Um governo mais perigoso do que o vírus, por Jean Soares

Há um perigo maior que está na própria forma temerária, particularizada de um projeto de poder que não é nacional – é pessoal.

Um governo mais perigoso do que o vírus

por Jean Soares

O mote mais repetido no fim de semana foi marcava precisamente uma diferença: “O GOVERNO É MAIS PERIGOSO DO QUE O VÍRUS.” Poderia parecer um filme distópico, mas era só a realidade, dura e trágica de um povo a caminho dos 500 mil mortos, muitos deles resultantes da ignorância deliberada que finge governar. Depois das manifestações de 29 de maio, os governistas entraram numa chave de inversões um tanto absurda. A estratégia é a de buscar igualar os não-iguais para, legitimar as aglomerações provocadas anteriormente, sem quaisquer cuidado. Como se dissessem: – “Estamos em pé de igualdade, todos se aglomeram, mas VOCÊS da esquerda não podem legitimamente agir assim.” Esse tipo de sofista esconde a diferença nas pautas, e o cuidado no uso da forma 

            A comparação entre o governo e o vírus demarca precisamente a prudência destes atos – além dos avisos, havia distribuição de máscaras, pedidos de distanciamento entre outras sugestões de protocolos de segurança. A dizer que na forma, as manifestações já se tratavam de “aglomerações” diferentes daquelas provocadas por quem se apropriou distorcidamente do nacionalismo (afinal, não se importam tanto com a nação quanto com seus próprios interesses).

            “O Governo é mais perigoso” – chegamos ao ponto em que diversas pessoas em diversos lugares evocaram o mesmo alerta. Há um perigo maior que está na própria forma temerária, particularizada de um projeto de poder que não é nacional – é pessoal. Usa do poder simplesmente para voltar as cargas para a equação de destruição dos dispositivos de justiça social ainda sobreviventes. “Quanto pior, melhor” parece ser o mote desse governo, mais gente a implorar por um prato de comida vai se encontrar.

            A própria comparação entre as manifestações parte desse pressuposto e esquece o principal. A indignação popular tomou as ruas de todo o país, CONTRA o governo, de forma coerente e dissipada, com dezenas de milhares em protesto. O presidente deveria balançar, cair por todos os insultos e ultrajes que cometeu. Está foi a oportunidade de iniciar uma revolta dos vacinados contra aquele que tergiversou sobre a vacina, de vacinar politicamente o país contra o déficit de democracia que avança sobre as instituições. Mas parte da imprensa e dos políticos do congresso nacional tratam os fatos do fim de semana como uma cortina de fumaça, através da qual podem continuar agindo em defesa de interesses escusos. Mais desejam privatizar e sucatear os direitos do que fazer o país realmente avançar na defesa de sua sociedade.

            A centro-direita pode estar, mais uma vez por inércia da conveniência, entregando espaço político a governistas fisiológicos e seus flertes autoritários. Se esse terço do congresso nacional acordasse, deixaria de se preocupar em aprovar reformas que podem inflamar mais os problemas já patentes e abriria logo o processo de impedimento de Bolsonaro. Retirá-lo do poder promoveria certamente a última possibilidade de resgatar as eleições de 2022 do que se está anunciando: um conflito entre as aspirações democráticas da centro-esquerda e as tendências autoritárias da extrema-direita. Ainda que se vislumbre a possibilidade da eleição de Lula e de um governo de união nacional, o caminho até lá é pedregoso: os autoritários vão questionar resultados, flertar com golpismos, desestabilizar o país. Isso para não falar no uso para interesses político pessoais do orçamento nacional, que provavelmente vai se acentuar no ano que vem. Retirá-lo agora do poder diminuiria os custos políticos para a centro-direita inclusive.

            Por tudo isso, é de se dizer que as manifestações foram uma demonstração importante de força dos atores à esquerda da política nacional, mas que se a racionalidade de direita não acordar terá perdido uma das melhores oportunidades de resgatar a democracia do país das mãos de gente que despreza seus ritos. Menos do que ganhar ou perder, é hora de preservar as instituições da usurpação contínua. Já não é mais o momento de exigir autocríticas do lado do barco democrático – isso só servirá de munição para a pirataria autoritária e miliciarizada. Agora é hora de mantermo-nos firmes em busca de reacender a chama de futuro que sempre queimou nos corações desses brasis.

Redação

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