Artista sul-africana luta para não ser expulsa do Brasil

Ana Gabriela Sales
Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.
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da Ponte 

Artista sul-africana luta para não ser expulsa do Brasil

por Maria Teresa da Cruz

Movimentos lançam campanha #NduduzoTemVoZ pela artista; negra e imigrante, ela cumpre pena por tráfico e descobriu na música uma nova vida 

“Eu cai em uma armação. Acreditei em alguém que não devia. Acabei indo para a prisão, acusada de tráfico de drogas”. Foram com essas palavras que a sul-africana Nduduzo Godensia Dlamini, 29 anos, se apresentou no auditório da Escola de Artes Dramáticas (EAD) da USP (Universidade de São Paulo), no final da peça “Inútil canto e inútil pranto pelos anjos caídos”, de Plínio Marcos, montagem dirigida por Rogério Tarifa com alunos da faculdade.

Depois disso, Nduduzo cantou. Não houve na plateia quem não se emocionasse com aquela voz e aquela presença.

Tudo isso aconteceu em outubro do ano passado. De lá para cá, Nduduzo passou a integrar o grupo e a desenvolver, cada vez mais, as técnicas de canto.

Foto: Sérgio Silva/Ponte

Na ocasião, a jovem artista dividiu com os presentes a experiência de, ainda no sistema prisional, ter descoberto um talento que talvez nem soubesse que tinha. Condenada em 2013 por tráfico transnacional de drogas no Brasil, Nduduzo deixou a prisão em 17 de março do ano passado. Atualmente, está em regime aberto e precisa comparecer a cada três meses no Fórum Criminal da Barra Funda para justificar sua permanência no Brasil e suas atividades profissionais em São Paulo.

Quando ainda estava em regime fechado, na PFC (Penitenciária Feminina da Capital), conheceu a musicista, psicanalista e educadora Carmina Juarez, orientadora de voz do Coral da USP, que, em parceria com a Secretaria da Administração Penitenciária, é responsável pelo projeto “Voz Própria”, uma iniciativa que consiste em trabalhar a música como parte do processo de reinserção de mulheres presas à sociedade. “Eram 16 mulheres que eu lidava dentro do sistema. E são mulheres dos mais diferentes lugares do mundo que produzem os mais lindos sons que já ouvi. Com algumas, entre elas a Nduduzo, desenvolvi um vínculo de modo mais intenso. A psicanálise vinha como um suporte para eu trabalhar a música. Porque a carga no sistema prisional é grande”, explica Carmina. “Nduduzo é delicada, gentil e amorosa. Ela tem uma inteligência social bem acima da média, tanto que é ela começar a cantar que integra todo mundo. Por ela ter todos esses talentos, ela impacta as pessoas. Ela tem uma potência que dá a ela essa visibilidade: de ser uma mulher que se transformou. Isso é muito interessante, as mulheres que saem do projeto podem ver nela uma voz representativa, uma possibilidade”.

Carmina explica que o projeto existe há 3 anos, os encontros são semanais e acontecem às sextas-feiras e, nesse período, já atendeu mais de 200 mulheres. “Eu fico emocionada, me dá esperança”.

Foto: Sérgio Silva/Ponte

Mas, ao mesmo tempo em que Nduduzo encontrou um caminho para ter voz, ela luta agora para conseguir ficar no Brasil. Imigrante, enfrenta um procedimento administrativo que a obrigaria deixar o país por parte do Ministério da Justiça, que publicou um  decreto de expulsão em seu nome em setembro do ano passado. Em fevereiro de 2018, Nduduzo foi chamada a comparecer na sede da Polícia Federal de São Paulo, órgão responsável pela tramitação de inquéritos de expulsão, para prestar esclarecimentos e manifestar sua vontade de permanecer no Brasil. No último dia 8 de março – Dia Internacional da Mulher  – uma rede de apoio composta por diversos setores da sociedade civil, como artistas, intelectuais e movimentos sociais lançaram a campanha #NduduzoTemVoZ.

“A campanha é sobre mostrar que existe um caminho, que eu tenho feito muitas coisas transformadoras fora do sistema prisional. O encarceramento não é um recurso. Mesmo porque o que se vê são mulheres saindo da prisão e não encontrando na comunidade alguém que as receba. E eu estou tendo. Estou querendo que essas mulheres com quem convivi, tenham voz”, afirma Nduduzo, que além de integrar o elenco da peça “Inútil canto e inútil pranto pelos anjos caídos”, canta profissionalmente.

De acordo com o instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), que acompanha o caso da artista, a Lei de Migrações, apesar de representar um importante marco na proteção dos direitos humanos no que se refere ao direito de migrar, ainda prevê expulsão no caso de pessoas migrantes que foram acusadas e condenadas por crimes dolosos no Brasil. Conforme se vê o artigo 54:

“A expulsão consiste em medida administrativa de retirada compulsória de migrante ou visitante do território nacional, conjugada com o impedimento de reingresso por prazo determinado.

§ 1o Poderá dar causa à expulsão a condenação com sentença transitada em julgado relativa à prática de:

II – crime comum doloso passível de pena privativa de liberdade, consideradas a gravidade e as possibilidades de ressocialização em território nacional.”

A expectativa de Nduduzo e de todos esses movimentos que a apoiam é que a campanha de visibilidade a história dela e que o governo reconsidere e revogue o decreto de expulsão, com base na ressocialização e na manutenção de vínculos já construídos pela artista no Brasil.

Outro lado

Procurado pela Ponte, a assessoria de imprensa do Ministério da Justiça não se manifestou.

Atualização – a reportagem foi alterada às 12h30 para deixar mais claras as informações sobre as datas sobre a prisão da artista.

Ana Gabriela Sales

Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.

1 Comentário

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  1. Me lembrei de um filme

    Dias atrás assisti ao filme Diário de Classe, que mostra o que acontece com as mulheres pretas (etnia), de pele negra (cor). 

    80%  das presas são pretas, de pele negra

    60% presas estão presas por tráfico de drogas, que na verdade é uso, a grande maioria foi presa por portar menos de 100 gramas de maconha, etc

    A grande maioria encontra-se em prisão preventiva, não tem advogado que lhes dê a devida assistencia, nunca foram julgadas mas estão presas há anos….

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