Sade, Hayek e von Mises: os pais fundadores do neoliberalismo bolsonarista, por Fábio de Oliveira Ribeiro

O neoliberalismo é o sadismo acima de todos. A agressão como fundamentos da atividade governamental. A solidão e o abandono como experiências sociais fundamentais garantida pelo Estado.

Sade, Hayek e von Mises: os pais fundadores do neoliberalismo bolsonarista

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Os autores que se dedicam ao estudo do bolsonarismo foram capazes de afirmar que:

“O egoísmo passa progressivamente a substituir a solidariedade no campo social. A imagem positiva do ‘individualismo’, ligada à autonomia do sujeito, gerada no curso do processo civilizatório, dá lugar ao egoísmo  (agora transformado em virtude) que é um dos efeitos da desconstrução tanto da imagem positiva do Estado Social quanto das reservas de solidariedade.” (Bolsonaro o mito e o sintoma, Rubens R.R. Casara, editora Contracorrente, São Paulo, 2020, p. 117)

Mas eles não foram capazes de extrair de suas observações o princípio filosófico que irradia as ilusões políticas e econômicas criadas pelo neoliberalismo. Esse fenômeno contemporâneo continua sendo referido como uma corrente econômica minoritária criada por Friedrich August von Hayek e Ludwig von Mises que ganhou proeminência e se tornou dominante nos anos 1980.

A essência filosófica do neoliberalismo, entretanto, não se encontra na valorização do esforço individual e da propriedade ou na rejeição de todos as fontes de opressão econômicas/estatais e sim nas formas pervertidas de relacionamento interpessoal. O egoísmo não é a causa e sim o sintoma de uma patologia. E essa patologia tem um nome: o sadismo.

Donatien Alphonse François de Sade, o Marquês de Sade, eloquentemente proclamou que a essência da experiência humana é a solidão e a agressão “Não nascemos todos isolados? E digo mais, todos inimigos uns dos outros, todos num estado de perpétua guerra recíproca?”.

No art. 43 do STATUTS DE LA SOCIÉTÉ DES AMIS DU CRIME, Sade explicita uma fatalidade: a sujeição do homem à natureza e a inevitabilidade da Lei humana ser subjugada pela Lei natural.

“…c’est parce qu’il est dans ses principes que l’homme n’a pas le pouvoir de faire des lois qui gênent et contrarient celles de la nature…” http://pileface.com/sollers/IMG/pdf/Statuts_de_la_Societe_des_Amis_du_Crime.pdf

Tradução:

“… faz parte dos princípios do homem não ter o poder de fazer leis que perturbem e contrariem as leis da natureza…”

A impotência do homem diante de suas pulsões é o elemento central em torno do qual foi elaborada a teoria econômica de Friedrich August von Hayek e Ludwig von Mises. O neoliberalismo pode, portanto, ser considerado uma corrente de pensamento que se origina das teses do Marquês de Sade. Na sua forma mais escabrosa, aquela que se consolida no Brasil desde 2018, ela assume uma linguagem típica da prosa daquele escritor francês.

Reduzir mortes por coronavírus é pior para a economia, falou o presidente do Banco Central aos investidores https://theintercept.com/2020/04/16/banco-central-presidente-coronavirus-economia/ Deixa cada um se foder do jeito que quiser,  disse o Ministro da Economia Paulo Guedes a Damares Alves numa reunião ministerial https://www.metropoles.com/brasil/justica/guedes-pede-a-damares-deixa-cada-um-se-foder-do-jeito-que-quiser. Bolsonaro sabotou a compra de vacinas da Pfizer e fez propaganda de remédios ineficazes para não perturbar e não contrariar as leis da natureza. 

O Estado não deve ter obrigação de garantir o direito à direito à vida ou de respeitar a dignidade humana, pois essas normas constitucionais contrariam os fundamentos políticos da sociedade civil incivil imaginada por Donatien Alphonse François de Sade e por seus discípulos Friedrich August von Hayek,  Ludwig von Mises. Morra quem morrer… o objetivo do governo não deve ser vacinar a maior quantidade de pessoas, mas garantir o crescimento econômico mediante a supressão de vidas humanas para desonerar o orçamento. Não por acaso o Ministério da Saúde deixou Manaus sem oxigênio hospitalar. O sacrifício de parte do rebanho é uma medida profilática indispensável para garantir sua imunização. 

O neoliberalismo é o sadismo acima de todos. A agressão como fundamentos da atividade governamental. A solidão e o abandono como experiências sociais fundamentais garantida pelo Estado. O bem privado transformado na distribuição pública do mal que possibilita a racionalização dos gastos estatais e o entesouramento dos lucros financeiros com o maior sofrimento possível.

