Mensalão e Lava Jato, as irmãs gêmeas que pavimentaram o caminho até o genocídio pandêmico, por Fábio de Oliveira Ribeiro

O julgamento do Mensalão aboliu duas premissas fundamentais do Processo Penal brasileiro: a presunção de inocência e a necessidade da acusação provar o fato criminoso imputado ao réu.

Mensalão e Lava Jato, as irmãs gêmeas que pavimentaram o caminho até o genocídio pandêmico

por Fábio de Oliveira Ribeiro

A operação Lava Jato gerou um colapso no poder judiciário? A resposta do ministro Gilmar Mendes a essa pergunta é sim https://jornalggn.com.br/noticia/lava-jato-gerou-um-colapso-no-poder-judiciario-diz-gilmar-mendes/.

Qualquer pessoa que acompanhe as disputas na arena jurídica há mais de 20 anos está em condições de concluir que o Gilmar Mendes disse uma meia verdade. O colapso do judiciário começou com o Mensalão. Lá foram lançadas as bases para o método jurídico empregado pela Lava Jato.

Ao julgar o suposto esquema de corrupção político-parlamentar do PT, o STF inventou diversos conceitos jurídicos. Eis aqui alguns deles:

Para condenar lideranças petistas, o STF empregou uma versão distorcida da “teoria do domínio do fato”. Segundo a teoria original desenvolvida pelo jurista Claus Roxin, quem deu a ordem para a prática de uma ação criminosa é responsável pelo resultado dela, ainda que o comando tenha sido executado apenas pelos seus subalternos. Essa teoria da responsabilização criminal pressupõe: a prova da existência do comando, o dever de obediência do subalterno e, é claro, a existência do resultado do cumprimento da ordem.

Joaquim Barbosa, inventor da versão brasileira da “teoria do domínio do fato”, condenou líderes como José Dirceu e José Genoino presumindo que eles comandaram o esquema de compra dos votos de uma parcela dos deputados da base governista. Não havia prova documental ou testemunhal da conduta deles, apenas a presunção de que aquele fato dominante tinha acontecido em virtude de relatos de algumas reuniões (cujo conteúdo das discussões e deliberações eram, entretanto, desconhecidos).

Ao proferir seu voto, Luiz Fux condenou José Dirceu porque o réu não havia provado sua inocência. Rosa Weber disse que podia condenar porque a literatura a autorizava.

O julgamento do Mensalão aboliu duas premissas fundamentais do Processo Penal brasileiro: a presunção de inocência e a necessidade da acusação provar o fato criminoso imputado ao réu. Isso abriu caminho para a Lava Jato tratar Lula como criminoso na imprensa antes do oferecimento da denúncia do Triplex e, sem dúvida alguma, forneceu o paradigma utilizado por Sérgio Moro para condenar Lula por “atos inespecíficos” que não haviam sido provados nos autos daquele processo.

Durante o Mensalão surgiu uma controvérsia importante. O STF deveria ou não julgar as pessoas que não tinham foro privilegiado. Contrariando o que está expressamente previsto na legislação, o STF entendeu que poderia julgar todos os acusados. Pouco tempo depois, a Suprema Corte voltaria a brincar com as regras de competência para se recusar a julgar um líder tucano (Mensalão do PSDB). A fragilização das regras de competência pelo STF são a causa primeira da violação das mesmas no caso do Triplex.

Assim como os ministros da nossa Suprema Corte estavam em condições de saber que não tinham competência para julgar pessoas sem foro privilegiado, Sérgio Moro sabia que não tinha competência territorial para julgar Lula. A manobra empregada nos dois casos é semelhante e pode ser resumida na frase usada pelo juiz da Lava Jato para fixar sua competência: “… o crime se insere em um contexto mais amplo, de um esquema de corrupção sistêmica…” (fls. 215 da sentença condenatória de Lula).

Daquilo que foi anteriormente exposto, podemos concluir que o colapso do judiciário começou a ocorrer antes da Lava Jato e não durante a operação conduzida por Sérgio Moro. A responsabilidade dos ministros do STF (dentre os quais devemos destacar Luiz Fux, Rosa Weber, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio de Mello, Celso de Melo e o próprio Gilmar Mendes) não pode ser escondida ou minimizada. Sérgio Moro não é um ponto fora da curva, ele é o prolongamento de uma espiral descendente iniciada quando a Suprema Corte preferiu deixar a Constituição Cidadã de lado para interferir no campo político e agradar a imprensa.

É verdade que os jornalistas exerceram o poder extra-constitucional de modelar as decisões judiciais dos Tribunais durante a Lava Jato. Todavia eles já haviam conquistado a capacidade tóxica de obliterar os princípios constitucionais do Direito Penal durante o Mensalão com ajuda dos ministros do STF. Quem viveu aquele período entenderá perfeitamente o que foi dito aqui.

Yanis Varoufakis costuma dizer que o que caracteriza o neoliberalismo é a captura do Estado pelo poder econômico-financeiro. O resultado desse fenômeno é o esvaziamento e a destruição do regime democrático. Em nosso caso, a democracia foi destruída porque o STF permitiu à imprensa capturar o Sistema de Justiça durante o julgamento do Mensalão. O resto (operação Lava Jato incluída) é consequência da falta de visão prospectiva dos ministros daquele Tribunal.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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