Sobre Anderson, Margarida e os brasileiros que vivem entre a ignorância e o ódio, por Eduardo Ramos

Quantas décadas serão necessárias para que Andersons e Margaridas abandonem, os primeiros, seu ódio, sua selvageria tosca, os segundos, sua ignorância?

Sobre Anderson, Margarida e os brasileiros que vivem entre a ignorância e o ódio

por Eduardo Ramos

Muitos memes atacam nas redes sociais os brasileiros jocosamente chamados de “pobres de direita”. De fato, soa como um contrassenso quase inacreditável que os brasileiros pobres ou de classe média baixa possam abraçar convictamente os discursos ideológicos mais tacanhos da direita brasileira.

Vi dois exemplos recentemente nas redes sociais que, por mais que soubesse serem comuns, milhões na verdade, me deixaram perplexo e me entristeceram profundamente ao pensar, pessimista, quantas décadas serão necessárias para que Andersons e Margaridas abandonem, os primeiros, seu ódio, sua selvageria tosca, os segundos, sua ignorância, fruto de uma ingenuidade e falta de cognição com a realidade insanas e de uma manipulação perversa da qual jamais se darão conta.

Anderson, o primeiro caso, é jovem, na casa dos 30 anos, e se divertiu em um post que denunciava a chacina cruel e trágica no Jacarezinho, ofendendo todos os debatedores de esquerda presentes no post, com palavrões. A única vez que se manifestou para defender sua opinião foi para dizer que “chorava apenas pelo policial morto, os bandidos tinham mais é que morrer mesmo!” – assim, curto, grosso, convicto.

Algumas pessoas tentaram (eu nunca me conformo com esse grau de ingenuidade…) argumentar e elaboravam raciocínios perfeitos, se utilizados com uma pessoa em um estado – ou capacidade humana – normal, de empatia, Educação, conhecimento político mínimo, disposição para uma troca de ideias, etc. Outras partiram logo para os xingamentos. A umas trinta pessoas, Anderson respondeu da mesma forma: “VTNC”. E, imaginei o quanto se divertiu agredindo os “esquerdopatas fdp”, tirando-os do sério de um modo ou de outro, enquanto pregava seu ódio aos favelados assassinados e chorava a morte do policial, repetindo o discurso oficial das autoridades fluminenses.

Fui visitar a sua página, me deu uma curiosidade mórbida de conhecer um pouco mais aquele ser humano, tão limitado e tosco em sua percepção do mundo.

Mulato, morador da Baixada Fluminense, classe média baixa, com fotos bonitas e ternas, onde declarava seu amor à mulher e, num outro post logo abaixo, ao filho pequeno. No mais, bobagens culturais, fotos de jogadores do Flamengo, defesas leves do governo e nenhuma amostra de estarmos lidando com um cão raivoso, provocador e comemorador de chacinas.

Margarida representa um outro perfil, mais dócil, educada, tanto que das dezenas de pessoas que responderam ao seu comentário, apenas duas foram agressivas, não se contendo com tamanha falta de inteligência e a ignorância demonstradas.

Era um post sobre três mil e poucas mortes por COVID naquele dia no Brasil, e logo no primeiro comentário ela “alerta” as pessoas:

“Gente, por favor, isso está errado! É claro que tem outras causas aí no meio, não é isso tudo não! Aí está encaixado quem morreu de infarte, pneumonia, esse número está errado, é para prejudicar o presidente!…”

Quem olhava na foto aquela senhora meio obesa, com roupas simples e uma criança que parecia ser seu neto e um sorriso simples no rosto, saberia de imediato não estar diante do bolsominion clássico com seu ódio e virulência .

Margarida é só um dos milhões de brasileiros que acreditaram nos Fake News espalhados desde 2018, e que não cessaram, junto com os dezenas de Youtubbers profissionais que se vendem para propagarem todas as mentiras do clã Bolsonaro. Não duvido nada que seja evangélica, escute de seu pastor todos os domingos que “os comunistas filhos do diabo estão tentando destruir o governo Bolsonaro”, enquanto Margaridas choram nos bancos das igrejas, cegas, escravas de uma manipulação que não entenderiam em cem anos de vida que tivessem…

Há poucos dias li um dos posts mais lindos do GGN nos últimos tempos: “Por que ler Vidas Secas?”, do Michel Aires de Souza Dias. Ele explica em termos simples e belos, porque Fabiano, o personagem principal está condenado à sua vida de “homem-bicho”, limitado, suas potencialidades todas travadas cruelmente pelas limitações a ele impostas, POR SUA FALTA DE LINGUAGEM. Claro! Palavras são signos, são os signos que nos trazem o mundo, as ideias, a consciência da vida, das interações, do poder, de tudo. Compreendemos porque Fabiano está CONDENADO a ser o que é.

Anderson e Margarida são “Fabianos modernos urbanos”. Um, odeia, celebra chacinas e se diverte com seus “VTNC” dirigidos aos “comunistas e petralhas”. Sente-se um rei seguindo “o mito”. Um pobre diabo enclausurado no seu fanatismo. A outra, ingênua, poliana além dos limites que podemos acreditar. Pensa em Bolsonaro como uma espécie de “irmão em Cristo”. Acredita que as mortes pelo COVID são “uma invenção exagerada” para prejudicar o presidente. O ódio e a ingenuidade extremos, de mãos dadas, ambos destruindo a cognição com a realidade, ambos espalhando ignorância, fanatismo, preconceitos, cegueira.

Os que queremos um dia sair desse pântano fétido, desse Hospício que viramos, temos que ter a mais clara consciência que o único antídoto que nos salvará no futuro de mais um Golpe, mais um presidente bestial, mais um retrocesso de meio século, não será apenas a eleição de um “Lula”, seja o nosso, o original, ou um “Lula futuro”, um Boulos, por exemplo, que personifica essa esperança a longo prazo.

Ou investimos de um modo radical e pesado em Educação – em todos os níveis! – e leis contra o monopólio midiático e contra as Fake News, ou seremos eternamente esse país de Andersons e Margaridas, nossos tristes “Fabianos contemporâneos”.

(eduardo ramos)

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

2 Comentários

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  1. Por isso a satanização de Paulo Freire, a perseguição às Universidades, o abandono das pesquisas. O obscurantismo medieval de Olavo, Banner e Duggin, financiado por bilionários supremacistas. Facebook, Cambridge Analytica e afins foram determinantes para o Brexit e pelas eleições da extrema direita pelo Universo!

  2. Gostaria de concordar com você que o problema é a falta de Educação. Já pensei assim um dia. Mas, infelizmente, não é. Depois de conhecer pessoas bem relacionadas (e intencionadas), com nível superior, que pensam igual aos Andersons e as Margaridas, ou pior, descobri que o problema não é a Educação ou a falta dela. O problema é de caráter, do “jeitinho brasileiro”, do “o mundo é dos expertos”. Resumindo, o problema é o brasileiro, não o Brasil.

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