Advogada negra foi presa diante de advogados covardes, por Djefferson Amadeus

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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no Justificando

Advogada negra foi presa diante de advogados covardes

por Djefferson Amadeus

Com lágrimas nos olhos – assim recebi a notícia que uma mulher negra, advogada, fora humilhada no exercício de sua profissão.

Lembrai, senhoras e senhores, que o arbítrio, a humilhação, o aviltamento, se deu na presença de advogados.

Em toda história, caros leitoras e leitores, não sei se haverá um fato cuja a covardia de advogados tenha aparecido tão manifestamente.

A propósito, quem não sabe o que é covardia, ponha os olhos neste fato, e vede, nessa cena, como jamais um advogado deve se portar.

Quedaram-se inertes diante da detenção (ilegal!) de uma mulher negra no exercício de sua profissão. Viram-na algemada. No chão. E nem isso, óh bom deus, nem isso!, foi suficiente para despertar-lhes a coragem. Deixais que a desonrassem-na, que a desmoralizassem; deixais que a humilhassem-na, que a vilipendiassem.

Ora, ora e ora. Como tiveram, entre tantas profissões, a coragem de escolher a mais eminente das profissões, a que um ser humano pode se entregar.

Ouviram de sua boca o chamado de socorro. E esqueceram – justo eles, advogados – das lições de Carnelutti: ” advogado significa aquele que é chamado a socorrer (Advocatus, vocatus ad, llamado a socorrer)”[1]. Eis porque aquele pedido de socorro há de atormentá-los eternamente.

Futuros advogados que me leem neste momento, não vos deixeis contagiar de covardia tão maligna! Não vos se acovardai diante de juízes, sejam eles leigos ou togados, que contraíram a doença de humilhar negros e negras, como a que parece ter contraído a Juíza leiga.

Desculpem-me, mas a humilhação imposta a uma mulher negra indigna-me seriamente, de modo que não sei se minha cólera atalhará meu juízo. Acredito que sim. Mas, mesmo assim prossigo, porque nenhum silêncio pode ser mais caro do que a indenização que qualquer covarde queira de mim auferir.

Assista ao vídeo do episódio:

A advocacia e a magistratura, tão velhas como a sociedade humana, hão de envergonhar-se para sempre do dia 10 de Setembro de 2018 – o dia em que uma mulher negra, advogada, fora humilhada no exercício de seu mister.

A Súmula vinculante que impede o uso de algemas em casos como este – uma ordem do Supremo Tribunal Federal aos Juízes e Juízes – poderia ser invocada pelos advogados, ainda que não fosse o caso, dado que sequer prisão poderia haver ali, porém não o fora porque a clareza do texto contido na súmula ficou ob(e)scurecida pelo excesso de melanina daquela que merecia proteção legal. Aqui não se pode ter papas nas línguas.

A frase de que toda a advocacia foi atacada é correta – mas incompleta – porque uma advogada branca jamais seria atacada daquela maneira, caso estivesse no seu legítimo direito, como a advogada negra estava. “E nem venham me dizer que isso é vitimismo; não bote a culpa nela para encobrir o seu racismo.” (Bia Ferreira).

A resposta para o chamado de socorro de uma mulher negra não ter sido escutado está na página 38 do livro da Djamila Ribeiro [2]; também na página 36 do livro da Chimamanda Ngozi Adichie [3]; ou ainda na página 99 do livro de Carlos Medeiros [4], motivos que levaram Vilma Piedade [5] a criar a palavra Dororidade:” a dor que só pode ser sentida a depender da cor da pele. Quanto mais preta, mais racismo, mais dor.”

Aliás, falando em mulher negra, nesta madrugada, enquanto escrevo, uma voz ecoa ao fundo: a de minha irmã Marielle Franco, que eu já disse, em outro texto [6]ser a maior advogada que já conheci.

Proponho, em homenagem à minha irmã Mari, bem como em solidariedade à corajosa advogada negra que ensinou aos homens covardes, como um advogado deve se portar, que seja criado o dia da Advogada negra, que como sugestão poderia ser o dia da morte de minha irmã Marielle, a data de 10 de Setembro de 2018 ou qualquer outro dia que as mulheres negras – que têm muito mais legitimidade do que eu – achem melhor.

Djefferson Amadeus é mestre em Direito e Hermenêutica Filosófica (UNESA-RJ), bolsista Capes, pós-graduado em filosofia (PUC-RJ), Ciências Criminais (Uerj) e Processo Penal (ABDCONST), pesquisador da Coop. Social Fiocruz, Advogado.

