Direitos indígenas ameaçados e a Funai abandonada

Jornal GGN – A Fundação Nacional do Índio (Funai) vem perdendo força no governo Dilma Rousseff. O primeiro mandato da presidente teve a menor demarcação de terras indígenas desde a redemocratização. Desde que Marta Azevedo pediu demissão, em junho de 2013, o órgão está sob o comando de um presidente interino. Para organizações de defesa dos indígenas, essa é uma demonstração clara do desinteresse de Dilma pela Funai.

Dilma reduz estrutura da Funai e tem menor demarcação de terras desde 1985

Por Roldão Arruda

Do Estadão

Primeiro mandato da presidente é o período em que se delimitou a menor área desde a redemocratização do País; falta de prioridade ao órgão, há 20 meses sob comando interino, persiste com queda no número de funcionários e no orçamento anual

São Paulo – No momento em que aumentam as pressões no Congresso contra as reivindicações indígenas por mais terras, a Fundação Nacional do Índio (Funai), cuja missão é proteger e promover os direitos dessa população, vive um processo de enfraquecimento no governo Dilma Rousseff. A presidente encerrou o primeiro mandato com a menor área de terras indígenas demarcada desde a redemocratização e começou o segundo período no Palácio do Planalto sem indicar mudança no desinteresse pelo órgão.

Há 20 meses, a Funai está sob comando interino. Desde que a demógrafa Marta Azevedo pediu demissão, em junho de 2013, Dilma não nomeou oficialmente nenhuma pessoa para o cargo. O atual presidente interino, Flávio de Azevedo, é um procurador vinculado à Advocacia-Geral da União (AGU) que prestava serviços à área jurídica da Funai até outubro, quando assumiu o posto temporário.

Para organizações que atuam na defesa dos indígenas, essa situação é mais uma demonstração do desinteresse de Dilma pelo órgão. A presidente é a que manteve a fundação sob comando interino pelo período mais longo desde sua criação, em 1967. Nesses 48 anos, a Funai teve 33 presidentes – média de 1 ano e 4 meses de mandato para cada um. Nos dois governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a instituição teve dez presidentes. Com Luiz Inácio Lula da Silva, foram três.

Na avaliação de Cleber Buzatto, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o enfraquecimento da Funai está se agravando. “A manutenção de interinos no cargo de presidente é um dos reflexos mais visíveis desse processo”, disse. “Existem enormes pressões políticas para que não sejam aprovados relatórios de delimitação e demarcação de novas terras, uma das principais responsabilidades do presidente da Funai. Como ele pode levar adiante essa função se está interino no cargo?”

Dilma mantém há 20 meses a Funai com presidente interino. Primeiro mandato da presidente terminou com a menor área de terras indígenas demarcada desde a redemocratização

Esse enfraquecimento da Funai apontado pelo dirigente do Cimi ocorre em paralelo à maior pressão no Congresso para aprovação de uma emenda constitucional que delega ao Legislativo o poder de demarcar terras indígenas. Hoje, essa prerrogativa é exclusiva do Executivo.

No governo Dilma, essa atribuição foi pouco efetiva. A petista homologou em quatro anos a criação de 11 terras, um total de 2 milhões de hectares, mais baixa marca dos governos pós-ditadura militar. Em metade do tempo, Itamar Franco homologou 16 áreas e 5,4 milhões de hectares.

Quedas. Para Buzatto, outros indicadores de enfraquecimento são a redução do quadro de funcionários, especialmente os que atuam nas demarcações, e do orçamento. Segundo a Funai, o quadro de funcionários permanentes caiu de 2.396 em 2010 para 2.238 em 2014. O grupo dedicado à delimitação e demarcação de terras foi reduzido de 21 para 16 funcionários fixos. O número de antropólogos na equipe baseada em Brasília baixou de seis para dois.

O encolhimento também é visível no orçamento. Em 2013, a verba da Funai (a soma de custeio e investimento, em valores já corrigidas pela inflação) chegou a R$ 174 milhões. Em 2014, segundo o órgão, foram R$ 154 milhões.

Fora isso, hoje há 13 processos de demarcação parados no Ministério da Justiça, onde precisam de uma Portaria Declaratória para seguirem tramitando no governo. Outros 21 processos de demarcação já estão na mesa de Dilma, à espera da assinatura da presidente. Segundo levantamento da Assessoria Especial de Participação Especial, essas terras indígenas totalizam 1,4 milhão de hectares.

Para André Villas-Bôas, secretário executivo do Instituto Socioambiental (ISA), o esvaziamento da Funai começou no governo Lula e se agravou com Dilma. “Diante de obras como as hidrelétricas que estão sendo construídas e que afetam populações indígenas, o óbvio teria sido o fortalecimento de instituições que cuidam dessas populações. O que se vê é o oposto, com licenciamentos a toque de caixa e desenvolvimento a qualquer preço.”

Redação

7 Comentários

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  1. Faltou dar o nome.

    Adivinhem quem é o ministro responsável pela Funai? Vou só dizer suas iniciais: ‘J’ de josé, ‘E’ de eduardo e ‘C’ de cardozo, a figura mais nefasta e inútil do governo da dona Dilma.

