão grotesca enroladas em bandeiras do Brasil Império, representante da mesma incivilidade de uma elite escravocrata branca, anti-indígena e executora de massacres populares?

Dos sertanojos ruralistas aos vikings de Capitólio fantasiados conta o STF impondo a barbárie institucional, nada se salvou da avalanche estúpida, falso-moralistas em camisetas da CBF, da cornija idólatra de blogueiros do caos, do peculato de gabinetes (rachadinhas). Restaram o sumo da imbecilidade e a cretinice como senso universal do reino do mau-caratismo.   

Para não perder o rebolado e a pilhéria do título, o que me chamou à atenção, foi o que levou uma horda de pessoas tão castas, dignos representantes da família cristã brasileira, a seguir uma piroca gigante verde-amarela, versão mamadeira do “bezerro de ouro”?  Piada pronta à parte, não tinha como não lembrar e me socorrer do delicioso samba-choro de Assis Valente, noticiando uma possível colisão do cometa Halley com a Terra, sobretudo na sua mais saborosa e galhofa interpretação pela cantora Paula Toller.

Ah, sim! Paula Toller gravou “E o mundo não se acabou” no seu CD de 1998, em espirituosa versão samba-sampleado. Abre com os versos no mais puro tropicalismo-antropofágico com “Maricota, Mariquinha e Mariquita soltam a periquita lá em Guaratiba e Guarujá/ Maracatu, jacarandá, Jeca Tatu, Paranaguá…” e na mais inocente liberdade poética-libidinosa altera o verso original “Beijei na boca de quem não queria/ Peguei na mão de quem não conhecia” para o sensual “Beijei na boca de quem não devia/ Peguei no pau de quem não conhecia“.

Afinal, mais libertário do que o mundo acabar pornográfico é “não acabar” lúgubre, num circo ou arraiá, enquanto astros e satélites atravessam o céu…

José de Assis Valente, uma das mais belas e dramáticas biografias da música popular brasileira, nasceu em Santo Amaro/BA, em 1911.  Se muda para o Rio de Janeiro, em 1927 e no início dos anos 1930 começa a compor sambas. Tem a sua primeira gravação “Tem Francesa no Morro”, com Aracy Cortes (1932) e no ano seguinte, nessa mesma linha, a sua maior intérprete, Carmen Miranda, grava “Good-Bye, Boy”, crítica ao modismo de misturar o inglês à língua nacional e a marcha “Elogio da Raça”, tematizando a discriminação do negro, assim como o samba “Isso Não se Atura” e “E o Mundo Não se Acabou”, em disco Odeon 78 rpm, em 1938.

Marcelo de Mattos – Advogado, funcionário público aposentado, pesquisador em música, cultura caiçara e literatura.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

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