Suspeito e para sempre suspeito, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Águas passadas, o triunfo do advogado não deve representar a humilhação do juiz beligerante. Sérgio Moro não foi vítima de seu próprio método, mas da ausência dele.

Lula Marques

Suspeito e para sempre suspeito

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Em 24/06/2021 Lula recebeu de seus advogados a certidão de conclusão do julgamento que declarou o juiz Sérgio Moro suspeito e incompetente para julgar o caso do Triplex. Na mesma data o Ministro Gilmar Mende estendeu os efeitos da decisão aos outros processos de Lula em que aquele juiz atuou.

Fim de jogo. No final do confronto, Lula levou a melhor e se prepara para disputar uma nova eleição presidencial. Sérgio Moro perdeu a toga, a credibilidade e vive um amargo autoexílio nos EUA.

No meu blogue do GGN escrevi dezenas de textos sobre a Lava Jato e alguns sobre a Vaza Jato. O que mais me agrada é aquele em que defendi as prerrogativas do colega Cristiano Zanin Martins no momento em que Sérgio Moro o acusou de beligerância https://jornalggn.com.br/artigos/desde-quando-o-advogado-deve-aceitar-a-beligerancia-do-juiz/.

Águas passadas, o triunfo do advogado não deve representar a humilhação do juiz beligerante. Sérgio Moro não foi vítima de seu próprio método, mas da ausência dele. Explico. Antes da Lava Jato começar, ele publicou um texto comentando a Operação Mani Pulite em que defendeu o uso da imprensa como instrumento extraprocessual para combater a corrupção:

“Talvez a lição mais importante de todo o episódio seja a de que a ação judicial contra a corrupção só se mostra eficaz com o apoio da democracia. É esta quem define os limites e as possibilidades da ação judicial. Enquanto ela contar com o apoio da opinião pública, tem condições de avançar e apresentar bons resultados. Se isso não ocorrer, dificilmente encontrará êxito. Por certo, a opinião pública favorável também demanda que a ação judicial alcance bons resultados. Somente investigações e ações exitosas podem angariá-la. Daí também o risco de divulgação prematura de informações acerca de investigações criminais. Caso as suspeitas não se confirmem, a credibilidade do órgão judicial pode ser abalada.”

https://www.conjur.com.br/dl/artigo-moro-mani-pulite.pdf

Assim que recebeu um prêmio das mãos dos donos da Rede Globo, o juiz da Lava Jato começou a confundir “opinião pública” com “opinião publicada”. Ele não apenas passou a abastecer os jornalistas com informações, mas e exercer um poder excepcional em virtude do uso estratégico de vazamentos para causar resultados eleitorais.

No auge da operação, Sérgio Moro gozava de grande credibilidade e passeava no Congresso Nacional como se fosse um representante plenipotenciário com poderes para dizer qual deveria ser a nova legislação brasileira. Ele passou a “interpretar” decisões do STF e a se comportar como não tivesse obrigação de cumprir a Lei.

Não cumprir a Lei, aliás, foi uma prerrogativa lhe concedida expressamente pelo TRF-4:

“Ora, é sabido que os processos e investigações criminais decorrentes da chamada “Operação Lava-Jato”, sob a direção do magistrado representado, constituem caso inédito (único, excepcional) no direito brasileiro. Em tais condições, neles haverá situações inéditas, que escaparão ao regramento genérico, destinado aos casos comuns. Assim, tendo o levantamento do sigilo das comunicações telefônicas de investigados na referida operação servido para preservá-la das sucessivas e notórias tentativas de obstrução, por parte daqueles, garantindo-se assim a futura aplicação da lei penal, é correto entender que o sigilo das comunicações telefônicas (Constituição, art. 5º, XII) pode, em casos excepcionais, ser suplantado pelo interesse geral na administração da justiça e na aplicação da lei penal. A ameaça permanente à continuidade das investigações da Operação Lava-Jato, inclusive mediante sugestões de alterações na legislação, constitui, sem dúvida, uma situação inédita, a merecer um tratamento excepcional.” https://www.conjur.com.br/dl/lava-jato-nao-seguir-regras-casos.pdf

Com seu rosto pálido e quadrado, ostentando uma expressão afetada de seriedade que não corresponde ao seu tom de voz, Sérgio Moro apresentava-se em público como se fosse o deus Apolo (aquele que fere de longe). O resultado da Lava Jato reduziu o juiz à modesta condição de Pã, deus dos bosques, campos, rebanhos e pastores que ousou desafiar Apolo para uma disputa musical.

