Crise dos imigrantes: a tragédia de quem não quer perder a esperança

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Refugiados na fronteira da Grécia com a Macedônia

Da Agência Brasil

Por Andreia Verdélio

A imagem do menino sírio Aylan Kurdi, de 3 anos, morto em uma praia da Turquia chocou o mundo e fez com que a crise migratória na Europa ganhasse mais repercussão internacional. Ele, o irmão de 5 anos, a mãe e outros refugiados morreram afogados ao tentar alcançar a ilha grega de Kos e entrar na Europa. O foco agora está nos líderes europeus e nos debates sobre as melhores soluções para controlar o fluxo de refugiados.

Mas a história da família Kurdi e de muitas outras que morreram no Mar Mediterrâneo e em rotas terrestres, saindo do Oriente Médio e da África, começa com as guerras, conflitos e privações nessas regiões. Atualmente, a Síria é o principal país de origem de refugiados no mundo, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), com 3,88 milhões, só até o final de 2014. No mundo são quase 60 milhões de pessoas que foram forçadas a deixar seus países, metade delas jovens e crianças.

A porta-voz do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Dibeh Fakhr, disse que o conflito na Síria já dura cinco anos e que a situação humanitária no país permanece “catastrófica”. “Há enormes necessidades por todo o país. A guerra continua e afeta mais fortemente civis”, afirmou, explicando que mais de 7 milhões de pessoas estão sendo afetadas e mais de 4 milhões deixaram o país.

“Hoje, as necessidades principais são comida, água, medicamentos e atendimento básico de saúde. As moradias foram severamente afetadas pelos conflitos, muitas foram destruídas. Infelizmente, a água está sendo usada como arma de guerra na Síria por todas as partes envolvidas. A infraestrutura de abastecimento é fraca e ficou ainda mais frágil com as guerras, a água é cortada, às vezes por dias, deixando a população civil prejudicada. Muitas famílias nos contam que precisam fugir diversas vezes de uma área para outra tentando encontrar um lugar seguro”.

Refugiados na Grécia furam bloqueio policial no Sul da MacedôniaDibeh disse ainda que o comitê faz um trabalho humanitário e tenta chegar às áreas onde as necessidades são maiores. “Temos problemas com a segurança e precisamos de muitas autorizações para nos mover de um lugar para outro. Estamos nos esforçando ao máximo para ajudar, mas as necessidades são grandes, e não importa o quanto façamos, elas continuam aumentando. A solução precisa ser política”, disse a porta-voz.

O conflito na Síria, entre rebeldes e governo, também tem o envolvimento direto do grupo extremista Estado Islâmico, que tentam derrubar o presidente do país, Bashar Al Assad. A assessora de Direitos Humanos da Anistia Internacional Brasil, Fátima Mello, disse que a população também é atacada e usada por essas forças, estando exposta a ataques químicos, detenções, torturas, desaparecimentos e prisões. “Os civis estão expostos a situações gravíssimas de violações de direitos humanos”.

A origem e as soluções para os conflitos

Segundo o geógrafo e professor de relações internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado, Jorge Mortean, esse movimento entre a migração de pessoas de regiões em conflito e os países desenvolvidos é retroalimentante. “Os conflitos locais, no Oriente Médio, são causados pela própria interferência e interesse das potências mundiais, principalmente pela demanda energética, pela extração e compra de petróleo e gás natural. Os ocidentais direta ou indiretamente estão fomentando esses conflitos e acabam gerando esse fluxo de pessoas que perderam tudo e agora tentam de todas as maneiras entrar na Europa”, disse.

O professor explicou que, estremecendo a política doméstica o preço do petróleo tende a subir, influenciando o mercado mundial. Com os governos locais enfraquecidos, segundo Mortean, a força econômica também penetra melhor na indústria petrolífera local. “Fica um jogo dúbio. O governo local ganha [com a venda] e as potências econômicas também não deixam de lucrar [com o mercado aquecido]”.