  2. Isso é um sintoma do que

    Isso é um sintoma do que tornou frágil o governo Dilma, logo ela que é considerada uma pessoa forte: seu menosprezo pelos movimentos sociais, entre os quais avultam os mais desvalidos que são os indígenas. Essa não é só uma questão simbólica, mas como se sabe os símbolos têm muito peso na cultura, e os erros de Dilma têm muito a ver com uma visão equivocada de cultura, como algo que é só perfumaria, algo secundário, visão que, entre outras coisas, levou às manifestações do ano passado e que abalaram sua popularidade. Mais sintomas: na recente festa dos 35 anos do PT, Lula e Mujica citaram os indígenas em seus ótimos discursos; Dilma “se esqueceu” deles, e foi “lembrada” por militantes da plateia, sendo que a câmera mostrou nela a presença de indios. Há coisas que parecem de pouca importância, mas são fundamentais, são de base, são de terra, sangue, água e raiz.

  3. Enfraquecimento da FUNAI

    Artigo muito pertinente num momento em  q o órgão federal indigenista enfrenta sérios problemas de erosão técnico-administrativo-orçamentário e político . É lamentamentavel q no governo da presidenta Dilma isso esteja acontecendo . Lamentável ainda é  ver q , na material , não se ouve a voz da associação de funcionários da FUNAI . Fica parecendo q o Cimi e o Isa detêm essa prerrogativa. . Mas , que ótimo q trouxeram esse assunto a baila  novamente.

  4. Mesmo assunto, outra

    Mesmo assunto, outra hidrelétrica [Belo Monte] :

    Relato do defensor público federal Francisco Nóbrega, o primeiro a desembarcar em Altamira, chefe do Grupo de Trabalho Indígena da Defensoria Pública da União e um dos coordenadores da força-tarefa da cidade:

    “Posso afirmar que nunca tinha visto nada parecido, mesmo já sendo defensor público há quase 9 anos. Difícil de assimilar e de reproduzir o que acontece por lá, mas ousarei tentar. O governo federal é o verdadeiro responsável pelas injustiças observadas em Belo Monte. Não há clareza quanto aos papéis de cada sujeito: o governo é ao mesmo tempo contratante e principal interessado na obra; é importante acionista da empresa ganhadora da licitação, mas também comanda o órgão licenciador, Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), assim como detém o poder de punir/fiscalizar a empresa quanto ao cumprimento das normas e condicionantes por ele próprio fixadas. Tanto o Ibama quanto a Funai (Fundação Nacional do Índio) não atuam com independência técnica. Seus pareceres não têm refletido nas decisões políticas tomadas e, neste cenário, o Poder Judiciário também foi engolido pelo jogo político. Lamentavelmente, percebe-se, em especial na questão do reassentamento das famílias forçadamente removidas de suas casas, a total e completa ausência do Estado, com exceção do Ministério Público Federal. A liberdade dada ao empreendedor para interpretar o PBA (Plano Básico Ambiental) e para decidir quais famílias receberão casa, indenização, carta de crédito ou aluguel social, por exemplo, revela a transferência para a empresa da responsabilidade pela garantia do direito à moradia. O governo está distante do processo, seu único interesse é o cumprimento rápido dessa condicionante, é evitar o atraso no ligamento das turbinas, postura reforçada com as crises hídrica e de energia.”

    […]

    “Minha grande tristeza e decepção (e aqui falo como ex-militante do PT) é com o (inexistente) papel do governo. Após esses dias todos em Altamira, aprendi a não demonizar a Norte Energia. É a União, contratante da obra, que permite os excessos, que se omite em assumir suas responsabilidades enquanto poder público, enquanto principal causador dessa violência atroz que é a construção dessa usina. Num mundo ideal, em que um partido de esquerda mantivesse erguida alguma bandeira minimamente popular, o processo de reassentamento urbano seria acompanhado de perto pelo governo, com os casos de recusa, das pessoas que não aceitaram a proposta ofertada pela empresa, sendo submetidos ao poder público para resolução. Essa falta de sensibilidade para o que está acontecendo com a população removida compulsoriamente em Altamira beira o inacreditável.”

    fonte : Eliane Brum – O pescador sem rio e sem letras

    1. Mais, relato do defensor

      Mais, relato do defensor público federal Francisco Nóbrega :

      “A inexistência de uma sede permanente da DPU (Defensoria Pública da União) no município é reflexo do histórico desinteresse do governo em interiorizar e pulverizar a instituição. Lamentavelmente, não existe sede fixa da DPU em mais de 70% das cidades em que há seção judiciária da Justiça Federal. No país inteiro, existem pouco mais de 500 defensores públicos federais [!!], enquanto o contingente de advogados do governo – aqui contabilizados os procuradores federais, os procuradores da Fazenda e os advogados da União – chega perto dos nove mil. A mesma absurda desproporção ocorre com relação ao número de juízes e de procuradores da República. Somos poucos defensores federais, com diminuto orçamento e sem estrutura de trabalho. Estamos precariamente instalados em Altamira, ocupando o prédio da Defensoria Pública do Estado, e lá não contamos com acesso à internet e o telefone não origina chamadas para celular. A procura por atendimento tem sido imensa e tem gerado filas assustadoras. Estamos fazendo o possível, com vontade e determinação, mas nossos braços são curtos. Atualmente, sequer há juiz na cidade. O juiz federal de lá foi removido para Belém e só vai para Altamira uma semana por mês, quando faz um ‘mutirão de audiências’.” 

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