Os bons estão nos deixando, por Marcelo Auler

Auler traz uma crônica de despedida do amigo jornalista José Ribamar de Oliveira Junior

Os bons estão nos deixando

por Marcelo Auler

Foi uma convivência até bastante curta em termos de relacionamento no dia a dia. Ocorreu entre o final de 1978 e final de 1980, período em que morei em Brasília. Época em que conheci e convivi com José Ribamar de Oliveira Junior. Trabalhamos juntos no Jornal de Brasília, sob a batuta do Francisco Baker (Editor geral do jornal) e do também maranhense, como Ribamar, José Negreiros (diretor de redação).

Mesma época em que Brasília atraiu, a princípio para o Jornal de Brasília, outros colegas como os mineiros José Roberto Alencar (1945/2007) e Maria Inês Nassif e o alagoano Jorge Oliveira, o Jorge Arapiraca.

Embora a convivência tenha sido pequena, pois logo mudei-me de Brasília, a amizade com Zé de Riba (maneira como chamava Ribamar) se solidificou com o tempo. Afinal, mesmo em apenas dois anos, a convivência foi grande e a cumplicidade na luta contra a ditadura maior ainda.

Tenho na memória, por exemplo, quando eu e Ribamar, ao lado de colegas como Beth Cataldo, Paulo Fona, passávamos noites/madrugadas na gráfica do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal – do qual Riba foi vice-presidente, na gestão de Hélio Doyle – rodando jornais com noticiário da greve dos nossos colegas de São Paulo (1979).

Apenas uma das muitas lembranças de uma convivência curta que solidificou a amizade para o resto da vida, ainda que à distância. Convivência que nos levou, eu já morando em São Paulo, na companhia da querida Maria Renata Bueno de Azevedo, a comermos uma pizza no Micheluccio, da Rua da Consolação (defronte ao cine Belas Artes).

Ali, Zé de Riba insistiu, por três vezes, em pedir cachup e mostarda. Diante da insistência, o garçom não se conteve e saiu em defesa da tradição da casa: “meu amigo, o senhor está em uma pizzaria, não em uma lanchonete. Se insistir em colocar catchup e mostarda na nossa pizza, o convidarei a se retirar sem precisar pagar a conta”. Precisei contemporizar, informando ao garçom que Zé de Riba vinha de Codó, no Maranhão, onde certamente não existiam pizzarias.

Zé de Riba ouviu calado e eu ganhei uma história para me contrapor aos comentários sempre sarcásticos e sempre bem humorados do Zé de Riba, que não perdia oportunidades de alfinetar-me carinhosamente.

Ele, embora nunca tenha conhecido outro grande amigo, Ivan Alves (jornalista com o qual trabalhei na revista Manchete), incorporou o apelido que Alves me impôs em meados dos anos 70: “Força Cega”. Era como Zé de Riba me tratava, carinhosamente, em contraponto ao Zé de Riba que eu usava.

Ontem (01/06) o humor dele foi apagado. Nos foi roubado. Ribamar despediu-se de nós como mais uma vítima do desgoverno que negou a pandemia e retardou a compra de imunizantes, como tem ficado cada dia mais claro. Tivéssemos a vacina antes, certamente essa grande figura poderia ter se livrado da Covid-19 que o abateu há 50 dias, levando-o para um leito hospitalar, no qual Zé de Riba perdeu a batalha.

Fica um vazio e uma preocupação. Grandes amigos estão nos deixando. Em 2018, perdemos José Negreiros, para um câncer. Agora, por incúria do desgoverno, perdemos José Ribamar, que muito ainda haveria de contribuir para restaurarmos o regime democrático pelo qual, juntos, brigamos nos anos 70.

A foto abaixo é do último encontro de nós três, em julho de 2017, quando dividimos um prato de tilápia no restaurante de outro amigo, Adriano Lopes, na Asa Sul de Brasília.

Ali, comemoramos a amizade iniciada lá nos idos de 1978 e solidificada com o tempo, mesmo à distância. Um encontro que não mais se repetirá aqui embaixo. Mas certamente o maranhense de Codó, Zé de Riba, já encontrou o conterrâneo de São Luís, Negreiros, e juntos devem estar dando muitas risadas, recordando momentos mais do que agradáveis que compartilharam com os que aqui continuam na luta.

Tenho certeza que, matada a saudade, ambos nos ajudarão nos iluminando e dando força para derrotarmos o genocida.

Vá em paz, Zé de Riba, mais uma vez, obrigado pela sua amizade. Pelos muitos momentos que passamos juntos, ainda que em alguns deles divergindo. Obrigado por tudo e leve meu abraço ao grande amigo Negreiros.

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

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