Djefferson Amadeus – Mestre em Direito e Hermenêutica Filosófica

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[1] CARNELUTTI, Francesco. Las Miserias Del Proceso Penal. Traducción de Santiago Sentis Melendo. Ediciones Juridicas Europa-America: Buenos Aires, 1959, p. 40.

[2] RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte. Letramento, 2017, p. 38.

[3] ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Sejamos todos feministas. São Paulo: Companhia das letras, 2017, p.36.

[4] MEDEIROS, Carlos Alberto. Na lei e na Raça: Legislação e relação raciais, Brasil-Estados Unidos. Rio de Janeiro,DP&A Editora, 2004, p. 99.

[5] PIEDADE, Vilma. Dororidade. Noz. Prefácio Márcia Tiburi. Rio de Janeiro, 2018, p. 17.

[6] http://justificando.cartacapital.com.br/2018/03/16/a-minha-irma-marielle-franco-in-memoriam/.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

12 Comentários

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  1. A ditadura do Judiciário, disseminada

    Esta “Justiça” Brasileira só nos envergonha e entristece cada dia. Para reiterar o quadro, Carioca, advogada, mulher, negra é algemada em audiência , apenas por tentar valer o seu direito, o que a Lei garante. Estamos nas TREVAS da Ditadura do JUDICIÁRIO. O Exemplo da alta cúpula (inclusive do vergonhoso aumento em cascata), em pleno congelamento por 20 no Pais, dissemina para cada canto deste Pais, a prepotência e arrogancia dos Deuses Togados  a revelia da Luz das nossas Leis.

  2. O Brasil já conhecia muitos

    O Brasil já conhecia muitos horrores em toda a sua História, desde a inclusão da Casa Grande e Senzala. 

    Está a advogada, escancaradamente, vítima de mais um racismo, dessa feita dentro de um forum. 

    Relevantes são as agressões físicas de seguranças, arranstando uma avogada, algemada, numa cena de horror, mas também o silêncio dos não-inocentes, por não quererem falar o que não sentiam. Por certo, esse silêncio se deu pelo fato dos advogados presentes serem, também, racistas; do contrário – fosse a mulher branquinha, de olhos azuis – na pior das hipóteses a celeuma teria tido outro desfecho.

    Quando a OAB fez vista-grossa às ações de Moro contra Lula, também deixou clara a sua parcialidade, nunca tendo apresentado alguma indignação pelo que se fez com o escitório dos advogados do nosso líder hoje preso. Lula não é negro, mas carrega em si a pecha de um nordestino pobre, vindo da miséria, analfabeto – como muitos pensam. Ou seja, há na nossa justiça todo tipo de discriminação contra determinadas pessoas: negras, pobres;gays, e ultimamente, petistas. Fiquei, por sinal, impressionada em ver o Presidente da OAB reaparecer para dar suas impressões sobre a facada de Bolsonaro. A ele se seguiram, ou se uniram ministros do STF, Temer, Dodge, e até a Presidente do Supremo, coisa pouco vista por esses homens e mulheres, que não se pronunciaram contra o quase fuzilamento de um ônibus nas caravanas de Lula no sul, ou do fuzilamento materializado na morte de Marielle e seu chofer. Essa seletividade da justiça não está apenas no institnto de Moro.

    Se nem mesmo um homem que foi presidente do Brasil, em dois mandatos, passando o cargo com mais de 80% de aprovação, e hoje, mesmo preso, manteve-se como o líder nas pesquisas, enfim, se nem um Lula tem da justiça a justiça, por pura discriminação pelas suas origens, não é de admirar que uma “negra”, advogada, com todos os seus direitos de debater com uma juíza a defesa de sua cliente, passe por essa violência, enquanto advogados veem, se omitem, e deixam rolar a humilhação de uma colega.

    Os brucutus, militares e seguranças brasileiros estão se emponderando mais e mais, depois dessa parada indigesta de discursos fascistas sistemáticos, sobretudo a partir daquelas manifestações culimanadas no ipeachment de Dilma. Em praça pública eram aparesentados os sentientos de uma população todo ele mesclado de fascismo. Dilma foi vítima de misoginia, como o é até hoje. Aécio ficou meio desmoralizado, mas não o suficiente para não retornar ao Congresso com sua cara de malandro despudorado, sem-vergonha. 

    O que aconteceu há pouco com um candidato a deputado estadual pelo PT no RS envolvia dois preconceitos: o fato do cara ser petista e de ser negro também. 

