A voz de quem teve o filho morto dentro do “sistema socioeducativo”

“Sou contra a redução da maioridade penal porque aqueles que a pedem não vão ter seus filhos torturados, com pescoço quebrado e mandíbula deslocada”
 
 
Estado de S.Paulo
 
‘Quem pede redução não terá seu filho torturado’
 
FELIPE WERNECK – O ESTADO DE S. PAULO
 
Moradora do Morro do Cantagalo, no Rio de Janeiro, aguarda julgamento dos seis agentes acusados de matar seu filho em 2008
 
RIO ­ Deize Carvalho, de 44 anos, é mãe de um rapaz apreendido sob acusação de furto aos 17 e assassinado nas dependências do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase) em 2008. Seis agentes foram acusados, mas ainda não houve julgamento. Nova audiência deve ocorrer em 17 de agosto. Veja abaixo o depoimento dela.
 
“Meu nome é Deize Carvalho. Tenho 44 anos, sou moradora da comunidade do Cantagalo e meu filho foi assassinado no sistema socioeducativo em 1.º de janeiro de 2008. Rotulo o sistema do Degase como ‘sociotortura’. Sou contra a redução da maioridade penal porque aqueles que a pedem não vão ter seus filhos torturados, com pescoço quebrado e mandíbula deslocada.
 
Não vão ter seus filhos torturados e com o corpo perfurado por cabos de vassoura. Esses a favor da redução são aqueles que não vão ter seus filhos tratados como objeto, lixo, escória. Os jovens que cometem atos infracionais devem pagar, sim, dentro da lei. E não de forma violenta. O sistema não ressocializa ninguém. Vejo o Degase como senzala, navio negreiro. Negros e pobres é que vão parar nesse sistema.
Jovens cometem atos infracionais porque o Estado marginaliza nossos filhos. Porque quando um governador diz que as comunidades são fábricas de produzir marginais, estão marginalizando não só nossos filhos, mas nossas vidas. Não fui fábrica de produzir marginal. Marginal é o Estado, quando não dá educação, quando abandona mães vítimas dessa violência, coloca nossos filhos em condições desumanas dentro do sistema prisional. Quem vai ser beneficiado com a  privatização dos presídios? São os empresários que têm pacto com os políticos.
 
Sou contra a redução porque sou a favor da vida e da dignidade humana. Quantos jovens mais vão morrer? Meu filho não foi o primeiro nem o último. Obrigação têm nossos filhos de estar lá. Mas quando jovem de classe média pratica furto ou tráfico é retratado de forma diferente. Hipocrisia.
 
Quem tem interesse na manobra política do (presidente da Câmara) Eduardo Cunha? Olha, Cunha, acho que você não é pai, não é ser humano, não deve ter sentimentos. Esse Cunha é capitão do mato que não usa mais as chibatas, mas quer usar a palavra do Estado para torturar.”
Redação

7 Comentários

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  1. Quantas mulheres como estão

    Quantas mulheres como estão tiveram seus filhos mortos aos 18, 19 ou 20 anos?

    Vamos fazer uma campanha para aumentar a maioridade penal para 21?

    1. Caro Fábio, não seja irônico.

      Caro Fábio, não seja irônico. Vamos apenas partir do simples princípio de que, por estar dentro das dependências do Estado o filho da dona Deize Carvalho deveria ter respondido aos crimes que cometeu, e não ter sido assassinado de forma cruel (leu a matéria inteira?). O que aconteceu com o garoto não tem a menor justificativa. Esse tipo de ação não reduz violência em país algum. 

    2. E mais uma vez…

      Só se consegue pensar em olho por olho, dente por dente. Se matou, que morra. Se alguém matou, que alguém morra. Nem sei se foi ele, o que está preso, que matou alguém, mas se não foi também não interessa. Bandido bom é bandido morto!

      Enquanto o pensamento for só de vingança, reativo, não tem redução de maioridade e nem qualquer outra medida que resolva…

  2. redução da maioridade

    Vamos ser honestos, este tipo de lei só serve para preto e pobre. Já soube de burradas de jovens de classe media – media alta foram rapidamente apagados, adulterados, escondidas e com dinheiro se necessario for. Não  é assim quea  coisas funcionam. Como alguem já escreveu problemas complexos tem solução simples e…errada.

  3. nem denúncia consigo fazer

    Fui diretora de unidade de internação em 1985 da FUNABEM. Éramos 250 jovens entre 14 e até mesmo 25 aos e 150 funcionários. Estava grávida de nosso segundo filho. Como vocês podem imaginar tenho muitas historias pra contar. Uma delas é de que eu soube pelas “tias” da cozinha de que nosso meninos estavam se alimentando com comida que era feita com óleo diesel e nós professores, funcionários e diretora comíamos uma comida diferente. Resolvi então passar a comer com os nosso meninos no refeitório partilhando não somente o alimento mas também a companhia. Pedi também que fosse suspensa a ordem de que eles não podiam conversar. Diziam que isso não daria certo mas foi adotado. As refeições ficaram mais alegres e a comida melhorou de sabor e de qualidade. Essa experiência foi exitosa e se tornou paradigmática para que do Código de Menores avancássemos para o Estatuto da Criança e do Adolescente, de cuja formulação também participei efetivamente, assim como ajudei a redigir artigos na Constituição, inclusive aquele que garante direito de defesa ao jovem que cometeu ato infracional. Hoje, mesmo depois de trabalhar 28 anos pela formulação, implantação e gestão dos principais programas sociais do país não tenho espaço nem pela imprensa tradicional nem pela imprensa alternativa.

  4. Comovente essa senhora Quando
    Comovente essa senhora Quando afirma “o Estado não deu educação ao meu filho” ;” não sou uma máquina de produzir marginais “.

    Saiba essa senhora pois que venho de uma família de 6 filhos, também fomos pretos e pobres e que de todos, 4 concluíram faculdade pública e 3 são funcionarios públicos.

    Então não me venha ela dizer que o filho dela tão-somente tenha se tornado um delinquente por omissão do Estado .

    Quando fechamos nossos olhos e tapamos nossos ouvidos aos desvios de caráter de nossos filhos, estamos pré- recepcionando o funeral de quem nós geramos.

    acredito piamente que ela não seja uma fábrica de produzir marginais mas hoje ela disfarça seu remorso de não ter imposto limite ao seu filho acusando o lado repressivo do Estado que deveria dar um tratamento digno ao detento.

    1. Ela não reclamou somente de omissão do estado

      Ela concordou que seu filho lá estivesse, preso, para pagar o crime (furto) que cometeu.

      Só que lá dentro, onde ele deveria apenas pagar pelo crime, ele foi morto. A reclamação maior dela é justamente contra este fato. A redução da maioridade penal jogará o jovem infrator diretamente ao presídio, junto aos criminosos adultos.

      Muitos de nós temos lindas histórias de vida, pobres que venceram na vida, a minha mesmo é uma linda história, com todos os filhos se tornando pessoas da sociedade, mesmo que criadas em ambiente pobre, sem pai. Temos na família, professoras, advogadas, funcionários públicos e jornalistas.

      Mas, acreditar que todos seguirão a mesma cartilha é outra história. Porque há diversos estudos que comprovam que, mesmo sendo criados na mesma família, em extrema pobreza, sob castigos severos, até mesmo abusos, em algum momento irmãos seguirão caminhos diferentes e alguns deles desandarão a cometer erros que os levarão à prisão, ou à morte. Mas, muitos também seguirão caminhos honrados, independente do que sofreram.

       

       

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