O Maranhão conseguirá civilizar o mito?, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Ao multar o presidente por infringir regras sanitárias, Flávio Dino deu um exemplo que deveria ser seguido pelo Procurador Geral da República.

O Maranhão conseguirá civilizar o mito?

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Essa semana terminou com dois fatos jurídicos interessantes. O governo Flávio Dino multou Jair Bolsonaro por promover aglomerações sem máscara no Maranhão. Augusto Aras ajuizou ação no STF para impedir a realização de operações policiais sem que o MPF atue como fiscal da Lei. 

A necessidade do Estado cumprir e fazer cumprir o princípio constitucional da legalidade conecta os dois episódios. 

O presidente da república não está acima da Lei. Bolsonaro pode e deve responder pelos atos ilegais que praticou durante a pandemia. Ao multar o presidente por infringir regras sanitárias, Flávio Dino deu um exemplo que deveria ser seguido pelo Procurador Geral da República. Afinal, Augusto Aras é a única autoridade que tem o poder dever de denunciar o presidente caso ele cometa crimes os seguintes crimes comuns capitulados no Código Penal.

“Art. 131 – Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio:

Art. 132 – Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente:

Art. 267 – Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos:

Art. 268 – Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:”

Desde que tomou posse, Jair Bolsonaro deliberadamente desafia os limites da legislação. Ele age como se fosse um monarca absolutista acima da Lei, obrigando o STF a revogar seus decretos inconstitucionais. No Maranhão ele repetiu o que vinha fazendo em Brasília. 

Apesar de representado pela OAB https://www.cartacapital.com.br/justica/oab-acusa-bolsonaro-de-cometer-crimes-e-pede-a-pgr-denuncia-ao-stf/, o presidente brasileiro segue facilitando a propagação de um vírus letal. Augusto Aras, porém, parece gostar mais de perseguir quem exige que ele cumpra suas obrigações funcionais do que de cumpri-las https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2021/05/20/aras-processa-professor-da-usp-por-artigo-e-postagens-no-twitter.htm.

Eu sou a constituição, disse Bolsonaro aos jornalistas. O Procurador Geral da República não precisa dizer nada. Sua ação ou inação para conter os abusos e atos criminosos cometidos pelo presidente da república são extremamente eloquentes. E, no entanto, Aras foi ao STF exigir o respeito ao princípio da legalidade em relação às operações policiais contra ministros do mito.

A PF destroçou o esquema de contrabando de madeira ilegalmente extraída da Amazônia que estava sendo organizado, legitimado ou acobertado pelo Ministério do Meio Ambiente https://www.infomoney.com.br/politica/pf-aponta-esquema-de-contrabando-de-madeira-no-meio-ambiente-em-operacao-que-envolve-salles/. O MPF funciona como fiscal da lei, mas não foi previamente informado da operação policial autorizada pelo STF. 

Essa anomalia jurídico-processual (a supressão da competência do MPF pelo STF), que já ocorreu no caso do Inquérito das Fake News, seria necessária se o Procurador Geral da República estivesse cumprindo fielmente suas obrigações funcionais? Augusto Aras não gostou de ser chamado de poste pelo professor da USP.  Mas de fato e de direito ele está sendo tratado pelo STF como se fosse um poste de Bolsonaro. 

No centro do problema está o princípio constitucional da legalidade. A observância dele pelas autoridades do Sistema de Justiça (no caso o MPF e o STF) deveria ser obrigatória e não facultativa. Há algo de podre no sistema constitucional brasileiro. Os defensores de Augusto Aras dirão que ele é o “ativismo judicial”. Os críticos da PGR estão convencidos que o “ativismo do STF” é apenas uma consequência inevitável da submissão do comando do MPF ao projeto político autoritário e genocida da presidência da república. 

O espaço para moderação e respeito mútuo entre OAB, PGR e STF não existe mais. Ele foi destruído pelas ações extremadas de um líder político que vomita ódio sempre que fala e que faz questão de desafiar diariamente todos os princípios constitucionais e legais que limitam o poder presidencial. A especialidade de Bolsonaro é matar e ele está causando a morte não apenas dos cidadãos, mas inclusive e principalmente do sistema constitucional construído para garantir a racionalidade e o funcionamento do Sistema de Justiça.  

Flávio Dino fez bem em multar Bolsonaro. Isso vai obrigá-lo a se submeter ou, quem sabe, a questionar na Justiça a legitimidade do auto de infração. Não importa o que ele decida fazer. O fato é que ele foi colocado na posição em que merece estar: a de um cidadão abaixo da Lei e não a de um tirano com o poder de rasgá-la sempre que quiser. 

Nesse caso, o Procurador Geral da República não poderá fazer nada para proteger Bolsonaro. Ele não tem competência para interferir na aplicação da Lei estadual do Maranhão que define obrigações sanitárias. O presidente ficará à mercê do Tribunal maranhense encarregado de anular ou executar o auto de infração. 

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Fábio de Oliveira Ribeiro

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