O caso Sócrates
por Fernando Reis
José Sócrates, ex-primeiro Ministro de Portugal acaba de ser pronunciado por 6 crimes, três de branqueamento e três de falsificação de documentos, numa decisão lida sexta-feira, dia 9, pelo Juiz de Instrução Ivo Rosa, durante três horas e transmitida em direto pelas televisões.
Dos 189 crimes e 28 arguidos que constavam na acusação deste processo, designado por Operação Marquês, que começou em 2013, só 17 crimes e 5 arguidos, entre eles José Sócrates, vão a julgamento. E o mais surpreendente e relevante, é o facto de Ivo Rosa ter feito cair todos os crimes de corrupção e fraude fiscal, no que muitos analistas consideram já uma estrondosa derrota do Ministério Público, em particular do procurador Rosário Teixeira – que anunciou ir recorrer da decisão para o Tribunal da Relação – e do Juiz Carlos Alexandre, que dirigiu toda a fase de inquérito.
Assim, qualquer que venha a ser o epílogo deste processo, que se arrasta há sete anos, a conclusão óbvia é que a investigação foi mal conduzida, como referiu, aliás, de forma bastante vincada, no seu despacho, o Juiz Ivo Rosa, ao sublinhar a falta de factos concretos, indícios e provas, relativamente às acusações de corrupção e fraude fiscal, de que José Sócrates estava acusado.
O facto de estarmos perante uma enorme divergência entre a decisão do Juiz Carlos Alexandre, que acolheu as acusações feitas pelo procurador Rosário Teixeira e a do Juiz Ivo Rosa, que teve agora um entendimento diferente, decidindo não pronunciar José Sócrates, é suscetível de gerar uma enorme dúvida na opinião pública sobre as verdadeiras motivações dessa acusação, independentemente do modo como venha a terminar este processo. E mancha a imagem da justiça.
José Sócrates, ficou-se ontem a saber pela boca de Ivo Rosa, foi preso e esteve nove meses na cadeia de Évora, em prisão preventiva, por um alegado crime que, a existir, já tinha prescrito, o que dá credibilidade à tese dos que defendem que foi alvo de perseguição política, numa certa similitude com o que a aconteceu no Brasil, com Lula da Silva, vítima da não imparcialidade e dos interesses políticos de Dallagnol e do Juiz Sérgio Moro.
Pelo conhecimento que temos do que se passou, quer no Brasil quer em Portugal, tanto Lula como Sócrates foram alvo de um julgamento prévio e condenados pela generalidade dos media, que diariamente dedicaram dezenas de artigos e notícias aos seus alegados crimes, ao seu modo de vida faustoso e ao seu alegado enriquecimento ilícito, ao mesmo tempo que ignoravam práticas suspeitas de corrupção protagonizadas por políticos neoliberais e de direita que, em Portugal, floresceram sob a governação de Cavaco Silva.
Há, no entanto, em nossa opinião, uma diferença que não podemos deixar de assinalar entre os processos de Lula e Sócrates. Enquanto o Presidente brasileiro resistiu à campanha e perseguição de que foi vítima mantendo uma sólida base de apoio popular que lhe permite agora, que recuperou todos os seus direitos, pensar em concorrer às próximas presidenciais e estar até, segundo recente sondagem, à frente de Bolsonaro, José Sócrates não pode dizer o mesmo, sendo extremamente difícil relançar a sua carreira política, mesmo que venha a ser ilibado dos crimes de que está pronunciado.
Infelizmente, nem sempre a justiça resiste às tentações da política.
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