    Quem não se chocar com o acontecido a essa advogada é porque pensa como a juíza, como os advogados omissos, e como os seguranças que, criminosamente, algemaram-na e a humilharam de forma tão vergonhosa pela clara inobservância das leis, que a advogada estava questionando. 

    1. Empoderamento de brucutus foi

      Empoderamento de brucutus foi arte da midia…….

       

      A primeira manifestação foi depois daquele massacre contra os manifestantes que reclamavam do aumento da tarifa dos onibus…..o povo saiu às ruas como uma resposta a truculencia policial e demonstrar que ocupar as ruas é um direito do povo, já que a briga toda foi por que determinadas vias estavam impedidas……..

       

      O que veio depois foi CULPA exclusiva da midia, que com medo do povo, manipulou as manifestações transformando-as num show de horrores que beirou às raias da loucura…….

  3. Advogados covardes
    Cansei de ver advogados covardes nos cartorios das varas, que temem se indispor com os funcionários quando os direitos dos seus clientes são vilipendiados pela prevaricação reinante

    São os mesmos advogados covardes que batiam em Dilma mas recuam diante das baionetas golpistas

    OAB nao serve pra absolutamente nada além de criar reserva de mercado

  4. Esperar coragem de advogados

    Esperar coragem de advogados é como esperar coragem de ratos.

    O direito é uma piada ruim, nunca defendeu o povo, sempre defendeu os interesses dos ricos. Não é a toa que a população tem nojo dessa profissão.

    Vale lembrar também que nosso judiciário podre é feito de advogados, assim como grande parte do legislativo e executivo. Advogados não valem a comida que comem.

  5. Se os meganhas já estão desse

    Se os meganhas já estão desse jeito agora, imaginem quando o Bolsonaro for presidente?

    E ele será. O PT jogou a toalha ontem.

  6. Pois é, lembremos quem deu o

    Pois é, lembremos quem deu o primeiro exemplo: Joaquim Barbosa, primeiro negro a ser nomeado no supremo Pelo PT,mandando pexpulsar o advogado de José Jenuíno.E fez isso para perseguir o partido que o nomeou.Abriu as portas do fascismo!

  7. ESPERAR O QUE DE PROJETO FASCISTA DE 1930?

    E esperar algo melhor de uma Classe de Profissionais que foram doutrinados a aceitar o cabresto e a escravidão do Monopólio de Instituição que não comandam diretamente? E quem são Obrigados a pertencer e sustentar? Sujeitados a Elite que os direcionam? Somente agora perceberam as consequências do Fascismo? Esperavam por Democracia? Por Liberdade? Por Republicanismo? Esperam isto entre Profissionais que não sabem nem ao menos se defenderem. SemiAnalfabetos rebaixados à condição de Office-Boys ou Contínuos. 88 anos. Pobre país rico. Se a Advocacia já se rebaixou a tanto, o que esperar? Esperar o que de Instituição que viu seu Futuro e Defensores serem metralhados covardemente no meio da rua por Ditador Fascista e calou-se. Pior. Omitiu-se e ainda vangloriou o Fascista. Estão surpresos com mais o que? O Brasil é de muito fácil explicação.    

  8. Cría cuervos…

    Tá faltando solidariedade.

    Admito que não é fácil, quanto tempo e com que intensidade temos sido bombardeados com as ideias de “meu pirão primeiro”, “levar vantagem em tudo [cerrto?]” e até com coisas como uma revista escancaradamente chamada de “Você S.A.”? E se fosse apenas o bombardeio pelas firmas de comunicação social – também conhecidas como mídia – ainda ia. Mas não tem como a gente se eximir da responsabilidade pela reprodução dessas ideias, dessa ideologia de apologia ao ego. Prosperidade baseada no indivíduo é isso aí.

    Criamos corvos e agora eles furam nossos olhos…

     

  9. Uma vez mais: A banalização do mal

    Também fiquei horrorizado com esse indiscutível episódio de racismo. A covardia me chocou, mas não me surpreendeu. Já vivi o suficiente para saber que as pessoas negras dificilmente podem contar com a solidariedade das pessoas não-negras. Se o negro está defendendo um acusado, o improvável se torna impossível. É urgente que alguém, com habilidade para tal, traduza e divulgue essa notícia bárbara fora do Brasil. Quanto mais idiomas melhor. É preciso que todo brasileiro, inclusive autoridades e juizecos desfilando no exterior, sintam constrangimento por permitir essa vergonha.  

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