Sufrágil
por Guilherme Scalzilli
Desconfio das urnas eletrônicas desde sua adoção no país. Sempre achei temerária a falta de evidências tangíveis da vontade do eleitor. Não parece razoável a ideia de auditar voto sem voto, conferindo números gerados por códigos digitais.
Os defensores do sistema fogem de questões técnicas envolvendo sua segurança. Ora se apegam à relativa simplicidade operacional e à rapidez do método, ora tratam o TSE, a PF e as empresas licitadas como fiadores das próprias competências e idoneidades.
A mentira do endosso internacional ajuda a ocultar os problemas levantados pelos países que testaram e reprovaram a urna eletrônica. Alemanha, Holanda e Irlanda, por exemplo, afirmaram que ela não permite sequer a detecção de eventuais ilícitos.
A mídia ignora os estudos publicados, inclusive de universidades brasileiras. Ninguém dedica ao assunto o rigor científico exigido nos debates sobre a pandemia. O aval de pesquisas acadêmicas revisadas não é importante para definirmos como votamos.
Essa postura, negacionista a seu modo, ressuscita o clima do triunfo da Lava Jato. As instituições funcionam e garantem a urna programada. Os incrédulos são teóricos da conspiração ou, pior, inimigos de um “processo democrático” sólido e transparente.
Antes de abraçarmos uma narrativa oposta aos planos de Jair Bolsonaro, deveríamos ter certeza de conhecê-los. A suposição de que pretende apenas desacreditar os resultados vale tanto quanto as outras imagináveis. É a mais amena delas, na verdade.
Hipoteticamente, as bravatas de Bolsonaro podem estar preparando terreno até para um ataque às urnas. Se não uma fraude que lhe dê a vitória, um defeito qualquer que anule a votação. O álibi no mínimo fortaleceria o presidente em caso de nova disputa.
A pujança democrática do país obriga-me a salientar que se trata de mera especulação. Não temos motivos para imaginar conluios unindo células golpistas da PF e agentes militares de inteligência que trabalham em segredo para o governo. São todos patriotas.
Na minha paranoia, contudo, vivemos sob um regime despótico encarregado de gerir o vulnerável sistema de votação do qual dependemos para superá-lo. Os fascistas desse pesadelo são atualizados e proativos. Têm apoio nas cortes e nas polícias.
É fácil exigir provas de mentiras sabidamente improváveis. Mas o outro gume da faca também corta: o acusador futuro talvez venha a ter razão. E os justos ficarão limitados ao mesmo escrutínio falho e inconclusivo que outrora permitiu calar os mentirosos.
Os democratas caem numa armadilha quando se comprometem com a urna eletrônica. Desqualificam de antemão suas possíveis denúncias contra a tutela bolsonarista do equipamento. Naturalizam a imprevisibilidade e assumem riscos desnecessários.
Urge discutir a tecnologia eleitoral cientificamente, sem republicanismo ingênuo. Se for necessário, reivindicar a impressão do voto. A disputa com Bolsonaro é séria demais para dependermos de amostragens irrisórias e somas redundantes de boletins de urna.
http://guilhermescalzilli.blogspot.com/2021/06/sufragil.html
Guilherme Scalzilli é historiador e escritor. Mestre em Divulgação Científica e Cultural, doutor em Meios e Processos Audiovisuais. Website: www.guilhermescalzilli.blogspot.com
Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN
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Guilherme Scalzilli,
Perfeito!
A discusão sobre a urna eletrônica não pode ser ideológica mas científica. A discussão sobre fraude vai perdurar sempre.
Eu particularmente, sem o conhecimento de informática preferiria que houvesse o voto impresso, mas se o mundo científico pudesse assegurar que o voto só eletrônico fosse suficiente, fosse auditável, eu me daria por satisfeito.
E penso que o mais relevante seria verificar quais os países adotam o voto eletrônico sem voto impresso e se tem havido mudança de modelo algo como voto eletrônico sem voto impresso passa para o voto eletrôncio com voto impresso e vice versa.
Clever Mendes de Oliveira
BH, 18/06/2021