Com transferências, Governo de São Paulo ajudou PCC a se expandir pelo país

Jornal GGN – Surgida em uma penitenciária no interior de São Paulo, o PCC hoje tem ‘filiais’ em todos os Estados do país. A expansão da organização criminosa foi facilitada por uma política de transferência de presos adotada pelo governo do Estado de São Paulo.

Em 1998, líderes da facção foram transferidos para o Paraná, e lá incentivaram a criação do Primeiro Comando do Paraná. Principal líder da organização, Marcola esteve no Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Goiás e Minas Gerais, espalhando as regras do grupo.

Leia mais abaixo:

Da Folha

Governo de SP ‘exportou’ PCC para outros Estados ao transferir presos

ROGÉRIO GENTILE

A organização criminosa PCC surgiu em 1993 num presídio de segurança máxima de Taubaté, no interior paulista. Cerca de 23 anos depois, possui ramificações em todos os Estados brasileiros, com mais ou menos força.

O crescimento espantoso possui várias explicações, mas não há como ignorar o fato de que ele foi facilitado por uma polêmica política de transferência de presos perigosos. São Paulo exportou o PCC para outras regiões do país.

Segundo o Ministério Público de SP, em outubro de 2014, a facção tinha cerca de 10 mil criminosos afiliados, 26% deles fora do Estado. Hoje, quando trava uma guerra com outras quadrilhas para dominar rotas e monopolizar o tráfico de drogas no país, possui cerca de 21,5 mil “batizados”, 64% deles para além da fronteira original.

Os dados são naturalmente imprecisos, dada a óbvia dificuldade para apurá-los, mas incontáveis escutas telefônicas mostram a intenção estratégica da facção de se espalhar pelas cinco regiões do Brasil –o PCC já “batizou” cerca de 3,5% da população carcerária, calculada em torno de 607 mil pessoas. Parece pouco, mas é quase o número total de funcionários da Volkswagen no Brasil.

MIGRAÇÃO

O início do processo de migração do PCC, no entanto, foi estimulado irrefletidamente pelo governo paulista que, na tentativa de desarticular o movimento que ganhava força nos presídios do Estado, transferiu em 1998 os seus cabeças para o Paraná, numa operação cercada de discrição. “O efeito foi o contrário”, diz o promotor Lincoln Gakiya, que atua na região Oeste do Estado.

José Márcio Felício, o Geleião, e César Augusto Roris da Silva, o Cesinha, estavam entre os transferidos.

Fundadores do “partido do crime”, Geleião e Cesinha incentivaram a criação do Primeiro Comando do Paraná, que logo mostrou sua face com três rebeliões. Atualmente, o Estado é um dos mais importantes braços da organização.

Marcola, o principal chefe da facção, assim como outros “capos”, também passeou bastante pelos presídios do país. Esteve no RS, em DF, GO, MG, circulando por várias penitenciárias e disseminando a cartilha do PCC. Em Brasília, por exemplo, criou o PLD (Partido Liberdade e Direito), nome bonito para uma associação que chegou a carbonizar detentos inimigos durante rebeliões.

O promotor Gakiya afirma que é difícil julgar hoje a decisão das autoridades da época de transferir os detentos. “Não sei se havia outras alternativas possíveis.”, diz.

O procurador Márcio Christino, que desde 1999 se dedica a combater a facção, pensa de outro modo. Para ele, o Estado deveria ter reprimido a organização internamente, em vez de transferir o problema para outros lugares.

“O pior é que São Paulo nem contou, de fato, quem estava mandando para lá”, afirma. “A medida facilitou a expansão do PCC.”

Hoje, existem 13 membros do PCC paulista em presídios federais e há 16 pedidos de novas transferências.

Gakiya e Christino, dizem, no entanto, que a realidade atual é diferente e defendem as transferências, uma vez que, segundo eles, os estabelecimentos federais são muito mais preparados do que os estaduais que costumavam receber os chefões do tráfico.

