Desigualdade existe porque o capital é a prioridade, não os direitos humanos

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Sarah Fernandes

Na RBA

Em 22 de dezembro de 1992, há exatos 25 anos, ocorria um fato que mudaria para sempre a história política da América Latina: o advogado paraguaio Martín Almada, acompanhado pelo juiz José Agustín Fernández, encontrava quatro toneladas de documentos sobre atividades da polícia secreta paraguaia na ditadura de Alfredo Stroessner, que governou o país por 35 anos (de 1954 a 1989). Os papéis ficaram conhecidos como Arquivos do Terror e denunciaram ao mundo à existência da Operação Condor, uma aliança política entre os vários governos militares da América Latina, com respaldo da CIA (Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos), para coordenar a repressão a opositores e eliminar seus líderes.

Dias antes, Almada havia recebido uma ligação de uma testemunha que o orientou onde estariam os arquivos: em uma pequena delegacia no interior do país. O advogado apenas buscava provas de que ele próprio havia sido torturado e que sua mulher, Celestina Pérez de Almada, fora assassinada. Porém, comprovou a existência de uma aliança multinacional para aniquilar opositores políticos. Anos depois, restabelecida a normalidade democrática naqueles países, os mesmos documentos serviram de base para a atuação das respectivas Comissões da Verdade, que por sua vez levaram à punição de diversos militares.

A descoberta rendeu a Almada o Prêmio Nobel Alternativo em 2002 e marcou sua trajetória de décadas de luta pelos direitos humanos.

Em entrevista à RBA, Almada, 80 anos, defende que parte dos interesses da Operação Condor continua vigente na América Latina, interferindo em governos populares para fortalecer grandes grupos econômicos estrangeiros e neoliberais. “Essa é a característica da nova fase do Condor: permitir que grandes empresas ocupem as ruas e os meios de comunicação de massa”, diz o advogado, que publicou em 2015 seu último livro sobre o tema, chamado O Condor Segue Voando. “Impera uma concepção econômica e neoliberal vinculada ao endividamento externo”, explica.

A atual crise política de Honduras, o golpe parlamentar contra o presidente paraguaio Fernando Lugo, em 2012, e o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff em 2016 são, para Almada, “golpes brancos” com interesse de devolver a América Latina à posição de colônia. “Os governos atuais do Brasil e da Argentina estão alinhados com grandes empresários”, diz. “Fundações dos Estados Unidos se articulam para enfraquecer governos de esquerda e abrir espaço para empresários defensores do livre mercado. A derrubada de Dilma foi apoiada por organizações como o Instituto Millenium, que recebe recursos do Bank of América Merrill Linch.”

Confira a entrevista:

Como esta descoberta (sobre os Arquivos do Terror) influenciou o desenvolvimento da democracia nestes países?

A Argentina foi o país que até pouco tempo atrás liderou a defesa dos direitos humanos na América Latina. Outros países do Cone Sul seguiram com militares nostálgicos da ditadura e promoveram uma transição de regimes supostamente democrática, gradual e segura. Apesar do descobrimento dos Arquivos do Terror e da Operação Condor, que comprometem os genocidas da região, impera em muitos países um pacto de silêncio, que na prática significa um pacto de impunidade. O descobrimento dos Arquivos do Terror deu lugar a uma democracia de fachada.

Em muitos países da América Latina o Judiciário acaba dando suporte ao Poder Executivo e ao Congresso Nacional e criando brechas jurídicas, algumas inclusive para atender interesses estrangeiros, sobretudo dos Estados Unidos. O Poder Judiciário no Cone Sul é o mais caro do mundo, apesar de não ser um dos mais eficientes e de não ter promovido o desenvolvimento esperado da democracia.

O senhor afirma em seu livro que a Operação Condor não acabou. De que forma ela segue atuando na América Latina hoje em dia?

Uma das provas de que o “Condor segue voando” são os sucessivos ataques à democracia na região. Entre eles estão o golpe militar em Honduras em 2009 contra o então presidente Manuel Zelaya, o golpe parlamentar contra o governo constitucional de Fernando Lugo no Paraguai em 2012 e, nas últimas três semanas, a vitória contestável do conservador Juan Orlando Hernández para a presidência de Honduras, um candidato apoiado pelo governo norte-americano que se impôs provocando repressão e mortes.

A cada dois anos, exércitos de pelo menos 20 países das Américas se reúnem na Conferência de Exércitos Americanos (CEA). Há fortes indícios de que na 21ª edição, ocorrida em 1995, em Bariloche (Argentina), os participantes trocaram listas de nomes de pessoas de toda a América Latina consideradas subversivas. Esteve presente o ditador chileno Augusto Pinochet, que foi o único a não apoiar a democracia, com o argumento que o comunismo poderia se esconder atrás dela. A conferência se apresenta publicamente como uma ação para levar apoio aos mais necessitados, mas se omite totalmente da reparação de pessoas vítimas de terrorismo de Estado.

Outro indício de que os interesses da Operação Condor persistem é o funcionamento da Escola das Américas (instituição fundada em 1946, no Panamá, para treinar soldados latino-americanos em técnicas de guerra e contra insurgências. O centro funciona na Geórgia, nos Estados Unidos, desde 1984 e atualmente foi rebatizada de Instituto de Cooperação e Segurança do Hemisfério Ocidental). O padre católico norte-americano Roy Bourgeois – que há 25 anos montou um movimento contra a instituição, a chama de “Escola de Assassinos” – e defende que diversos torturadores e violadores de direitos humanos se formaram ali.

Que tipo de interferência os Estados Unidos exercem sobre a América Latina hoje e como ela se alterou desde a Operação Condor?

Algumas fundações norte-americanas se articulam para enfraquecer a permanência de governos de esquerda na América Latina, para abrir espaço para empresários reacionários defensores do livre mercado. A derrubada da ex-presidenta Dilma Rousseff, por exemplo, foi apoiada por organizações não governamentais como o Instituto Millenium, do Rio de Janeiro, que desde 2006 recebe apoios financeiros de grandes corporações, como o Bank of América Merrill Linch, Grupo RBS e Grupo Gerdau.

Ainda no Brasil, foi fundado o Instituto Liberal pelo magnata Donald Steward, cuja fortuna se deve em parte a contratos firmados com governos ditatoriais. Vale recordar que a General Motors facilitou a Stroessner, os centros móveis de tortura, com carros do modelo Chevrolet Custom. Foi lá que me acusaram de organizar um atentado contra a vida do ditador e de sequestrar seus colaboradores para prendê-los em uma suposta prisão. Essa é a característica da nova fase do Condor: permitir que grandes empresas ocupem as ruas e os meios de comunicação de massa.

Continue lendo aqui.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

2 Comentários

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  1. Muito interessante, a corrupção então é promovida pelos USA

    Ora, para fazer negócios tem que corromper governos?

    Isso é uma acusação muito grave feita a empresas norte americanas.

    E a tal da “justiça americana”, ao exemplo americano, não existe? É tudo lorota.

    Como pode uma nação influir e corromper governos para ganhar dinheiro?

    Então os americanos não geram riquezas, roubam as riquezas de outros países?

    Para manterem seu padrão de vida?

     

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