Combate ao trabalho escravo e trabalho infantil na cadeia de fornecedores

do blog Direitos Humanos no Trabalho

Um boicote dos consumidores às redes denunciadas pelo Ministério Público é a forma mais eficiente de combater o  trabalho escravo e infantil na nossa sociedade.

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O maior salto de produtividade da indústria automobilística foi a adoção, mais de 20 anos atrás, do conceito de “qualidade assegurada” por parte dos fornecedores de autopeças.  O controle de qualidade de cada componente passou a ser feito na linha de produção do fornecedor e não mais na linha de montagem. A montadora ganhou em agilidade e na gestão de custo dos estoques, com o então famoso just in time: a peça chegava do fornecedor diretamente na linha de montagem, não precisava ser testada e deixaram de existir estoques.

Para conseguir fazer isso, no entanto, as montadoras tiveram que qualificar seus fornecedores, de criar mecanismos que assegurassem que os componentes tinham sido fabricados rigorosamente de acordo com os padrões de qualidade estabelecidos. Isso foi feito inicialmente através da criação de padrões, de protocolos que, com o passar do tempo, transformaram-se em certificações, a maioria mais conhecidas como ISO. Para ser fornecedor de uma montadora, a empresa tem que submeter-se periodicamente a rigorosas auditorias independentes  que vão certificar que os padrões e protocolos estão sendo observados. Essas certificações, hoje, tornaram-se populares e estão presentes em todos os segmentos industriais e em muitos prestadores de serviços.

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No início dos anos 90, as emissoras de TV americanas e europeias colocaram no ar um pequeno vídeo mostrando, no Afeganistão, bolas Nike sendo costuradas por crianças que não aparentavam mais que 12 anos. Alertada, a imprensa correu atrás de outras fábricas da Nike e constatou situações idênticas ou piores em várias partes do mundo. A justificativa da Nike é que ela mantinha apenas um contrato comercial com aquelas empresas e não tinha gerência ou responsabilidade sobre as irregularidades cometidas por elas. Não foi o bastante para convencer os consumidores americanos que promoveram um grande boicote aos seus produtos. Em uma semana, as ações da empresa perderam mais de 40% de seu valor. Só depois de 15 anos e muitos milhões de dólares investidos em marketing, a Nike recuperou sua condição de líder de mercado.

A tragédia que se abatera sobre a Nike assustou as produtoras de material esportivo e grifes famosas que possivelmente tinham o mesmo padrão de atuação. E, com patrocínio da Organização Internacional do Trabalho, de sindicatos de trabalhadores, representantes de diversos governos, elas debruçaram-se sobre o problema. Afinal, cada país tinha uma legislação trabalhista específica e padrões de ética no trabalho muito diferentes.

Formaram um grupo de trabalho, então liderado pela Avon, que decidiu aproveitar a experiência da indústria automobilística na área de qualidade, adaptando-a à questão dos direitos humanos no trabalho.  A proposta era criar um protocolo auditável que garantisse que as empresas interessadas passariam por rigorosas auditorias independentes semestrais que certificariam – ou não – que elas respeitavam, além da legislação trabalhista local, oito direitos definidos pela OIT – Organização Internacional do Trabalho como Direitos Fundamentais do Trabalhador. O propósito é que as empresas que se sentissem ameaçadas só contratassem como fornecedoras empresas portadoras dessa certificação que adquiriu o nome de SA8000. Foi criada uma ONG – a SAI – Social Accountability International – que se tornou responsável pela normatização e operacionalização da certificação. Atualmente existe mais de 1.200 empresas certificadas, a maior parte na China. No Brasil, cerca de 100 organizações são certificadas, normalmente subsidiárias de multinacionais.

Para obter a certificação, a empresa passa por auditorias semestrais que, comprovando que empresa respeita os requisitos relacionados aos seguintes direitos do trabalhador, independente do que determina a legislação local: trabalho infantil, trabalho escravo, saúde e segurança no trabalho, discriminação, liberdade de associação sindical, práticas disciplinares, jornadas de trabalho e remuneração. O processo de certificação é trabalhoso e as auditorias são extremamente rigorosas.

A Associação Brasileira de Normas técnicas também criou, mais recentemente, um protocolo similar à SA8000, mais ainda pouco utilizado.

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As empresas brasileiras que tem sido flagradas utilizando trabalho escravo ou trabalho infantil – M.Officer, Zara, C&A, Lojas Marisa, entre outras – têm sido processadas pelo Ministério Público do Trabalho e acabam sendo absolvidas na justiça sob alegação que mantém apenas um contrato comercial de aquisição de produtos, não lhes cabendo e sim ao Ministério do Trabalho fiscalizar as condições em que esses produtos são fabricados. Esse argumento me faz lembrar o argumento do lendário traficante Francisco Escobar: se os americanos não cheirassem cocaína, não haveria tráfico.

Essas grande grifes têm meios de obrigar que seus fornecedores não utilizem trabalho escravo ou trabalho infantil. Basta exigir que, para serem fornecedores, devem possuir certificação no protocolo SA8000.  E, para isso, nada seria mais eficiente que o boicote do consumidor.

Caiubi Miranda

Redação

1 Comentário

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  1. Educamos as crianças. Os homens devem ser punidos.

    Fantástica a noção classista que se esconde atrás da defesa dos direitos humanos e da chamada “justiça do trabalho” (outra aberração nossa, como a justiça eleitoral).

    Quando se trata de determinadas condutas de algumas classes (as pobres, sempre e alguns petistas), todo rigor da lei, cadeia, tiro, porrada e bomba.

    Já quando vamos aos andares superiores do maravilhoso paraíso capitalista, jogamos o problema para a “autorregulação do mercado”.

    Aí entra a tese da consciência cidadã consumerista. Piada, só pode ser piada.

    Ora bolas, a única forma de combater os crimes praticados nas cadeias produtivas é colocando seus autores na cadeia!!!!

    Ou condenando-os aos mesmos suplícios que eles inflingiram às suas vítimas, com imediato sequestro e bloqueios de todos os seus bens e da empresa, e dos sócios, por óbvio.

    Abusou da mão-de-obra infantil ou usou trabalho escravo, coloca para quebrar pedra em alguma obra de hidroelétrica.

    Pegou trabalhadores escravos em alguma linha de produção? Perdimento da empresa em prol da cooperativa destes trabalhadores que deverá ser criada.

    Pegou criança em produção? Vai pagar um salário mínimo a criança explorada até os 18 anos, com um salário a mais para ser anexado a uma poupança para ser sacado quando entrar para universidade.

    E as penas servem para todos os integrantes da cadeia, terceirizados, quarteirizados ou contratantes. Solidariamente responsabilizados.

    O resto é balela, ponto final.

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