Procurado pela Folha, João Benedicto de Azevedo Marques, secretário da Administração Penitenciária do então governo Covas, não telefonou de volta, assim como o da gestão atual, Lourival Gomes.

‘FILIAL’ EM RORAIMA

Roraima, onde no início do mês 33 presos foram mortos na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista, principal cadeia do Estado, é um bom exemplo de como pode ser nefasta a política ainda atual de enviar criminosos para outras regiões.

O promotor Marco Antônio Azeredo afirma que até 2013 não havia nenhuma indicação de que o PCC atuava no Estado, que faz fronteira com a Guiana e a Venezuela, rotas do tráfico internacional.

Naquele ano, porém, depois de uma passagem por uma prisão de Rondônia, onde conheceu membros da organização, Elivandro Ferreira, o Vandrinho, foi transferido de volta para Roraima e fundou a filial no Estado.

Segundo a promotoria, hoje ela já conta com cerca de 400 membros, muitos dos quais participaram do pavoroso massacre de 6 de janeiro.

Já de acordo com um documento da Secretaria de Justiça e Cidadania de 4 de janeiro deste ano, a facção começou com 50 homens em 2013 e, em 2016, já tinha mais de 1.000 membros, “trazendo à tona novas lideranças e uma nova reorganização da cadeia hierárquica do grupo criminoso”.

As ordens para a expansão da organização no Estado, segundo escutas obtidas em investigações, partiram de Ozélio de Oliveira, um criminoso que ficou conhecido por ter participado, em 1998, do sequestro de Wellington Camargo, irmão dos cantores Zezé di Camargo e Luciano, que ficou 94 dias em cativeiro e teve parte de sua orelha esquerda decepada.

Apontado como o principal chefe do PCC em Roraima, Ozélio de Oliveira nunca pisou no Estado. Comanda a facção de uma prisão no Paraná.

Redação

3 Comentários

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  1. Da mesma Folha em 2006: “O homem errado” por Luis Nassif

    São Paulo, quarta-feira, 31 de maio de 2006
        
    LUÍS NASSIF

    O HOMEM ERRADO

    A tragédia da segurança em São Paulo tem o nome e o sobrenome do secretário da Segurança Pública

    MESES ATRÁS , houve reunião da área de segurança com o ainda governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Algumas vezes, ao longo de seu governo, Alckmin foi obrigado a arbitrar conflitos entre o secretário da Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, e o da Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa. Nessa reunião, presente também o secretário da Justiça, Alexandre de Moraes, Alckmin foi duro com Saulo. Chamou-o de “desagregador”.

    Desde que entrou no governo, em 2002, Saulo atuou de forma desagregadora, tramando desde o primeiro dia contra Furukawa, um juiz de sólida reputação e de ações inovadoras na área penitenciária. Contra ele, Saulo tentou cooptar o secretário da Justiça e o secretário da Educação, Gabriel Chalita, entre outros. Havia uma diferença fundamental entre ambos. Furukawa queria que a polícia se concentrasse prioritariamente em prender os chefões do crime, os criminosos efetivamente perigosos. Saulo dispersava a ação policial em sua política-de-estatística. Não interessava o grau de periculosidade dos presos, contanto que melhorasse suas estatísticas. Noventa por cento das prisões eram em flagrante, denotando baixíssimo resultado das ações de inteligência.

    Furukawa pretendia investir na construção de presídios, permitindo segregar as lideranças criminosas dos pequenos meliantes. Mas a explosão de prisões para crimes irrelevantes matava qualquer estratégia de combate profissional ao crime organizado. Lotaram-se os presídios, e os bagrinhos aderiram ou ficaram reféns dos tubarões do crime.

    Mais que isso. Desde o governo de Mário Covas, havia uma determinação de que o comandante-geral da polícia não poderia falar diretamente com o governador, mas teria que passar, antes, pelo secretário da Segurança. Saulo se prevalecia desse controle sobre as informações para boicotar os colegas. Nem sequer há troca de informações entre a Polícia Militar e a Civil, para que o poder da informação não escape das mãos do secretário.