“Nada explica melhor a função de Pã que o epiteto de deus dos caçadores: toda ação natural, todo movimento e todo processo da natureza nada mais são do que uma caçada. As ciências e as artes caçam suas obras, as decisões humanas caçam seus objetivos e todas as coisas da natureza ou caçam alimento, que é como caçar presa, ou prazeres, que é como caçar recreação. E também aqui, segundo métodos habilidosos e solertes:

O leão persegue o lobo; o lobo persegue o cordeiro;

O cordeiro persegue a erva por vales e colinas.” (A sabedoria dos antigos, Francis Bacon, editora Unesp, São Paulo, 2002, p. 36)

Se o processo é um instrumento de caça, o juiz pode ser considerado um caçador. Mas é um erro acreditar que ele caça o réu ou o crime como se fosse um herói (o voto vencido de Marco Aurélio de Mello em favor de Sérgio Moro obviamente partiu de uma premissa errada). O processo existe para garantir a segurança jurídica e a impessoalidade das decisões judiciais proferidas pelos agentes do Estado. Portanto, o juiz é um caçador de decisões válidas capazes de se sustentar diante dos ataques do réu em virtude das regras processuais terem sido corretamente observadas.

Ninguém pode dizer que Sérgio Moro ignorava esse detalhe importante. Pois no texto sobre a Mani Pulite ele disse as relações entre o Judiciário e a imprensa ter um efeito indesejado “… a credibilidade do órgão judicial pode ser abalada.”

Sérgio Moro errou, mas não errou sozinho. Na verdade, podemos dizer que ele foi induzido a erro.

Ao se identificar com a imagem criada para ele pela imprensa, o juiz da Lava Jato não percebeu que estava sendo usado e, de certa maneira, instigado a abandonar a parcialidade. Quanto mais parecia imparcial, mais ele era aplaudido pela imprensa. A apoteose deste fenômeno ocorreu quando as revistas anteciparam que a audiência de Lula seria uma luta de boxe ou, talvez, um conflito de personagens de HQ.

Essa dinâmica (a do conflito entre Lula e Sérgio Moro), que foi estrategicamente utilizada pela defesa, era obviamente mais interessante ao réu do que ao juiz. O réu pode hostilizar o processo e tentar desacreditar o juiz, mas este deve fazer o que for necessário para preservar sua imparcialidade e a percepção de que age de maneira imparcial. Sérgio Moro obviamente falhou, pois o STF reconheceu que ele agiu e pareceu agir com parcialidade para prejudicar o réu.

Nem leão, nem lobo, nem cordeiro, Sérgio Moro virou a erva que se espalha pelos vales e colinas. O exemplo que ele deu (e que não deveria ter dado segundo aquilo que havia publicado) será eternamente lembrado. Ele sem dúvida merece ser debatido nas Faculdades de Direito e analisado com cuidado nas Escolas de Magistratura. Os juízes não devem agir como Sérgio Moro agiu. Como eles devem se comportar? A resposta a essa pergunta é simples: a obrigação funcional deles é cumprir e fazer cumprir a Lei, nem mais nem menos.

Quem faz as notícias são os jornalistas. Quem interfere e modela o “campo político” são os estadistas que disputam eleições. Os heróis só existem nas HQs, nos seriados de TV e nos filmes de Hollywood. As operações policiais não são novelas jornalísticas. Quando aceita ser transformado num ator, num personagem jornalístico ou num herói midiático, o juiz destrói aquilo que garante sua credibilidade: o distanciamento, a imparcialidade que garante a higidez das decisões que ele profere.

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Fábio de Oliveira Ribeiro

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