Hiperinflação e Ciranda Financeira são um projeto de governo
por Ion de Andrade
A precificação do petróleo em dólares é um elemento desorganizador maior da economia brasileira. A inflação sistêmica e a queda do valor da moeda nacional se tornaram um processo autossustentado que tende ao agravamento.
Toda criança sabe que o balanço pode ser movimentado pelo movimento pendular das pernas e que esse impulso vai ficando cada vez maior e mais forte. Vencida a inércia, o balanço balança livremente. Se o movimento pendular das pernas continua, nada detém o balanço…
O petróleo entra em todas as cadeias produtivas nacionais, através dos fertilizantes agrícolas, embalagens ou combustíveis. Não há virtualmente nada que não se relacione em sua precificação ao petróleo.
A alta dos preços dos seus derivados produz, portanto, uma inflação sistêmica, inicialmente em níveis capazes de ser absorvidos pelas diversas cadeias produtivas e depois transbordando as suas capacidades de acomodação e produzindo alta de preços generalizada.
Ora a alta de preços, sistêmica e de difícil controle é a inflação. Ela significa que a moeda perde valor e que já não consegue mais comprar o que comprava. Isso produz, além de tudo, consequências cambiais. Uma dos resultados da inflação é o realinhamento para baixo da moeda nacional frente às demais moedas mundiais que sofrem inflação menor, que é o que costuma ocorrer nas economias mais ricas e menos sujeitas à aleatoriedade e à irresponsabilidade pública na formação dos preços.
Isso significa que, sendo inflacionário de forma sistêmica, o petróleo, precificado em moeda estrangeira, produz como efeito “colateral” o contínuo desgaste da moeda nacional perante as demais do mundo por alimentar uma inflação que torna nossa moeda cada vez menos valiosa.
A consequência óbvia é que na medida que o processo permanece, o petróleo se torna também cada vez mais caro, vez que a moeda nacional vai perdendo valor de compra frente à moeda na qual o petróleo como commodity é precificado: o dólar.
Com o dólar caro e o petróleo caro a economia não pode prosperar, haverá fome nas ruas e falências das cadeias produtivas que se tornarem insustentáveis.
Esse processo, que tem no petróleo o carro chefe, não somente não é casual como está acompanhado, na mesma lógica, pela precificação como commodity de outro grande grupo de produtos, que também produz inflação sistêmica: a comida.
Essa política beneficia a todos os setores que têm precificação real em Reais e vendem seus produtos em dólares, pois os lucros se tornam gigantescos, em detrimento da miséria nacional. Porém o modelo alcança o seu paroxismo através da hiperinflação e da ciranda financeira que virá como uma espécie de “remédio” para a recomposição salarial de salários cada vez mais aviltados pela desvalorização da moeda.
Quem mais se beneficia com essa ciranda financeira é o capital financeiro que pode livremente especular com a nossa moeda e com as demais. Isso ficou claro no recente escândalo das offshores.
Não vamos nos esquecer que esse modelo para o qual caminhamos foi o que vigorou na ditadura, quando esses mesmos segmentos estavam no Poder. Prova essa tendência inarredável o fato de que a inflação de setembro último foi a maior desde 1994 acumulando 10,25% no ano, a maior inflação desde o Plano Real.
Ora, para que esse projeto econômico governamental tenha sucesso, é mister criar a falsa impressão de que o governo não pode fazer nada para conter os preços. Nesse jogo o ministro Paulo Guedes é mestre. Inacreditavelmente Bolsonaro critica o auimento do gás de cozinha e do diesel…
Enquanto isso durar veremos desabastecimento, falências e deterioração do mercado interno brasileiro que hoje se tornou incapaz de sustentar até a rede de Uber. As ruas estão povoadas de pedintes, famintos, desempregados, e, claro, de mais e mais inflação. A isso se seguirão os saques de supermercados e o crescimento da Mortalidade Infantil; tudo, tudo no modelito social e econômico da ditadura.
Precificar produtos em moeda estrangeira é proibido no Brasil, além de ser, nesse caso, um crime de lesa pátria.
Com o arquivamento das investigações de Guedes e de Campos Neto por Dias Toffoli a nação perdeu a oportunidade de dar um basta a essa política que, mantida, nos levará inevitavelmente à ruína mais completa e ao país miserável que fomos.
Além de Dias Toffoli, que arquivou o inarquivável, não podemos deixar de lembrar da responsabilidade maior que pesa sobre o presidente da Câmara Arthur Lira por não pautar o impeachment de Bolsonaro.
A situação de fome e de miséria que já é a atual não é ainda o fundo do poço. Preparemo-nos para o pior: uma economia em frangalhos, estagnação econômica, hiperinflação e ciranda financeira.
Ion de Andrade é médico epidemiologista e professor e pesquisador da Escolas de Saúde Pública do RN, é membro da coordenação nacional do Br Cidades e da executiva nacional da Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela democracia
Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN
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