ONU demonstra preocupação com projeto de lei sobre terrorismo

Segundo o Escritório, o trecho seria uma “construção ideológica” e seria um exemplo da “velha tendência dos Estados a recorrer ao conceito de ‘terrorismo’ para desacreditar movimentos políticos, éticos, regionais ou de outro tipo que simplesmente não gostam”.

Divulgação ONU/Rick Bajornas

da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania – Câmara dos Deputados

ONU demonstra preocupação com projeto de lei sobre terrorismo

Em análise, solicitada pela Presidência da CDHM, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos aponta que o PL n°1595/2019 poderá criar fortes limitações às liberdades fundamentais, estimular e facilitar a repressão e impactar diretamente a atuação da sociedade civil, movimentos sociais e pessoas defensoras dos direitos humanos

Divulgação ONU/Rick Bajornas

A Câmara dos Deputados instalou a Comissão Especial para analisar o Projeto de Lei n°1595/2019, que dispõe sobre ações contraterroristas e altera as Leis nº 10.257/2001 e nº 9.807/1999, na última terça-feira (29). O deputado Evair Vieira de Melo (PP/ES) foi eleito presidente da comissão e designou o deputado Sanderson (PSL-RS) como relator da matéria.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, deputado Carlos Veras (PT/PE), solicitou, em abril, análise da proposição ao Representante Regional para América do Sul do Alto Comissariado de Direitos Humanos, Jan Jarab. Em resposta, no último 25 de maio, o Escritório Regional reforçou o apoio ao Estado brasileiro no cumprimento dos seus compromissos internacionais de direitos humanos e expressou preocupação com o andamento do projeto.

O documento destaca que o Conselho de Direitos Humanos da ONU tem observado com preocupação casos em que a legislação nacional de segurança e contra o terrorismo foram mal utilizadas, com o intuito de cercear o importante trabalho desenvolvido por defensoras e defensores dos direitos humanos, colocando em risco a segurança desse grupo e minando eventuais oposições políticas.

Ressalta ainda que o Pacto Internacional dos Direitos Políticos e Civis (PIDCP) garante o direito à liberdade de opinião e expressão, à liberdade de reunião pacífica, à liberdade de associação e o direito de participar na condução dos assuntos públicos. E que, nesse sentido, o Comitê de Direitos Humanos declara: “Embora os atos de terrorismo devam ser criminalizados de acordo com o direito internacional, a definição desses crimes não deve ser excessivamente ampla ou discriminatória e não deve ser aplicada de maneira que restrinja ou desencoraje o exercício do direito de reunião pacífica”.

Em sua Resolução n° 7/36, o Conselho de Direitos Humanos da ONU firmou a necessidade de garantir que a invocação da segurança nacional, incluindo quando utilizada para conter o terrorismo, não seja usada injustificadamente ou arbitrariamente, restringindo o direito à liberdade de opinião e expressão.

A análise destaca que a própria justificativa do Projeto da Lei admite que o Brasil não é um alvo típico para ações de cunho terrorista e que os argumentos são especulativos e hipotéticos, e sinaliza preocupação especial com o trecho que alega que “os crimes cometidos por alas radicais de movimentos sociais” são “extremamente próximos conceitualmente do que seria o terrorismo”.

Segundo o Escritório, o trecho seria uma “construção ideológica” e seria um exemplo da “velha tendência dos Estados a recorrer ao conceito de ‘terrorismo’ para desacreditar movimentos políticos, éticos, regionais ou de outro tipo que simplesmente não gostam”.

De acordo com a análise, ao reduzir as sanções para agentes do Estado que ferirem ou matarem em legítima defesa, somado à amplitude do conceito do terrorismo, concederia uma espécie de licença para matar em caso de hipótese, ainda que vaga, de ameaça.

Espaço para ambiguidade

A inclusão dos atos não tipificados como crime de terrorismo na aplicação da Lei Antiterrorismo seria, de acordo com o parecer, contrária às normas internacionais, por propiciar espaço de ambiguidade. A lei penal deve definir claramente a conduta que é proibida. O princípio da segurança jurídica exige que as leis penais sejam suficientemente precisas para evitar uso arbitrário.

Relatores da ONU

Além da manifestação aos deputados, em carta enviada ao governo brasileiro, no último dia 15 de junho, sete relatores da ONU também apontaram que o PL 1595/2019 da Câmara e PLS 272/2016 do Senado ameaçam silenciar críticos e a oposição, criminalizar movimentos sociais e greves, além de restringir liberdades fundamentais. Os relatores recomendaram a revisão e reconsideração de certos aspectos das propostas para garantir que estejam em conformidade com as obrigações internacionais de direitos humanos do Brasil e alertaram que o momento de pandemia da Covid-19 não permite o necessário escrutínio público das matérias.

Fábia Pessoa/CDHM

Redação

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