“… para Kant, o mal radical nunca pode ser abolido, de modo que uma nova noção da natureza humana harmonizada com as exigências éticas não faz sentido, ou melhor, é uma tentação angélica perigosíssima. Com relação ao problema da natureza humana, deveríamos notar que, tanto para Kant quanto para Sade, o recurso à ‘natureza’ é um gesto sintomático por meio do qual eles se afastam das principais conseqüencias de seu edifício teórico: ‘A natureza é, em Sade como em Kant, o sintoma daquilo que resta como impensado nos pensadores do universal’ [Monique David-Menard]. Ou seja, em ambos os casos lidamos com uma certa ambigüidade estruturalmente necessária do termo. Kant começa definindo a natureza como o Todo dos fenômenos, da realidade fenomenal, na medida em que se mantém unida ( e está sujeita a) leis universais; mais tarde, no entanto, ele fala de outra Natureza numenal como o reino das finalidades éticas, como a comunidade de todos os seres éticos racionais. O próprio excesso de liberdade além da natureza (o encadeamento natural de causas e efeitos) é então novamente naturalizado… Sade, por outro lado, concebe a natureza primeiro como sistema indiferente da matéria sujeita a mudança eterna, seguindo inexoravelmente seu curso, não submetida a nenhum Senhor Divino externo; entretanto, ao afirmar que, quando sentimos prazer em torturar o próximo e destruí-lo, até a interrupção do próprio ciclo natural de reprodução, quando cumprimos efetivamente a solicitação mais íntima da Natureza, ele introduz secretamente outra forma de natureza, não mais o curso indiferente usual das coisas ‘além do Bem e do Mal’, mas a Natureza que, de alguma forma, já é subjetivada, transformada numa entidade transgressora/diabólica que ordena que busquemos o mal e tenhamos prazer na destruição e no sacrifício de toda forma de moralidade e compaixão.” (A visão em paralaxe, Slavoj Zizek, Boitempo, São Paulo, 2008, p. 129/130)

A irracionalidade da pregação evangélica completa o quadro brasileiro. O pastor Malafaia transportou a perversão teológica do Marquês de Sade para dentro do cristianismo ao glorificar todos os vícios de Bolsonaro como se eles fossem manifestações de profunda identificação com Deus https://www.facebook.com/quebrandootabu/videos/1355144654633983

“Eu sou a favor da tortura.” “Minha especialidade é matar”. “E daí?” 

As frases ditas por pelo presidente da república antes https://www.cartacapital.com.br/politica/bolsonaro-em-25-frases-polemicas/ e depois do início da pandemia revelam o homem perverso por trás do mito  https://www.dw.com/pt-br/v%C3%ADrus-verbal-frases-de-bolsonaro-sobre-a-p andemia/g-54080275. Esse é o ser humano vil, desprezível, fraco e louco ungido, elogiado e defendido por Malafaia. 

Os pastores bolsonaristas se colocaram a serviço do vírus letal mantendo suas igrejas abertas para possibilitar sua propagação. Quando não obtêm lucro vendendo água benta anti-COVID, eles rejeitam a vacina e advogam o tratamento com medicamentos inúteis e extremamente tóxicos. 

O sadismo político, econômico e teológico também tem a sua contrapartida jurídica. O Lawfare, que preconiza a instrumentalização partidária do Sistema de Justiça para a consumação da vingança política desejada e apoiada pela imprensa, que rejeita qualquer eticidade kantiana nas relações entre o Estado e os cidadãos selecionados para serem torturados e presos mediante o indevido processo ilegal, também reconhece a validade suprema das leis naturais enunciadas pelo Marquês de Sade. 

A perversão do Direito no lugar do próprio Direito. As “…leis que perturbem e contrariem as leis da natureza…” devem ser ignoradas ou interpretadas de maneira maliciosa, pois os fins justificam os meios. É assim que a valorização privada do esforço individual e da propriedade e a rejeição de todas as fontes de opressão econômicas/estatais (Friedrich August von Hayek,  Ludwig von Mises) se torna uma perversão pública. 

Não por acaso, vários diálogos entre os procuradores federais revelados pela Vaza Jato podem ser considerados exemplos típicos da prosa do Marquês de Sade. Esse grande filósofo da natureza “…transformada numa entidade transgressora/diabólica que ordena que busquemos o mal e tenhamos prazer na destruição e no sacrifício de toda forma de moralidade e compaixão.” (Slavoj Zizek) foi elevado à condição de jurisconsulto neoliberal. 

Por fim, Donatien Alphonse François de Sade deve ser considerado o “pai fundador” do jornalismo lavajateiro, que fez tudo aquilo que não devia para destruir Lula e Dilma porque ambos cometeram um crime imperdoável: tratar os brasileiros como seres humanos dignos e não como animais que merecem ser abatidos aos milhares por uma pandemia. Mas agora que o cachorro louco sádico começou a morder até os jornalistas, eles ficaram com medo. Esse medo do mito, porém, não pode ser considerado um sinônimo de arrependimento.  

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Fábio de Oliveira Ribeiro

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