Crise sem precedentes: Comissão Interamericana de Direitos Humanos se vê ameaçada

Decisão do secretário da OEA de afastar Paulo Abrão ocorreu pouco antes da divulgação de um relatório pela CIDH sobre milícias e violações no Brasil

Paulo Abrão – Foto: Divulgação/Agências

Jornal GGN – A crise sem precedentes na história da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que integra a Organização dos Estados Americanos (OEA), assustou não somente a comunidade jurídica internacional, como também deixou todo o sistema interamericano de direitos humanos em alerta. O avanço da interferência política na entidade, em uma clara pressão dos Estados Unidos, foi explicitado com a destituição do brasileiro Paulo Abrão no comando dos trabalhos de direitos humanos.

A decisão inédita do secretário-executivo da OEA, Luis Almagro, detonou uma crise interna na organização. Em entrevista à TV GGN, nesta quinta (27), Marcelo Uchôa, mestre e doutor em direito constitucional e professor de direito internacional público da Universidade de Fortaleza, narrou que a notícia foi recebida com surpresa.

“A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é formada por sete comissionados, que em janeiro passado tinham aprovado por unanimidade e com votos de louvor o nome do Paulo Abrão na Secretaria Executiva por mais um período de quatro anos, pelos serviços que ele tinha prestado nesse período que terminou agora”, contou.

Segundo ele, a Comissão Interamericana, sob o comando de Abrão, estava só “fazendo o seu trabalho”, e “foi punida” com o afastamento de Paulo Abrão por Almagro, da OEA.

“Almagro demorou muito tempo para decidir e agora comunicou que simplesmente não iria investir por um segundo período, por razões que também não esclareceu, deixou a comunidade jurídica internacional e todo o sisema interamericano de direitos humanos em alerta, porque não é normal tomar uma atitude dessa, porque dentro do sistema se busca democratizar a ocupação dos espaços e essa decisão do Almagro viola totalmente a autonomia da Comissão interamericana de Direitos Humanos”, contou.

Para o especialista, a medida coloca em risco “todo o movimento que historicamente vem sendo feito para fortalecer a Comissão Interamericana”. Ainda, para Uchôa, a decisão é visivelmente política: “percebe-se que isso tem uma interferência política grande, porque Almagro, na secretaria-geral da OEA, vem sendo um verdadeiro peão dos Estados Unidos e colaborador, claro, dos interesses impearialistas americanos, junto com Brasil, junto com Colômbia.”

De acordo com reportagem da BBC Brasil, divulgada nesta sexta (28), a decisão de Almagro, que como narrou Uchôa foi tardia, ocorreu pouco antes da divulgação de um relatório pela CIDH sobre milícias e ataques a minorias no Brasil. De acordo com o jornal, o documento denunciaria a “deterioração, retrocessos e graves violações de direitos humanos” no Brasil, sob o governo de Jair Bolsonaro.

O relatório trazia um balanço em temas de direitos humanos nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro. Entre os números apontados, o fato de que o país foi alvo de mais de 45 críticas públicas, recomendações e petições de organismos internacionais, incuindo assassinatos de mulheres, indígenas, trabalhadores rurais e presos até o fechamento de unidades da defensoria pública e mudanças no Ibama.

Em uma das medidas que mais teria irritado o governo Bolsonaro, a Comissão solicitou no fim de 2018 a proteção de Monica Benicio, viúva da vereadora Marielle Franco.

Já o documento que estava prestes a ser publicado trazia ataques à imprensa, atuação de milícias, impunidade policial, vítimas da ditadura militar, graves violações a indígenas, quilombolas, população carcerária, trabalhadores rurais, à liberdade de expressão e ao funcionamento das instituições democráticas no país, além dos impactos do uso da base de Alcântara em comunidades quilombolas, tema que afeta tanto o governo brasileiro, como o norte-americano.

 

Redação

3 Comentários

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  1. Então, quer dizer que os eeuu mandam e desmandam na OEA?
    Oh… Estou estarrecido!
    Nunca imaginei isso!
    É, o fim do mundo deve estar mesmo próximo…
    Só falta agora revelarem que o Lula nunca foi de esquerda e sempre foi um sindicalista pelego.

  2. São os estertores da agonia do monstruoso Capitalismo, debater dos seus membros descoordenados, desesperados, atingindo a qualquer um que esteja por perto… Todo mundo já sabia que não era sustentável. A ascensão da China e seu chamado a outras nações para pluralismo na governança mundial é apenas a tomada de um poder que não admite vácuo. E não tem volta: mesmo empresário estadunidense tem preferido fabricar na China. E os EUA não tem como se defender sem romper com sua alegação de liberdade, de não interferência do estado em negócios privados. Não podem dizer a seus próprios cidadãos empreendedores que, apesar de lucrativo, não devem fazer negócio com os chineses.

    Nada, absolutamente nada do que é construído através da violência (das Ilhas de Bikini ao Iraque passando pela inventada Guerra Fria), dura. O oprimido sempre vai se rebelar contra o opressor. E como sempre o líder depende mais dos liderados – e suas submissões – do que o oposto. Não dá para manter liderados na base da porrada, isso é insustentável. Violência tem limite, que é anterior à morte dos ex-submissos, agora independentes.

    Tá feio de ver a agonia do dólar, está desmanchando coisas belas (e a CIDH é apenas uma)… Mais 50 ou 100 anos e os EUA, se não se cuidarem, virarão um bando de esquizofrênicos saudosos dos “bons tempos”… seria legal irem se preparando desde já para tentar encontrar lugar num mundo plural, sem opressão, sem violência, sem guerras inventadas, um mundo de colaboração e respeito às normas co-decididas…

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