Imigração - Refugiados que atravessaram a Hungria e Áustria se alojam em centro na Alemanha

O custo que esses países têm fomentado, as diversas facções e governos envolvidos no conflito, com armas, dinheiro e treinamento, é baixo, comparado aos lucros. Mas, segundo o professor, em determinadas situações essa equação se inverte. “O problema é que isso chegou em uma curva e agora o processo se inverte e não é mais tão vantajoso porque o custo social [de acolher os refugiados] está maior que o custo econômico”, explicou.

“A diplomacia tem um lado que não dá pra ver, esse lado obscuro é o que realmente acontece e que, muitas vezes, não pode ser resolvido. Os grandes financiadores, armadores de conflitos no Oriente Médio, na África, Ásia e até aqui na América Latina são os grandes que estão sentados nas cinco cadeiras permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas”, disse.

Para Mortean, acolher os refugiados é uma medida paliativa, mas só há uma solução para essa crise migratória: que os países estrangeiros parem de financiar os conflitos e fornecer armas para os países de origem dos refugiados.

Já Fátima Mello entende que é preciso também um esforço multilateral para desenvolver economicamente esses países, além de “sinais mais contundentes” de participação do Conselho de Segurança das Nações Unidas na resolução dos conflitos.

Refugiados na Europa

A assessora da Anistia Internacional Brasil disse ainda que o número de refugiados que chegam à Europa parece alto, mas são baixos se comparados a países vizinhos à Síria, que já receberam quase 4 milhões de refugiados sírios. Isso fez como que países como Líbano e a Jordânia fechassem suas fronteiras aplicando um controle mais efetivo sobre quem entra.

Imigração - Barreira de arame farpao no corredor dos Balcãs, entre a Turquia e a Hungria, considerada a entrada para a União EuropeiaFátima Mello explica que a União Europeia é signatária de todo tipo de acordos internacional humanitário, de concessão de asilo a refugiados, e, para conseguir reduzir o número de pessoas que morrem nas suas fronteiras, tem a obrigação de aumentar os vistos de assentamento. Entretanto, segundo ela, os países de entrada na Europa tem fechado suas rotas e limitado o acesso por terra, o que agrava a situação das travessias pelo Mar Mediterrâneo, para a Espanha, Itália e Grécia principalmente

“O número de refugiados e imigrantes via marítima tem aumentado muito. Os sírios totalizavam 46% das 176 mil pessoas que chegaram na Itália pela ilha de Lampedusa. É o país que, de longe, recebe mais refugiados por mar. Recomendamos que a Europa realize operações humanitárias envolvendo os vários países, mas que sejam operações que forneçam à Itália suporte logístico e financeiro”, disse.

Por terra, a Hungria é a porta de entrada para migrantes e refugiados, pois o país é signatário do Acordo de Schengen, de países europeus onde se pode transitar livremente sem passaporte. Para tentar barrar a entrada dessas pessoas, o governo húngaro construiu uma cerca de arame farpado, vigiada por policiais, ao longo da fronteira com a Sérvia.. E para aqueles que conseguem entrar na Hungria, a saída para os países mais ricos da Europa Ocidental está sendo limitada às estações de trem em Budapeste.

Segundo o professor Jorge Mortean, Acordo de Schengen já passou por algumas mudanças, tornando-se mais rígido dependendo da nacionalidade do cidadão, e, com esse fluxo de migrantes, é provável que haja novas alterações.

Pio Penna, professor de relações internacionais da Universidade de Brasília, disse que existe um impasse para manejar essa liberdade nos países de entrada (Espanha, Itália, Hungria, Grécia), pois os países para os quais os refugiados pretendem ir, como a França, Itália, o Reino Unido, a Alemanha, Áustria, estão dificultando a entrada. Por isso, segundo ele, a Alemanha está propondo um diálogo que traga uma solução.