    Se a polícia chega rapidamente, consegue estancar uma rebelião na Febem, na área de atuação da Secretaria da Justiça. Nas diversas rebeliões que ocorreram, o policiamento levava mais de uma hora e meia, porque Saulo dizia para o comando que só ele podia autorizar a operação. Quando havia uma rebelião nas penitenciárias, a polícia ficava sabendo em dez minutos; O secretário da Administração Penitenciária só era informado muito tempo depois. Além de se indispor com colegas, Saulo se afastou também do Ministério Público, conseguindo quebrar totalmente o contato entre o órgão e a polícia, que, aliás, nunca foi muito bom. Na cúpula do Judiciário paulista, a resistência é a mesma. Na área federal, jamais participou das reuniões entre secretários da Segurança de outros Estados, sob a alegação de que “minha polícia” é melhor do que todas as demais.

    Por falta de conhecimento, de tempo para juntar as informações necessárias, o governador Cláudio Lembo, um homem de bem, deu cheque em branco para o homem errado. Mas a tragédia da segurança em São Paulo tem o nome e o sobrenome do secretário da Segurança Pública.

  2. Talves eles tenham esquecido

    Talves eles tenham esquecido que estão “mechendo” com gente…

    E gente é uma coisa complicada…

    A idéia de trancar como forma de punição –  nas prisões brasileiras – não funcionará nunca!

    Os presos ficam amontoados, juntos e juntos acabam formando sociedades…

    Se houvesse uma cela para cada preso, quem sabe poderia surgir o tal arrependimento, após uma reflexão forçada?

    Do jeito que é no Brasil o amontoado, lava ao salve-se quem puder e sempre vai se salvar o mais forte, o mais violento!

    E esse mais forte vai fazer escola…

    1. Cara, prisões são

      Cara, prisões são necessárias. O que não pode haver é superlotação e a inexistência de políticas carcerárias que separem os presos por tipos penais, visando a segregar um delinquente eventual do delinquente profissional. Infelizmente, diante desses motins, tem-se visto muito comentário oportunista propugnando pela soltura quase total dos presos ou a substituição da prisão por penas alternativas. Até que concordaria com penas alternativas, todavia, para os presos eventuais em função do cometimento de ilícitos menores. Agora jogar na rua uma enxurrada de homicidas, latrocidas, estupradores e feminicidas não dá. E ,infelizmente, aqueles comentários oportunistas costumam jogar os presos no mesmo balaio. Muitas vezes, superdimensionam a responsabilidade estatal e subdimensionam a índole e o caráter individual como ensejadores do crime. Pensar em mais dignidade nas prisões sim, liberar quase todos detentos sem uma avaliação individual do crime cometido não. Apenas a título de exemplo, veja-se o seguinte paradoxo: é muito comum vermos em crimes contra a mulher que o homem delituoso já sofrera várias denúncias de agressão contra a vítima, inclusive tendo pedido de prisão provisória decretado. No entanto, tendo o Estado-juiz liberado o indivíduo por questões processuais, o agressor vai às últimas e tira a vida da vítima. Nos comentários desta possível matéria (que é bem comum), normalmente assistiremos a uma enxurrada de críticas à postura do juiz que concedeu a liberdade ao indivíduo, tendo em vista o histórico de agressões, inclusive atribuindo-lhe uma parcela de culpa pela morte da vítima. Neste caso, sejam sinceros, a vitimização do agressor, encarando sua postura como produto da sociedade, do Estado ou sei lá o que, seria um caminho viável ou aplicável? A prisão deste indivíduo continuaria sendo um ato passível de recriminação, sendo melhor talvez uma a substituição por prisão domicilar, tornezeleiras etc.? Esté é o problema , a meu ver, quando se subdimensiona a reponsabilidade individual no crime e se tratam todos os presos de forma indistinta.

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