A hashtag não chega para as meninas quilombolas

Da Carta Capital

Para as meninas quilombolas a hashtag não chega
 
Diferentemente da comoção em torno de Valentina, do Masterchef Júnior, o caso das meninas negras abusadas no interior de Goiás foi logo esquecido
 
por Djamila Ribeiro 
 

Em abril deste ano, foi noticiada a denúncia de trabalho infantil e exploração sexual contra crianças e jovens negras da comunidade quilombola Kalunga, em Cavalcante (GO), cidade localizada na Chapada dos Veadeiros, a 310 km de Brasília.

Os relatos dos abusos, investigados pela Polícia Civil, foram à época transmitidos à Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (hoje Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos) pelo presidente da Associação do Quilombo Kalunga de Cavalcante (GO), Vilmar Souza Costa.

O assunto veio à tona numa reportagem da TV Record e denunciava o possível envolvimento de vereadores e ex-vereadores do município em casos de assédio sexual cometidos contra crianças e adolescentes negras.

Segundo informações da Record, o inquérito dessas denúncias surgiu no final de 2014, a partir de apontamento do Ministério Público de Goiás e mostra que Cavalcante registra, em média, cinco inquéritos similares por ano.

Após o caso de Valentina, a menina de 12 anos participante do programa Masterchef Júnior, que foi vítima de comentários criminosos por pedófilos nas redes sociais, me lembrei desse caso das meninas kalungas. Como será que o caso está?

Houve uma grande repercussão à época da denúncia, mas nada parecido com o que ocorreu com Valentina. Com isso, não estou afirmando de modo algum que a violência contra Valentina não deveria ser denunciada e apurada, estou tão somente externando um incômodo por não ter visto grandes sites feministas criarem campanhas de apoio às meninas kalungas ou maior comoção das pessoas.

A realidade dessas meninas é bem diferente da de Valentina. Tratam-se de meninas pobres que desde muito cedo vão trabalhar e ser exploradas em casas de famílias onde trabalhariam em troca de alimentos. Nesses locais, sofreriam os abusos sexuais pelos patrões. Na comunidade onde vivem não há escolas e, ao viverem longe dos pais, vivenciam maior vulnerabilidade.

Meninas negras, por sofrerem machismo e racismo, estão muito mais vulneráveis a esse tipo de abuso. Segundo dados da Unicef na pesquisa Violência Sexual, o perfil das mulheres e meninas exploradas sexualmente aponta para a exclusão social desse grupo.

A maioria é de afrodescendentes, vem de classes populares, tem baixa escolaridade, habita em espaços urbanos periféricos ou em municípios de baixo desenvolvimento socioeconômico. Muitas dessas adolescentes já sofreram inclusive algum tipo de violência (intrafamiliar ou extrafamiliar).

Ainda segundo essa pesquisa, no Centro-Oeste, o estado de Goiás é o que apresenta a situação mais grave – exatamente onde as meninas kalungas vivem.

Toda campanha criada no sentido de denunciar esse tipo violência é válida e necessária, mas é urgente pensarmos a partir de um olhar interseccional para que seja possível contemplar meninas com maior vulnerabilidade, sobretudo negras.

Pesquisei sobre a situação dessas meninas e não encontrei nenhuma informação que falasse sobre o andamento do caso. No mundo delas, onde campanhas com hashtag não as alcançam, quem não vai deixá-las cair no esquecimento?

 

Redação

4 Comentários

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  1. Quem vai se preocupar com

    Quem vai se preocupar com essas negrinhas ?

    Não é prá isso, que há quinhentos anos elas servem ?

    Sociedade hipócrita !!!

  2. É que segundo as teorias em

    É que segundo as teorias em voga, ninguém deve roubar o protagonismo das meninas kalunga na luta delas.

    (estou sendo irônico, mas infelizmente as teorias e práticas pós-modernas que estãos e tornando hegemônics no feminismo e movimento negro nas cidades leva a práticas desse tipo, a não se identificar com o outro, a olhar só pro seu umbigo).

  3. Assisti a toda a reportagem

    Assisti a toda a reportagem sobre as meninas quilombolas nas mãos de políticos desavergonhados, a explrarem-nas sem o menor pudor. Como se não bastsse a um vereador levar uma delas pra casa para executar todas as tarefas domésticas, incluindo lavar roupa em água de um rio, – trabalho escravo declarado -, ainda tem a garota que sucumbir os gritos de pavor cada vez que o “macho’ safado a abusava. E até o pai de uma delas pediu que aceitasse R$ 400,00 para não denunciar o pedófilo. 

    Essas cenas de horror, com toda certea, permanecem em incontáveis cidades do Brasil, onde quem manda é o prefeito, e os vereadores, que se lixam para os destinos do seu povo, e ainda tem a pachorra de agir como animais selvagens contra mocinhas que poderiam ser suas filhas ou netas, pela certeza da impunidade.

    O que falta aos legisladores, aos magistrados, e à própria Presidente da República, através de Zé Ruela, para ver a notícia, e seguir os rastros desses canalhas? E, ao mesmo tempo, serem informados do que acontece com os programas do Governo Federal, como as tais bosas, e moradia, que excluem completamente esse povo miserável, ou abaixo da miséria? 

    De que adianta ter numa cidade de monstos uma delegacia, se os poderosos mandam nos delegados?

    Essas imagens são apenas algumas das muitas que a imprensa não mostra. Até me pergunto por que mostraram essa. Será que no bojo figura alguma richa poítica?

    Vergonha para o Brasil. Tristeza para essa meninadam, que nem tem o que sonhar se vive debaixo de um regime de escravidão, com os donos das senzalas a ditarem seus modos de vida.

     

    Revoltante!

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