Associada a essa dificuldade existe ainda, segundo Penna, o problema do tráfico de pessoas. “A maior parte dos refugiados seguem rotas abertas ou manejadas por pessoas ligadas ao tráfico humano, e essa gente não tem princípios, e aí acontecem outros acidentes de percursos”, disse. No final de agosto, 50 pessoas foram encontradas mortas em um caminhão frigorífico na Áustria. O porto, na cidade de Calais, por onde passa o Eurotúnel, em direção ao Reino Unido, também é rota de atravessadores.

Especialistas forenses investigam caminhão encontrado em rodovia, na Áustria, com pelo menos 50 refugiados mortos

Países de origem dos refugiados

Além da Síria, os especialistas citam o Iraque e a Líbia como os países de origem de muitos refugiados. Segundo Mortean, a Líbia sempre foi um canal de migração ilegal, mas com a derrubada do governo e morte de Muammar Kaddafi, em 2011, o país passou a viver uma crise interna, dividido em mais de 13 tribos que buscam o poder. “Com vários grupos sociais se armando, dá brecha para o surgimento de forças terroristas externas, como o Estado Islâmico”, disse.

O professor explica que o Iraque também sofre com as investidas do Estado Islâmico. “O governo iraquiano ficou um pouco enfraquecido com a saída das tropas americanas no ano passado. Além disso, é um governo administrativamente fragmentado por causa dos curdos, que têm a autonomia no Norte do país”, disse Mortean, explicando que muitos iraquianos têm se refugiados no Kwait.

Já Fátima Mello relaciona também as longas crises econômicas de países africanos e o extremismo religioso como fatores que levam as pessoas a abandonar seus países. “Deste o período da colonização as pessoas são expostas a violações e passam por situações de fome e de insegurança de todos os tipos. Agora, soma-se a radicalização por parte do extremismo religioso, como Boko Haram, e tudo isso expulsa as populações de suas casas e seus países de origem.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

3 Comentários

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  1. Os cinco grandes financiando

    Os cinco grandes financiando tiranos locais e a consequente crise popular sob a desculpa de livrar os povos da tirania dos antigos governantes. Aqueles que democráticos ou não, os desagradavam porque tentavam dar uma agenda própria a seus países.

    Enquanto isso, os países onde a tirania é muito pior, Arábia Saudita, Omã, Abu Dhabi e outros, tentam destruir a economia russa via baixa do preço do petróleo. E dane-se se arrasta várias nações ditas “aliadas” (toda a América Latina fica aí).

    Por outro lado, a concentração de renda no primeiro mundo já alcança os mesmos níveis do início do século XX (movimento se iniciou nos anos 90). E os ricos seguem financiando a ideologia da migração da renda para os seus bolsos, via paraísos fiscais, desregulamentação, baixa de impostos, enfraquecimento dos governos e de tudo que é público. Cada vez mais se fazem leis que garantem a liberdade do capital e em contrapartida aprovam-se leis que restringem direitos universais.

    A grande imprensa faz o trabalho da devida justificação ideológica, embaralhando as questões, fazendo com que a maioria do populacho não consiga saber nem quais são perguntas, o que dirá conhecer as respostas. Eles sabem, isto já foi estudado, que as pessoas não querem o conhecimento, mas sim certezas (Bertrand Russel), e desde a formação inicial familiar, necessitam de símbolos e ídolos para seguir acriticamente… O senso comum sempre é “aprendido”…

    Só falta agora a promoção de uma guerra em escala mundial, sob a desculpa da garantia da “liberdade”… Aí teremos o de sempre… Gente que não se conhece matando uns aos outros, para garantir o dinheiro e poder de gente que se conhece muito bem.

    Um abraço.

  2. Quando a venezuela deportou N

    Quando a venezuela deportou N imigrantes colombianos o assunto não teve o mesmo tratamento.

    Se tem uma coisa que denuncia a má indole de alguém é ter dois pesos duas medidas.

    http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2015/08/31/onu-diz-que-10-mil-colombianos-deixaram-a-venezuela-apos-crise-na-fronteira.htm

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